INCÊNDIOS


Em pauta, a guerra sem fim entre cristãos e muçulmanos. Esqueça qualquer inserção temática tendencionalista ou a utilização do mesmo para elevar impactos melodramáticos. Incêndios é visceral e aposta na crueza ao cruzar décadas deste conflito, fragmentando a narrativa baseada na peça de Wajdi Mouawad e criando uma dinâmica muito interessante com o público quando expõe a história de irmãos à procura da verdade sobre a formação e desfragmentação de sua família.

Em pequenos capítulos, que servem mais como dicas para o espectador montar o quebra-cabeça sugerido por Dennis Villeneuve, a história/martírio se dissolve em cortes secos e na ausência de elementos extra tela. O caos emocional que espelha interesses políticos e religiosos não é confundido pelo diretor, que outrora fez o fraquíssimo Polytechnique.

Incêndios é um daqueles filmes gostosos de acompanhar não só pela composição dramática do texto e da excelência exercida nas atuações, mas pela fragmentação – nada pretensiosa vale dizer, que ressalta a potência da resolução de cada ato e resgata um costume perdido há um bom tempo no cinema: o de dialogar com o público e saber a potência ilusionista que a arte tem.

 
Incêndios (Incendies, Canadá/França, 2010) de Denis Villeneuve

BRUNA SURFISTINHA

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A estreia de Marcus Baldini como diretor de cinema o coloca como mediador de uma problemática do cinema nacional: Bruna Surfistinha parece ser um catalisador de saídas e soluções para um conceito moldado no início da década passada. Porém, o filme de Baldini vai até onde pode. Flerta algumas vezes com o lírico, quando seu texto o permite, mas por boa parte de sua narrativa, procura, na verdade, é ser o mais direto possível sem adotar conceitos estilísticos ou institucionalizar personagens e a própria vida de Bruna, garota de classe média alta que sai de casa por conta do desgaste na relação com seus pais e irmão.

A impressão é que existe pressa para compactar todas as informações do livro em que o filme foi baseado. Para aprofundar em qualquer assunto além do queda-ascensão-queda da vida profissional de Bruna, precisaria de muito mais tempo que talvez deixasse tal ritmo narrativo irregular. Bruna Surfistinha carrega em seu desenvolvimento – realçado pela entrega de Deborah Secco - algo que pouco há no cinema nacional quando o assunto é mercado: a necessidade de abordar um tema e desenvolvê-lo sem pretensiosismos técnicos ou subestimar sua platéia.  Não coloca a possível delicadeza do assunto como fonte de sensacionalismo ou conservadorismo, apenas como reconstituição dramática de fatos. Convenhamos, por mais óbvio que pareça, é comum que idéias como essa se esmaeçam em visões maiores que a obra.

E por manter-se linear em senso, ritmo e análise, o longa dilui silenciosamente formas e critérios de desenvolvimento de arte como entretenimento, como a protagonista diz em total licença poética em algum momento do filme. Seja intencional ou por puro acidente, a verdade é que Bruna Surfistinha é um filme que cativa os requisitos da cartilha comercial sem tornar-se pedante.

Bruna Surfistinha (Idem, Brasil, 2011) de Marcus Baldini

SEPARADOS PELO DESTINO


A recepção calorosa da crítica a Separados pelo Destino durante o Festival de Cinema de Torono traduzia a euforia à escassez de filmes além da temática marcial na China. E o calor deve parar por ai. Pois o filme de Feng Xiaogang (baseado na obra de Ling Zhang) é a síntese da má realização dramatúrgica e composição melodramática de um longa. Nos primeiros minutos, onde Xiaogang procura o seu ponto de desenvolvimento narrativo – no caso, o terremoto que destruiu a cidade de Tangshan em 1976 e que separou dois irmãos gêmeos – naquilo que conhecemos como filme-desastre numa sequência longuíssima e de estética chocante e igualmente duvidosa, questionei-me se assistiria uma obra megalomaníaca calçada no ideal do cinema-espetáculo ou um capítulo estendido de alguma novela mexicana.

A partir daí, qualquer esperança de nuances narrativos pode ser anulada. Desenvolvimento e resoluções de conflitos são tão pobres que o filme se sustenta apenas pelo ritmo. É claro que a história chega ao limite do apelo melodramático e que pode conquistar corações mais sensíveis, mas a linha entre tributo e apelo em certo momento deixa de ser tênue, principalmente por escolhas tão óbvias para ilustrar a proximidade dos irmãos que viveram sob a sombra desta tragédia.

Xiaogang parece perdido; ilustra o óbvio e dispensa os conflitos, sempre com a intenção de entregar uma obra agridoce, sem ferir sentimentos de sua audiência, numa inevitável comparação - novamente - a uma novela, que segue um padrão máximo de frieza e acomodação referente ao seu público. Assim, elimina-se clímax e a calidez necessária para aproximar personagens e desenvolvimento narrativo para identificação ou total interação com o filme.


Separados Pelo Destino (Tangshan Dadizhen, China, 2010) de Feng Xiaogang

127 HORAS


Era de se imaginar que a história de um homem preso a uma pedra por 127 horas levasse a um caminho que sua narrativa sustentasse elementos de suspense. Danny Boyle não elimina por completo essa proposta, mas opta por um tour de force louvável ao analisar a perda de lucidez de um homem através de uma desconstrução ilustrativa.

127 Horas guarda resquícios narrativos dentro da dinâmica da linguagem de vídeo-clipe que mantém o ritmo do longa intacto. Para abordar todos os pesos da mente de Aron Ralston (James Franco), Boyle abusa de todas as idéias que tal saída lhe proporciona: tela dividida, fragmentação do tempo e o encontro imagético com seus conflitos, justificados pelo estado físico do protagonista. Como forma de exorcismo e aproximação ao público, lá está uma filmadora portátil.

Ainda sim, o filme possui forças para ser claustrofóbico por analisar a situação como um todo, não apenas no sofrimento do escalador. Mas, por priorizar o monstro interior de Aron, a necessidade de inserir elementos melodramáticos (reforçada pela trilha de A.R. Rahman) desequilibra o epílogo e dá margem ao desfecho brusco e demasiadamente manipulado, visualmente falando.

127 Horas (127 Hours, EUA/Reino Unido, 2010) de Danny Boyle

O DISCURSO DO REI


O grande trunfo de O Discurso do Rei é o seu desenvolvimento narrativo unido a pertinência de elementos imagéticos para representar o estado emocional de seus personagens. Tom Hooper (Maldito Futebol Clube) os solta na junção de um roteiro bem resolvido e separa seu filme em três atos e em distintas formas de análise pela escolha de quadros. Eles vão, aos poucos, dominando a tela. No ínicio, quando estão inseguros e incômodos, os personagens se espremem no canto da tela. No último ato, o excesso de planos fechados sinaliza a segurança e elimina a sensação decorativa sugerida pelo diretor.

Outro grande aposta - com êxito -  do filme de Hooper é a segurança para brincar com fatos históricos, que mesmo usados como pano de fundo, não assumem um papel intocável ou entronizado. Assim, toques de humor são inseridos junto à sua manipulação e impedem que o filme perca ritmo e tome o caminho melodramático.

Fora o perfeito conjunto de elementos funcionais, O Discurso do Rei conta com um elenco em sintonia, que preenche requisitos obrigatórios para este gênero, ao mesmo tempo em que é trivial na hora de desconstruir estereótipos.

O Discurso do Rei (The King's Speech, Reino Unido/Austrália/EUA, 2010) de Tom Hooper

O VENCEDOR

Christian Bale Mark Wahlberg

O fato de O Vencedor ser baseado em uma história verídica não o tira de um conceito. O velho conto da superação, unido ao indigesto olhar direitista maquiado pela dupla nacionalidade de Micky é o elemento que impulsiona a narrativa. Como Rocky – Um Lutador fez na segunda metade dos anos 70, O Vencedor exige as mesmas motivações do espectador, mas desta vez sem a sinceridade da obra de baixo orçamento que consagrou Sylvester Stallone.

David O. Russel dá dinâmica à história de uma família em cacos que depende financeiramente de Micky (Mark Wahlberg, boxer  que vê sua carreira em queda prematura) e Dicky(Christian Bale, ex-boxeador e  entregue às drogas) através de conflitos densos. A contemporaneidade e a forma com que o diretor aborda assuntos delicados são virtudes do roteiro, realçados e sustentados por atuações primorosas de  Bale, Melissa Leo e Amy Adams. Sem subtramas, limitado sempre à geografia das cenas e a um só núcleo, O. Russel destroça o efeito causa-consequência nas diversas esferas que cercam Micky.

O clímax, obviamente passado dentro de um ringue, parece truncado, forçado demais. Sua existência é questionada dentro da diegese. O desleixo com sua decupagem é perceptível e não enfrenta a onisciência e pulgência da relação conturbada dos personagens. Por outro lado, a sequência é a epítome do que o cinema americano sempre pregou e vai de encontro com o caminho tortuoso que o diretor criou para imprimir a realidade de um país nem tão perfeito assim.

 
O Vencedor (The Fighter, EUA, 2010) de David O. Russel

CISNE NEGRO


A intensidade com que Darren Aronofsky rege a transformação do belo em trágico através da literal metamorfose do artista em arte utilizando aspectos distintos e aparentemente sem encaixe coroam o choque em Cisne Negro.

Aronofsky está à procura da representação do abstrato, do caótico, da interminável guerra da autodestrutiva mente de Nina (Natalie Portman), seja nas imagéticas metáforas - onde boa parte delas acopla elementos do suspense e até mesmo do gore – ou na decupagem de seus planos, que praticamente coreografa sequências de câmera na mão e planos mais abertos, como se cada cena guardasse seu momento de bonança e tempestade.

O balé, fonte de inspiração do roteiro originalmente escrito por Andrez Heinz, justifica tamanha distinção de elementos usados pelo diretor. É possível compilar cenas tensas, fortes com a sutileza dos passos de “O Lago dos Cisnes”. O rito de passagem do cisne branco para o cisne negro requer calos, dor, descobertas, decepções e a chance para o recomeço.

Justamente neste ponto que Cisne Negro se transforma em campo de qualquer possibilidade, do belo, do grotesco, de saídas tacanhas ou geniais dependendo de sua interpretação. A graça é essa. Interagir dinamicamente com o improvável.

Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010) de Darren Aronofsky

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