PHILOMENA




Acerca de seus alicerces, em especial a trilha sonora e a mise en scène, o melodrama busca acima da forma do roteiro clássico, a conciliação. Ainda que muitos deles no cinema contemporâneo rejeitem a ideia de ciclo, de encerramento e sim do reconhecimento e de um ponto pertinente para a sugestão de avanço na fronteira delineada pelo diretor, Philomena transforma-se em um caso curioso, pois o filme se desenrola sob o antigo domínio. 


Em seus primeiros minutos, Philomena entrega seu único objetivo: abre com elementos que o reconheçam como melodrama e traça rapidamente um paralelo entre as trivialidades do ceticismo e da espiritualidade, traduzidos aqui como a sabedoria de um jornalista e a esperança de uma mãe. 


A estranheza oriunda deste encontro após um flashback dispensável – afinal a história é relembrada a cada segundo – parte de interesses, novamente, distantes. A mãe procura o filho. O jornalista procura se reerguer com uma história “para pessoas comuns”. Esta dicotomia é a maior e enfraquecida metáfora sobre o método em que a história se desenrola. Dois conflitos que se resolverão em um só espaço cênico, regidos por um só eixo narrativo, onde um acredita em profundidade e outra na simplicidade. Como se espera, admiração e desprezo são implícitos, e logicamente a primeira hora de filme se resume à aproximação e quebra destas ideias enquanto Philomena (Judi Dench) e Martin SixSmith (Steve Coogan, também roteirista do filme) buscam por justiça, cada um a sua moda.


Philomena é um filme magro justamente por conta de seus apoios. Assumir uma forma não o enfraquece, mas se dilui por não permitir que ele fale por si. Sua meia hora final dá vida às reais intenções de Stephen Frears e ali o longa desenha uma teia interessante entre os personagens, passado e presente, inclusive flertando com outros gêneros. Por esta escolha aguda e o destoante ato final, a sugestão do filme é que se faça a comparação e para qual caminho o filme deveria ter sido desenhado.  

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO




Solomon Forthup (Chiwetel Ejiofor) seguiu a via crucis por doze anos no país que até hoje intensamente prega o evangelho de Cristo Jesus. Conforme Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972) de Werner Herzog, a denuncia é tão clara desta posição hipócrita e de soberba gratuita, contrária à palavra pregada – ou intencionada. A ótica de 12 Anos de Escravidão segue esta linha, ainda que pareça fragilizado entre a denúncia e o melodrama.  McQueen coloca uma vírgula em um assunto que seu destino – o grande público – opta por esquecer, esconder ou encerrá-lo sem conclusão digna. 

Enaltecer a subversão de um assunto tão espinhoso seria redundância, mas ao tomar o caminho explícito contra a espetacularização dos tempos de escravidão declarada em especial ao cinema contemporâneo onde este assunto reverbera discussões sobre o orgulho e segregação racial, é o principal posto de 12 Anos de Escravidão. Este feito toma forma quando o diretor vai à inversão da moral, inclusive a de Solomon, homem livre conforme a lei.  

São nos momentos onde McQueen sugere o oposto, ou seja, a dormência em todos os aspectos que divergem da imagem, deixando que a mesma tome o tempo determinado pela liberdade, sem a presença do som ou até mesmo de corpos em certos momentos, é que o filme se faz forte. Neles, onde a simplicidade é genuína, como um simples plano de uma árvore ofuscando a visão do pôr-do-sol, McQueen contraria outra máxima do mercado que o premia no início de 2014: não há apenas um olhar e uma interpretação. 

E assim se faz a correlação de um martírio que se expande conforme Solomon muda. São mutações silenciosas, conforme seus “patrões”, em diferentes níveis de inconformismo, amplificados pelas relações com novos companheiros. Este sofrimento não se expõe graças aos malfeitores, mas por poucos segundos, em momentos de contemplação que McQueen delicadamente aumenta conforme o desenvolvimento narrativo. Num adeus, na descoberta da real identidade acima de status ou no grito que o ambiente ao redor solta. O suspiro de vida insistente que 12 Anos solta ali está. 

12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, EUA, 2013) de Steve McQueen

NEBRASKA





Curioso como o cerne da filmografia de Alexander Payne continua intacto através de ações traduzidas como acertos de contas. De Eleição ao mais recente Os Descendentes, de diversas maneiras estes acertos estão presente em boa parte embrulhados em tons de melancolia ou de extrema ternura, o que realça a intenção de servirem como filmes para identificação, relação (do que é vivido, muito mais do que é visto) e etc. 


Em Nebraska este ponto parece perdido, ainda que sua moldura seja a mais coesa entre todos os seus filmes. Da melancolia estampada na fotografia à trilha sonora e o tema delicado, o filme se nega a embalar para o lado do lamento e faz dele um embate intenso entre a comicidade que a história oferece explicitamente – a idade e todo o temor que a iminência do fim da vida exige. Payne a esta altura nos coloca na posição “do outro”, onde enfim o portão se abre para o desenrolar narrativo baseado numa hipótese, ainda que ela seja o ideal de um pastiche sobre a instituição familiar.


Um bilhete falso diz a Woody Grant (Bruce Dern), um senhor que luta contra o alcoolismo que ele está rico. Seu filho, David Grant (Will Forte) resolver ir de Montana até Nebraska para buscar o prêmio. No caminho, Payne desenha um panorama simples, preso aos alicerces comuns de sua filmografia. A família serve como antro onde a desinformação reina com sua maior aliada – a distância. Os interesses distintos, o gigante arquivo de mágoas e dívidas. Um campo duro para desenhar eixos, mas Payne os faz da maneira mais fácil; a estranheza vinda dos personagens logo os define. Eles logo deixam de ser referencia – tão comuns para o jogo de relação com o público – e se definem como personagens. Deste modo, a situação é real, mas quem a vive, também vira hipótese. 


E neste ponto que Nebraska parece um emaranhado de gags intercalados por momentos de reflexão, sem qualquer luta de forças. Entre eles há bons momentos, mas nada que o identifique como unidade. A narrativa escorre entre a família e seu pilar, que é o tal bilhete premiado, mas no geral o que vemos é uma insinuação sobre este acerto de contas, uma mensagem implícita mal definida sobre a relação entre pai e filho.

Nebraska (Idem, EUA, 2013) de Alexander Payne

ELA





Há em Ela, novo trabalho de Spike Jonze, certa ponderação em relação à liberdade, mas incrustado em sua narrativa está estabelecido um jogo de imposição de limites e fronteiras. E ele começa na escolha em habitar em um futuro não tão distante, onde o escopo é mais fechado para questões sobre o que é, afinal, evolução. O espaço maior está para o lamento pertinente sobre a posição da máquina em tempos vindouros. 


Não à toa a câmera funciona como moldura de uma imensidão, mas uma imensidão tão direcionada a respeito destas possibilidades e sempre de forma inconsolável. Jonze exibe o mar de concreto que é Nova Iorque e deságua na praia, literalmente, com seu protagonista deitado nas areias e de roupa sob um sol escaldante. Confia na exuberância dos apartamentos nova-iorquinos onde muitos moram sós. E desta solidão sai, enfim, a maior das questões.


Theodore (Joaquin Phoenix) vive a vida dos outros. Escreve cartas para os outros como trabalho e imagina a vida dos outros para tal. Samantha (Scarlett Johansson), um sistema operacional que traça uma rotina de secretária/amiga/mulher de Theodore é o espelho da trama. Afinal, a solidão está liquidada a partir de então. O que deseja este homem? É necessário, então, imaginar um lado oculto em Ela, que é a de uma relação comum, onde há renuncia, brigas e companheirismo. A rotina de Theodore é a mesma, com ou sem Samantha. Embutida, esta a única mudança, que é a forma de encarar o desafio de continuar. 


Ela se torna um conto interessante por justamente não eliminar eixos comuns de dramas envolvendo relacionamentos. Vai do ápice tão inesperado como qualquer história de amor, aposta na ponte construída no estranhamento que a relação homem-máquina causa – justamente quando o filme perde forças - e desenha seu desfecho com elementos tradicionais ainda que sirva de parabólica para questões envolvendo a mutação de um pensamento em relação ao homem, que outrora foi substituído por máquinas para o trabalho e fora criticada por Chaplin em Tempos Modernos e que era definida como a vilã de um tempo por Kubrick em 2001


Ela faz um paralelo ajustado entre estes pensamentos, com novos suportes como fuga de um possível desgaste. Neste caso, o cinema de Jonze que de formas diversas flertou com o fantástico, investiga a percepção de uma possível realidade e com diagnóstico pronto, pois entre todos os chamarizes de sua história, a ideia de colocar Theodore em locais sempre povoados e que nunca o tiraram da solidão é a mais simples e eficaz. 

Ela (Her, EUA, 2013) de Spike Jonze

Ao mestre, com carinho.



Difícil caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro sem pensar que não encontrarei mais com Eduardo Coutinho. Ao contrário de muitos posts lidos nos últimos dias após a tragédia, em especial este belo relato de Aleta, "personagem" de Jogo de Cena, eu não era íntimo do diretor. E tampouco tive a sorte de encontrá-lo muitas vezes por aí. Não tirei fotos e não troquei muitas palavras. Mas como fã, ao encontrá-lo, ficava o mais próximo possível para ouvir o que ele tinha para dizer.

Mas a consciência de estar no mesmo lugar/cidade de um homem que dirigira filmes marcantes e que recusara o pedestal que suas obras mereceram era confortante. Sim, este era um pensamento recorrente: saber que Coutinho vivia a poucos quilômetros de distância. Ler os livros dedicados à obra do diretor era como sentir-me ainda mais próximo e entender mais que o famoso mau humor era, na verdade, uma acidez que possuía motivos para ser assim. Hoje, infelizmente, revelados. 

Bem, o mestre se foi e fica o legado construído com pérolas que me marcaram ao longo dos anos. De Cabra Marcado Para Morrer a Edifício Master, o impacto continua o mesmo. E deixou, mesmo exibido tantas vezes em vida - e às escuras -, Um Dia na Vida, colagem que estuda a fundo o Brasil através da doentia programação da TV aberta nacional. Neste, os entrevistados estão prostrados, maquiados, prontos para entreter e falar, falar, falar. Como qualquer outro filme de Coutinho. E na mesma linha, estes "personagens" se revelam ao silêncio do mestre. Sobra a nós continuar nossa andança e lembrar.  Sempre.
 

TRAPAÇA





É notório o caminho que David O. Russel traçou para sua carreira ao abraçar a cartilha de filmes inclinados à temporada de premiações. Filmes agridoces com temas que revisitam a história americana ou ensaiam certo aprofundamento em dramas pessoais são os mais rentáveis neste espaço de tempo. E que isto não seja visto com maus olhos. O. Russel tem o domínio sobre estas ações, onde o entretenimento justo é o principal foco.


E Trapaça assim se justifica, pois é um filme de relevâncias. O seu entorno é feito de corrupção, mas o filme é destinado aos personagens, inclinado para a verborragia e o iminente tom cômico da situação vivida por Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Sandy (Amy Adams), agiotas forçados a ajudar um agente da FBI a desvendar esquemas da máfia de Nova Jersey. 


Política e máfia ganham o mesmo tom numa opção curiosa de O. Russel em deixa-los de lado, servindo apenas de suporte para o filme. Tudo é jogado para as bordas da trama, deixando apenas um embate direto de performances, onde Jennifer Lawrence (Rosalyn) é a que capta melhor o espírito anárquico referente à história e entrega uma personagem em excepcional histeria. Coincidência ou não, é da direção de atores e seus efeitos que os principais prêmios acadêmicos são considerados. 


E se no centro está no elenco, O. Russel os cosmetiza com a estética setentista, usufruindo da ideia de caricatura, colocando seus personagens entre o pastiche e a relevância. E são destes valores, maiores até que o jogo de corrupção ou o peso entre política e máfia para os cidadãos comuns, que Trapaçaé feito. Pois desta forma é possível coloca-lo como entretenimento através de qualquer plano de análise, usando a simplicidade como ideia enaltecedora. Monta-se o circo, os canhões estão apontados para as estrelas e a sugestão de que se esqueça  lona, bancos e o restante do público é feita. Se você a abraça, será distraído e fará a relevância (ou trapaça, se preferir o trocadilho) maior, que é a de ser vítima de um réquiem acerca da expressividade de rostos comparados ao que há ao redor.

Trapaça (American Hustle, EUA, 2013) de David O. Russel

Baby Invasion (Harmony Korine, 2024)

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