2008

Fim de ano, época das listas dos melhores do ano e aqui não será diferente. Faço a lista dos dez melhores filmes que passaram pelos cinemas seja em circuito aberto ou festivais de cinema em 2008 na minha humilde opinião.


01 - Na Natureza Selvagem de Sean Penn
02 - Loren Cass de Chris Fuller
03 - Batman - O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan
04 - Wall-E de Andrew Stanton
05 - Sangue Negro de Paul Thomas Anderson
06 - Assim Me Diz a Bíblia de Daniel Karslake
07 - Antes Que o diabo Saiba que Você Esta Morto de Sidney Lumet
08 - This Is England de Shane Meadows
09 - Estômago de Marcos Jorge
10 - Rebobine, Por Favor de Michel Gondry

HANNAH SOBE AS ESCADAS


O movimento mumblecore realiza filmes de baixo orçamento, tem base no improviso e não tem um roteiro certo a seguir. O diretor Joe Swanberg é membro do tal mumblecore, algo que não chega a ser inovador como o Dogma 95, por exemplo, mas faz sua parte em Hannah Sobe as Escadas, filme que ainda não entrou em circuito nacional.
O registro do cotidiano de forma natural, através do improviso funciona, pois é preso pelos interessantes diálogos no início da trama. Hannah é uma garota recém-formada e começa a trabalhar em uma produtora, mais especificamente em um seriado. Mas enquanto ela desenvolve seu trabalho com os roteiristas, ela questiona os valores contemporâneos e seus sentimentos, criando dúvidas em relação ao seu futuro, criando daí os conflitos principais do filme, pois Hannah é o ponto de partida da vida de todos os personagens.

O baixo orçamento é motivo de orgulho, mas não é usado a favor, com pouca ousadia, as mudanças de planos são quase nulas e até imagem desfocada podemos observar.

Hannah enquanto muda de namorado, continua a se questionar e o filme não muda, continua preso pelos diálogos, que vão ficando mais longos conforme o andar do filme. Em seu último ato, eles já estão massantes. Os personagens falam exaustivamente e nem sempre algo que faça sentido com a trama. 

O filme é interessante por tocar em assuntos atuais e de forma inteligente, sobre a vida nova de quem acabou de virar adulto e suas inseguranças e preocupações, de registrar a naturalidade, mas não se desenvolve e não tem a coragem suficiente para ousar em movimentos de câmera e em planos escolhidos.

★½
Hannah Sobe as Escadas (Hannah Takes the Stairs, EUA, 2007) de Joe Swanberg

O SILÊNCIO DE LORNA


Vencedores do Festival de Cannes na categoria de melhor roteiro deste ano, os irmãos Dardenne estão de volta, largando os profundos e nada tragáveis dramas para uma intensa trama no ilícito suspense O Silêncio de Lorna

Os irmãos Dardenne têm uma forma peculiar de construir seus filmes, de forma mais crua, sem exageros cinematográficos, a ausência da trilha sonora e a aposta da arte mais corriqueira, casual. Aqui, elipses são inseridas, ora em momentos cruciais, outros em momentos que não fariam muita diferença para a trama. Mas o que pesa mesmo é o seu subtexto, a questão da xenofobia, dos interesses pessoais, do aborto e a maternidade e a questão de se realmente nós, humanos, temos limites. 
Lorna é albanesa e para conseguir sua cidadania belga, casa por interesse com um viciado em heroína, pois sabe que sua vida será curta. Lorna tem envolvimento com a máfia, que negocia visto de cidadania, que logo arrumaria um novo marido para ela, e assim, mais um com visto belga. Tudo é programado e calculado e o que interessa é o dinheiro. Mas Lorna sente o peso de suas atitudes e é cercada por dúvidas e teme por sua vida também.

Arta Dobrishi em grande atuação, consegue transformar Lorna em monstro a uma inocente e frágil criança num piscar de olhos. Tais dúvidas que envolvem sentimentos por seu marido viciado, seu real namorado e sua submissão a ordens cruéis de quem a usa como uma prostituta. 

A partir daí um labirinto em que Lorna entra é grande e tudo esta fora de controle, mas também pode estar em suas mãos. Os Dardenne conseguem controlar a trama com louvor, não deixando a cair em uma trama frenética e sim de uma forma bastante cadenciada, fácil de assistir, mas que deixa sua mente trabalhar tranquilamente para refletir sobre o que vem por trás dos diálogos e cenas, de certa forma trazendo mais complexidade ao filme. Um filme para ser refletido durante e depois de sua exibição.

O Silêncio de Lorna (Le Silence de Lorna, França, 2008) de Jean-Pierre e Luc Dardenne

FELIZ NATAL

Para muitos a celebração do Natal remete a reunião familiar, a celebração de mais um ano, entre comes e bebes e o amor familiar. Para outros, apenas uma obrigação social. Para Caio, vivido por Leonardo Medeiros, personagem principal de Feliz Natal, filme de estréia de Selton Mello na direção, é um momento delicado, de acerto de contas. 
 
Caio sai do interior, onde mantém um ferro velho e vai para a capital com intuito de passar a véspera de Natal com os familiares e o que encontra é uma família em cacos, presa apenas por fios que podemos chamar de hipocrisia. O filme é um retrato do momento de mudança de um homem, com o peso de seu passado e acusações de quem deveria estar ao seu lado, que não faz esforços para manter Caio por perto. Caio é acusado por um motivo que não é relevante ser citado, um fato que é comum atualmente, mas que serve de gancho para vermos o que o remorso e o medo podem fazer com a vida de um homem. 

A câmera viva, invade os locais, como um personagem, influência direta do diretor americano John Cassavetes, junto com momentos mais intimistas, reflexivos, economizando diálogos, em busca de uma resposta, algo que remete aos trabalhos do alemão Wim Wenders, se afastando completamente do que estamos acostumados quando o assunto é "Cinema Nacional". Mas não só de influências que Feliz Natal é feito, Selton Mello ousa com incômodos big closes em momentos cruciais e planos-sequencias muitíssimo bem elaborados em momentos não menos importantes, colocando Darlene Glória em seu devido lugar, interpretando a mãe da família, dopada e subestimada e Lúcio Mauro, como um amargurado pai, em uma das mais brilhantes cenas do filme. Por outro lado, o núcleo onde estão os amigos de Caio, vem com uma proposta completamente oposta, com uma metralhadora de palavras e um mundo frenético e com muitas luzes, mas não menos deprimente e oprimidos pelo peso que levam nas costas, mas causa uma irregularidade de ritmo na trama. Na família, as relações estão cobertas pela amargura, pelo interesse e a bem clara hipocrisia. Casais, filhos, irmãos, amigos. O fantasma do passado assombra a todos, exaltado por diálogos previsíveis, mas funcionais, denunciando a falsidade que está a uma linha da realidade daquela família. 

A fotografia escura reforça tal idéia, captado em scope, um mundo frio e escuro e sem saída e por vezes até meio exagerado na carga dramática. Selton Mello começa sua promissora carreira de diretor com o pé direito, já se diferenciando de outros diretores e filmes nacionais. 
Feliz Natal (Idem, Brasil, 2008) de Selton Mello

VICKY CRISTINA BARCELONA

Que Woody Allen é um gênio, todos sabem. E por muitas vezes, ele é maior que o seu próprio filme. Mas o diretor confirma sua nova fase e novo estilo de filmar emVicky Cristina Barcelona, também deixando a terra do Tio Sam de lado de vez. Seus últimos filmes abandonam o método de uma comédia com humor fino, focando nas pequenas dobras de fraqueza das pessoas ou em dramas fortemente inspirados em Ingmar Bergman. Disso, Allen apenas tirou suas clássicas aberturas com o fundo preto e fontes brancas e a trilha sonora jazzística.- Digo, em seu novo filme, até isso ele deixou de lado, colocando o som típico Catalão no lugar.
Allen optou por uma direção delicada, morna. O filme tem muitas sutilezas, culminando em um filme elegante, atraente, porém algo que não se espera de Woody Allen. Os movimentos de câmera são delicados, muitas vezes imperceptíveis e pequenas metáforas com as locações utilizadas, estas que são um show a parte, a beleza de Barcelona é incrível. Allen usa a cidade como já usou Nova Iorque por divesas vezes. 

A história conta as férias de Vicky e Cristina, duas amigas, que pensam completamente diferente quando o assunto é relações amorosas. Vicky, mais centrada e aparentemente mais madura, está para se casar e preza pela segurança de um relacionamento saudável. Já Cristina, não acredita em nada disso e busca aventuras. Elas conhecem o pintor Juan Antonio, e logicamente Cristina se apaixona e Vicky, pega asco do garanhão espanhol. O caso fica confuso e Maria Elena, ex-mulher de Juan Antonio aparece para piorar a situação. O óbvio acontece. Mas nesse óbvio, temos uma intensa chuva de questionamentos sobre liberdade, amor, pudor e segurança. Onde personagens coadjuvantes também vão expondo suas fraquezas ao longo do filme. O ponto forte do roteiro é esse. 

Mas o que atraiu a muitos foi o tão falado triângulo amoroso entre Scarlett Johansson, Javier Bardem e Penélope Cruz. Sinto dizer, mas isso é muito pouco perto da mensagem que o roteiro nos passa. A cena dos três é pequena e singela, não faria a felicidade de um peeping tom qualquer. Tudo indica uma trama “caliente”, até mesmo pelo histórico do diretor, mas isso não acontece. 

O neurótico Woody Allen está ali, em algumas cenas, mas não em um personagem específico. Scarlett Johanson usa o seu diretor como uma nítida inspiração. E diretor este, que no meio de tantos bombardeios emocionais, consegue uma leveza que envolve qualquer espectador, até mesmo os que odeiam suas obras anteriores, mas que de fato é morno demais para quem ama suas antigas obras. É um filme redondo, mas que a genilidade de Allen foi deixada um pouco de lado.

Vicky Cristina Barcelona (Iem, EUA/Espanha, 2008) de Woody Allen

GOMORRA


Sodoma e Gomorra foram duas cidades que, segundo a Bíblia foram destruídas por Deus pois seus habitantes praticavam atos imorais. Um terremoto provocou o engolimento das construções e os restos de Gomorra se encontram embaixo das águas do mar morto. E o filme Gomorra, baseado no livro do escritor Roberto Saviano, que tem proteção policial pois sua vida vale um prêmio nos retrata atos ilegais e consequencias de fatos sob extrema violência ou corrupção em uma Italia completamente sem rumo.
 
Temos aqui, alguns caminhos narrativos que não tem obrigação de se encontrar, mas que não são trabalhadas o suficiente para localizar o espectador durante um bom tempo do filme. São caminhos desamarrados, algo que o cinema americano faz e que infelizmente nos acostumou, o que deixa no ar que muitas cenas do longa sirvam apenas como uma sequência solta, um mosaico de brutalidades, reflexos de uma política estreita e de uma parcela desfavorecida.

Um alfaite famoso da alta-costura que começa a trabalhar para os chineses, um homem que está responsável pelos pagamentos às famílias que tem membros da Camorra na prisão, um empresário que deposita lixo tóxico em local impróprio e sem cuidado com a saúde dos seus empregados, dois jovens que sonham em ser donos do tráfico de sua região, dois amigos que entram para "famílias" diferentes, todos em algum momento do filme são testados, colocados a prova de fogo. 

Um conjunto habitacional cerca a história da maioria dos personagens, assim, mesmo com diferença enorme de tempo para certos personagens, nos familiarizamos com cada um e seus coadjuvantes, que não são poucos.

Esteticamente temos bastante uso de luz natural, que pode remeter a Amores Brutos de Inarritu e por vezes, com luzes quentes, lembrando Traffic, de Steven Soderbergh e linguagem documental, o que eleva o nível de realidade de uma Italia, oculta para muitos, onde está o maior tráfico de drogas e armas do mundo e logicamente, mais sangrenta.
Gomorra (Idem, Itália, 2008) de Matteo Garrone

QUEIME DEPOIS DE LER

Elenco consagrado, um bom roteiro e diretores talentosos. De fato, é entrar em campo como jogo ganho. Mas Queime Depois de Ler não ganha de goleada. Entra em campo, marca os gols e sai com a já garantida vitória.
O novo longa dos irmãos Coen é um filme de espionagem. Ou não. Na verdade, o pulo do gato é esse. Ele oscila entre uma boa comédia e um longa sobre espionagem com todos os clichés possíveis do gênero, logicamente satirizando o mesmo. A leveza do filme reflete uma direção mais despojada, deixando o filme seguir um fluxo mais enquadrado nos moldes de um O Grande Lebowski, por exemplo.

É um filme que os atores lideram. Toda a preparação e dedicação deles, aliadas ao já merecido reconhecimento do público falam mais alto que a direção. Entre eles, John Malkovich como um cômico analista recém demetido da CIA. A sempre sensacional Frances McDormand como uma obcecada por sites de encontros pela internet e plásticas estéticas. George Clooney está bem, mas não consegue fugir muito de seus personagens cômicos do passado e o destaque fica para Brad Pitt, hilário. Este, aposta em uma veia mais cômica, utilizando linguagem corporal e frases de efeito, talvez o que mais pesa para o núcleo cômico do longa que fica em uma acadêmia de ginástica. É importante lembrar que todos estão em papéis submissos a suas vontades e em crise intensa, simplesmente deixando a beleza de cada ator por completo.

A história cerca Malkovich, que ao escrever suas memórias após ser demitido, grava em um CD, mas que é deixado na tal acadêmica de ginástica, deixada pela sua "querida" esposa. O paspalhão (Pitt) encontra o CD e uma chantagem nasce. Os interesses e os pontos fracos de todos estão expostos explícita e hilaririamente.

Por mais que ele aposte em cair para o pastelão com Pitt, o humor do filme, no geral, é fino, mesmo se tratando de uma paródia, que por todo tempo está presente no roteiro. O filme mostra para o que veio e pronto, termina, não se perde em nenhum momento e nem enrola. Mas me deixou a sensação de que algo faltou. Vai ver era a expectativa. De qualquer maneira, o filme é exemplar e não fica devendo em nada para uma comédia. Realmente difícil não sair satisfeito da sala de cinema após assistir esse longa.
★★
Queime Depois de Ler (Burn After Reading, EUA, 2008) de Joel e Ethan Coen 

O NEVOEIRO

O diretor francês Frank Darabont não se apressa em filmar, mas quando seus filmes finalmente chegam as telonas, decepção é uma palavra que o diretor desconhece. É o caso dos longas Um Sonho de Liberdade, Cinemajestic e A Espera de um Milagre. Em seu novo longa, O Nevoeiro, também uma adaptação da obra de Stephen King, Darabont aposta no estudo do comportamento humano, encaixada em uma trama de terror que usa elementos fantasiosos.
 
Analiso o filme em duas partes: A trama e o subtexto. A cidade de Maine, sofre uma devastação causada por uma tempestade que levam David Drayton e seu filho, acompanhados pelo não tão querido vizinho para o supermercado mais próximo para comprar mantimentos. Um estranho nevoeiro os impede de sair do supermercado. Usando apenas este como única locação por boa parte do filme, Darabont domina com talento a trama, sem que o filme caia em algum marasmo, aliado a uma montagem dinâmica e elenco afiado e diálogos que não levam o filme para o limbo.
 
Como um conto de terror, ele cai para o lado fantasioso, apostando em seres, que ameaçam todos que estão dentro do mercado e qualquer relacionamento humano e o medo chegam ao extremo, levando a vida de alguns que estavam dentro da loja. Logicamente a trama caminha em um campo já conhecido pelo público, indo para um caminho sem saída, onde a tensão aumenta conforme os minutos passam e um desfecho criativo acaba pontuando o longa como um bom suspense.

Porém, existe algo a mais. Presos em um local em uma situação limite, a relação entre todos começa a piorar. A necessidade de liderança aumenta, a submissão entra em questão, até mesmo a teoria da conspiração pode ser motivo para tamanho terror. Até onde eles podem ir em uma situação como esta? A soberba está instalada, o egoísmo e o interesse gritam. Neste aspecto, o filme é mais intenso que o de certa forma, similar, Ensaio Sobre a Cegueira.  

No filme de Darabont, essas condições são mais intensas, cuspidas no espectador que espera algo mais que uma trama de terror. Enquanto esse jogo acontece, uma fanática religiosa usa a Bíblia como motivo para distorcer não só a palavra ali inserida como os pensamentos dos abalados reféns, usando o julgamento e palavras de violência para conseguir sua liderança e rebelar. E assim quando as fraquezas são mostradas vemos que o humano pode, realmente, virar um animal irracional.
★★
 O Nevoeiro (The Mist, EUA, 2007) de Frank Darabont

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Adaptar uma obra do escritor português José Saramago como Ensaio Sobre a Cegueira não é pra qualquer um, realmente. O talentoso diretor e produto de exportação Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel) sempre teve a vontade de passar a história do livro para a telona. Anos depois, com algumas ajudas, seu sonho virou realidade. E poucos conseguem realmente enxugar a mensagem de um livro sem que ele perca algo significativo, já que os limites de um longa metragem são mais radicais.
 
Meirelles retrata bem esse estudo das condições humanas, da sociedade, contemporânea ou não, pois aqui é um estudo sobre o homem e segue seu método globalizado como fez em O Jardineiro Fiel. Quando uma epidemia de cegueira atinge uma cidade fictícia(sem nome, filmada em Montreal, São Paulo e Montevidéu, muito bem disfarçadas, aliadas a uma fotografia competente que casa as três sem problemas), os primeiros portadores da tal doença são jogados em um conjunto de celas e as condições são terríveis. Com a chegada de mais doentes e a falta de cuidados do governo no início da epidemia, vemos o homem virando um animal irracional, com base em dezenas de analogias e alguns fatos, que são frequentes nos tempos atuais.

Tudo está lá: Corrupção, o sistema, o jogo de interesse, ambição, traição e o instinto, principalmente ele. É claro que depois de vinte cortes depois da primeira versão, Meirelles nos proporciona um filme bem construído, dinâmico, mas deve na hora de chutar o balde. Enfrentar mesmo a platéia, chocar, algo que as primeiras versões faziam pessoas saírem da sala de exibição com cenas brutais de estupro, por exemplo.
 O roteiro adaptado tenta, mas não tem muito resultado. Como trama, ele é um ótimo longa, bem construído, com belíssimas e inteligentes passagens, metáforas interessantes, pensado e o talento do elenco (tirando Mark Ruffalo que não consegue convencer ninguém) que conta com Julianne Moore e Gael Garcia Bernal ajudam o filme para ter um resultado final positivo, mas nas analogias, fica devendo um tapa na cara da platéia como Meirelles conseguiu em seus dois últimos filmes.
★★
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, Brasil/Canadá, 2008) de Fernando Meirelles

A ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO



Quarenta e um anos separam o último filme de José Mojica Marins, o popular Zé do Caixão – hoje com 70 anos – A Encarnação do Demônio do segundo filme da trilogia, a obra-prima Esta Noite Encarnarei teu Cadáver, de 1967. Justificado no longa como o tempo da prisão de Zé do Caixão, ele é solto e o terror está de volta às ruas paulistanas.

O filme pode sofrer por interpretações de quem não encara o longa como um filme tradicionalmente de gênero. Um filme de terror, sem um roteiro bem trabalhado, com conflitos realmente profundos. Até nisso Mojica pensou, quando coloca seu alterego Josefel Zanatas com perturbações do passado que o levaram a morte (Sim, morte) e a prisão. Aliado a costumes brasileiros e religiões e sem maquiar a cidade cinza, usando até o bizarro castelo dos horrores de um parque de diversões como locação, Encarnação é um clássico instantanêo do gênero, mas é realmente necessário lembrar que é um filme trash, daqueles que podem nos remeter a Evil Dead, de Sam Raimi. Mulheres nuas, escatologia, atuações bem medianas presas a estereótipos, muito sangue e pouco roteiro.
 A história é a mesma: Zé do Caixão continua a procura de uma mulher que considere perfeita para ter seu filho, de seu “imortal sangue” e continuar seu legado pela terra, mas agora vive em um mundo mais violento e tem que se adaptar. Logo ele vira alvo da polícia novamente e a busca por Zé do Caixão vira a história paralela, já que o prato principal, logicamente é a carnificina e uma visitinha ao purgatório, muito bem feito por sinal. Alguns flashes dos outros filmes da trilogia são colocados no longa para situar o espectador que não assistiu as antigas “fitas”, como diria Mojica. Mesmo com o estigma de “trash” ele possui elementos muito bem elaborados, não só fotográficos e uma boa direção de arte.

Se você pretende assistir algo como um suspense quebra-cabeça comandado por Jigsaw, esqueça. Mas os efeitos visuais não devem nada a nenhum filme americano, pelo contrário. A ousadia de Mojica é louvável, encerrando uma trilogia que foi conquistada no suor, depois de tantos problemas. O longa é para poucos, mas confirma que o gênero ainda existe no país, já que os poucos filmes feitos do gênero no país não conseguem espaço. Mas repito, se você encarar o longa como um suspense que está acostumado a assistir na TV, vai odiar mesmo a obra de Mojica.

★★

A Encarnação do Demônio (Idem, Brasil, 2008) de José Mojica Marins

Indie: ATO DE VIOLÊNCIA










O prólogo de Ato de Violência, filme do diretor alemão Lars Henning Jung nos prometia um filme verdadeiramente violento, caido no clichédos filmes de terror: Jovens presos em uma casa no meio de uma floresta, aliado a blusas de bandas de metal e uma queda para a promiscuidade. Mas isso logo é esquecido. Os jovens logo caem no tédio e o estudo de tradições vikings viram proposta de tortura.

A partir dai o diretor nos mostra com os jovens podem se abusar, sem receios e limites, usando o sexo como elemento principal, aliado ao ego e ao "charminho psicológico" (desculpe, não tem outro adjetivo melhor) mas infelizmente com um roteiro tão raso e personagens sem desenvolvimento algum, abusando de situações repetidas por mais da metade do filme. 

Esses buracos enormes, remendados por cenas gratuitas, criam um tédio maior ainda e assim o longa vai passando até seus momentos finais, quando a hipocrisia dos jovens é colocada em jogo. A proposta é boa, mas cai na obviedade novamente, os takes durante o filme inteiro oscilam entre o bom e o péssimo gosto. A violência ficou com o espectador que não reage mais a nenhuma idéia já que seus minutos passados foram em vão e não seria uma saída meia boca para o roteiro que iria salvar o longa nos últimos minutos.


Ato de Violência (Act of Violence, Alemanha, 2007) de Lars Henning Jung

Indie: A CABEÇA DE MAMÃE









A diretora Carine Tardieu constrói o filme A Cabeça de Mamãe de uma forma sensata, dinâmica e leve, mas não consegue sair dos "padrões" do cinema francês ao contar a história da menina Lulu, que vê sua depressiva mãe entregando a vida, com um péssimo casamento e óbvios problemas de saúde, que refletem uma mente auto-centrada e hipocondríaca.

A menina descobre que no passado sua mãe foi muito feliz e viveu um intenso romance. Com isso ela começa uma divertida peregrinação para conseguir resgatar os brilhos nos olhos de sua mãe. Essa que inclui o sexo, um triângulo amoroso, traição, valores e drogas. Tardieu usa o roteiro a favor e consegue dosar com boas doses de humor com uma forma mais amena, para não desandar em um drama mexicano. A menina Lulu também estrela a história paralela, logicamente quando a sua vida pessoal é tratada, focando-se na descoberta do amor e sua consumação.

É uma pena que não traga algo mais que o cinema francês ou outros filmes com proposta parecida não tenham feito, com o roteiro caindo no óbvio, mesmo que tenha sido tratado com carinho. Tardieu usou bem seu elenco e sua equipe, mas a obviedade na construção do filme o torna leve, porém, morno.
★★
A Cabeça de Mamãe (La Teté de Maman, França, 2007) de Carine Tardieu

Indie: ANYWHERE, USA


 
Um estudo sobre os Estados Unidos da forma mais ácida e escrachada possível, com um roteiro poderoso, mas com montagem diluida demais, para uma fácil degustação, para qualquer público. Infelizmente, pois o potencial do roteiro levaria o filme além.
Em Anywhere USA, dividimos a "américa" em três segmentos: Amor, perda e ignorância. A primeira, onde o ponto principal é a neura dos americanos com os árabes, recheada de situações grotescas, hilárias. A internet entra em questão também, quando um típico redneck suspeita da traição da sua gótica namorada pela web, quando descobre pistache no sofá, oriundo do Oriente Médio. As loucuras do redneck e seu ousado amigo anão, vão além das expectativas e o deboche com os estereótipos americanos não param. A internet nos une, mas nos mantém separados. Os bigodes e a inveja são parâmetros de comparação com a vida dos americanos.

O roteiro segue, e na perda, vemos a singela história de uma menininha que vai atrás da verdade sobre a história da "fada dos dentes", onde as mentiras tomam o papel principal da questão. Mentiras dos pais, do governo para justificar as loucuras, levantadas com bastante criatividade pelo roteiro. As drogas também fazem parte desse segmento, mas de forma mais leve, levando mais para um humor inocente.

Já no terceiro e último ato e certamente o mais absurdo dos três, quando uma rica, branca e aparentemente perfeita família, liderada pelo pai, decide criar vínculos com pessoas negras, pois nunca havia conhecido uma, de fato. Vemos que na aparência e na cabeça mais libertária, o preconceito fala e bem alto. O filme é um ácido retrato da sociedade americana nos dias atuais, casada com uma bela fotografia e direção de arte digna de palmas. Os atores estão afiados e levam o roteiro com louvor. O longa é inteligente, mas não possui as bolas de filmes como Felicidade ou até mesmo Beleza Americana para criar um confronto de frente com o espectador, mas funciona muito bem.

★★
Anywhere USA (Idem, EUA, 2008) de Chusy Haney Jardine

Indie: UMA VIDA SEM REGRAS


O diretor inglês Oliver Irving nos mostra uma nova faceta do cinema inglês que novamente aposta na comédia, algo que pode criar a inevitável comparação com o  grupo Monty Phyton, mas é importante citar que a natureza do humor de Uma Vida Sem Regras é completamente diferente. Irving nos mostra uma espécie de versão inglesa para uma comédia independente americana. Irving brinda as ruas inglesas com estilo: Usa as figuras caricatas das ruas inglesas, os hooligans, os pubs, tudo está lá.  Tudo aliado a uma boa escolha de elenco, que vivem personagens pitorescos, com personalidades acentuadas pelo figurino, mas que no fim das contas, não foge do padrão americano.

Arthur se encontra em uma crise que ele acredita ser a crise de 1/4 de vida. Para completar, ele foi abandonado pela namorada e atura um entediante trabalho em um supermercado e mais o trabalho voluntário, onde Arthur  o utiliza para limpar sua consciência. Lá, ele tem sérios problemas para conseguir ter uma boa relação com os portadores de deficiência mental.

Quando Arthur volta para morar com os pais, o conflito com os dois e a busca por uma identificação que nunca existiu entre eles garante bons momentos, pois  Arthur resolve pagar um guru canadense que lançou um livro de auto-ajuda para dar um fim em seus problemas. E as situações em que os dois se metem são absurdas, sempre acompanhados  dos amigos de banda de Arthur,  tão caricatos quanto os personagens de História Proibidas de Todd Solondz. Uma Vida Sem Regras é divertido, esteticamente ordinário, funcional, mas não consegue fugir do parâmetro traçado pelo cinema independente americano. Passa como mais um divertido filme, que usa a ingênuidade,  personagens e conflitos caricatos, buscando um novo caminho, mas com uma velha realização.

★★
Uma Vida Sem Regras (How To Be, 2008, Inglaterra) de Oliver Irving

Indie: 7 ANOS

Até onde a fidelidade pode aguentar? Quando o desejo grita para você, o que podemos considerar certo ou errado? Estas perguntas são explícitamente expostas no longa francês 7 Anos, em exibição na Mostra Indie de Cinema, em Belo Horizonte.

Temos uma amarrada e linear trama, onde Maité é casada com Vincent, que está preso, condenado a uma pena de sete anos. Sem autorização a visitas íntimas, o casal só pode trocar apenas palavras. Vincent tem esperanças, já Maité precisa de calor humano. até quando se entrega a um homem que conheceu na porta da prisão. O grande problema é que o longa necessitava de um ápice, de informações maiores para ser mais concreto, convincente e menos morno. Não existe, de fato, um trabalho maior no roteiro que uma história linear e sem sal, mesmo com uma história paralela para conhecermos melhor os sentimentos e condições de Maité.

Maité descobre que o homem no qual decidiu se entregar é o carcereiro da prisão e melhor amigo de Vincent no local. O que acusava uma trama de cíumes, traição e valores, vira uma morna história entrelaçando os desejos e sentimentos dos três, de forma amarrada, que nos leva até o fim sem problemas, mas deixando a sensação de que faltou algo.

★★
7 Anos (7 Ans, França, 2006) de Jean Pascal Hattu

Indie: LOREN CASS

Ousadia seria a palavra mais adequada para descrever o longa do estreante diretor Chris Fuller chamado Loren Cass. Chris começou a escrever o roteiro com quinze anos de idade, demorou algumas semanas filmando e alguns anos editando o material. Com vinte e quatro anos, viu o longa pronto, lançado pela sua própria produtora. Isso já seria louvável, mas o filme nos mostra um talentoso diretor.
O ano é de 1997, as rebeliões de São Petersburgo terminaram. Os jovens vivem sob a tensão da diferença racial, a constante desconfiança da polícia e nenhuma atividade, absolutamente nada para fazer. Na escola vemos os corredores vazios, um diretor alcóolatra e no banheiro, um menino carregando uma arma. Rapidamente os jovens viram reféns de seus pensamentos.

Tudo é contado de uma forma bastante subjetiva, poética, mas pesada como um soco na cara. A escolha de planos abertos acentua o vazio no coração de cada jovem mostrado no filme no meio da cidade. A cidade suja, o mundo sujo. A fotografia é inspiradora, não só pela escolha de captar as luzes da cidade, o "céu de neon" e takes mais escuros, porém com detalhes muito bonitos, que no fim mostram o objetivo que é mostrar todo o ódio, o rancor e a esperança que some a cada cigarro consumido, acentuados por reais discursos de políticos na época e a sombria narração de Blag Dahlia (vocalista da banda Dwarves). 

Não existe uma gangorra emocional no filme, temos intensidade que só aumenta a cada corte, mesmo que possa soar vazio e lento para quem não se esforçar a interpretar o roteiro que acentua a subjetividade junto com os sentimentos dos personagens, um mergulho profundo nos pensamentos e na agonia das perambulantes vidas naquela cidade.

As vidas de Nicole (que procura um sentimento maior no meio dos homens que passam por sua vida com velocidade impressionante), de Cale (que pretende fugir da cidade o mais rápido possível) e de Jason (a maior vítima do tempo e refém de si próprio e junto com Cale, entram em confusões com jovens negros em cenas brutais de violência) são acompanhadas com delicadeza mas com o peso de um elefante. Ainda acompanhamos dois limites, do jovem "punk" que vive sob efeito de drogas e vaga pelas ruas sem rumo e do Garoto Suicídio, onde Fuller conta da forma mais inteligente os seus últimos dias de vida para fugir da mesmice, encerra com a brutalidade mais clara possível. É preciso um estômago forte. O futuro não existe para todos e não é por acaso que as histórias tem a constante companhia de uma marcha fúnebre. Chris Fuller faz o angustiante retrato de vidas vazias sem ser piegas e cair na mesmice da "juventude perdida".

★★★★
Loren Cass (Idem, EUA, 2007) de Chris Fuller

Indie: RINHA

É estranho o impacto que o longa Rinha de Marcelo Galvão causa quando vemos atores brasileiros falando inglês. Um inglês digno, é verdade. Mas a fronteira das línguas não pára por ai. O português e o espanhol entram na trama também. É difícil não pensar que se trata de uma canastrice tremenda, para passar o filme como um "sucesso-gringo" e acertar a América inteira. Mas se essa é a intenção, ela falhou.

A trama se concentra em uma festa, onde os ricos, magnatas, políticos e aproveitadoras entre drogas e promiscuidade, apostam em lutas, as rinhas, onde lutadores se enfrentam dentro de uma piscina vazia. E assim vamos conhecendo o vasto e excêntrico elenco, um a um, de maneira dinâmica e eficaz. Mas esqueceram de avisar que copiar os longas Jogos, Trapaças e Dois canos fumegantes
e Snatch - Porcos e Diamantes não vale.

Entre as drogas e confusão com as línguas e diálogos bobos, o longa se desenvolve com com histórias de corrupção, blefe e vingança. Infelizmente o filme se aproxima demais com os citados filmes do diretor inglês Guy Ritchie e a inevitável alusão ao Clube da Luta de David Fincher e a justa e engraçada homenagem a Rocky.

Por outro lado, fica impossível não se divertir com uma história tão dinâmica e uma montagem funcional que usa o humor nas horas exatas para aliviar o peso das lutas e tem a duração exata para não cair no poço. A técnica é competente, comum. Sem ousadias, mas sem erros também. É uma pena que o filme tenha essa ambição e acaba soando como uma cópia de enlatados internacionais.

Rinha (Idem, Brasil, 2008) de Marcelo Galvão

Festival do Rio: SOB CONTROLE


A expectativa para ver a filha de David Lynch na direção após 15 anos era grande, assumo. E não esperando algo relacionado ao pai, pois seria algo como chutar cachorro morto, mas Jennifer nos brinda com um thriller policial onde a índole é o ponto principal em Sob Controle, seu assumido "filme B", que conta com produção de seu papai, em exibição no penúltimo dia de Festival do Rio.
 
Nos primeiros minutos Jennifer mostra para o que veio. Bons takes, captados em digital, sem tratamento na pós-produção e boas idéias. Mas infelizmente elas param nos primeiros minutos, no decorrer do longa tudo fica ordinário demais, tecnicamente falando.

A trama se passa na investigação de uma chacina em uma deserta estrada no interior americano, usando um cansativo ping-pong de imagens da investigação e de fatos que antecederam o crime. Para a investigação agentes do FBI são encarregados de tomar a ponta, já que os policiais rodoviários não dão conta disso, mas claramente com ego ferido, não ajudam muito na investigação. Assim, desenfreando em uma jornada onde corrupção, índole e muito sangue, Jennifer Lynch desenvolve seu segundo longa-metragem.

Neste ping-pong se destaca como Jennifer mostra os corruptos policiais em um bizarro esquema, não só para se dar bem financeiramente, mas para inflar o ego, mostrando que piedade não existe naquela estrada. Até sua reviravolta, que nos surpreende - acho que qualquer coisa fora desse ping-pong me surpreenderia - e casando pontos fundamentais do longa, mas que criam novos furos na trama, que só vamos nos tocar quando os créditos sobem. Jennifer tem potencial para ir longe, é ousada, assim como o pai, mas carece de um roteiro potente para mostrar sua força como cineasta, pois Sob Controle é um exercício de produção, já que ele é claramente feito em baixo orçamento, com um bom uso de atores, mas com um roteiro fraco, nada disso se salva.

Sob Controle (Surveillance, EUA, 2008) de Jennifer Lynch

Festival do Rio: NA MIRA DO CHEFE


Uma história de acerto de contas. Nada original, realmente. É mais ou menos assim que segue a trama de Na Mira do Chefe, que está em exibição.. você já sabe!

O longa infelizmente foca-se em estereótipos e na previsibilidade, mesmo com a intenção contrária. Ao retratar dois assassinos de aluguel, que por mais que tentem se adaptar, vivem em conflito de gênios. Na fuga de um furado plano, eles vão para Bruges, na Bélgica (o nome do filme em inglês é In Bruges) por ordem de seu chefe. Por lá os dois enquanto vivem experiências que passeiam entre o hilário e o banal, Collin Farrel (o mulherengo fanfarrão) e Brendan Gleesson (o culto mais contido) vivem seus esteriotipados personagens com louvor, esperando a ligação do manda-chuva para voltar para a Inglaterra.

Com o tempo vamos nos aprofundando no furado plano e consequentemente no âmago dos personagens, talvez essa a maior lavanca funcional do filme. Outro ponto a favor é o uso das luzes da cidade, o uso de uma fotografia amarelada e também com o exagero da luz branca, por outras vezes. O resultado é interessante, mas passa longe de ser algo inovador.

No mais, o filme não sai muito do que a proposta de um acerto de contas nos oferece, mas que se acerta no desfecho da história com criatividade, usando a citada lavanca com bastante criatividade. É funcional, mas não foge de cair na mesmice dos filmes do gênero.

★★
Na Mira do Chefe (In Bruges, Inglaterra, 2008) de Martin MacDonagh

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