A SUPREMA FELICIDADE


A volta de Arnaldo Jabor a direção de filmes após 24 anos parece um colchão de retalhos. Esqueça o diretor da época do Cinema Novo. É compreensível que A Suprema Felicidade seja pessoal demais para total compreensão. Mas para quem está de fora, o filme é um conjunto de referências (marteladas incessantemente) para se agarrar ao culto a nostalgia e largar o desenvolvimento narrativo. Às vezes exagerado e sempre piegas. A verdade é que o longa cansa em seu segundo ato com tantos retalhos de épocas distintas da juventude de Paulo, menino que cresceu no subúrbio carioca.

Na proximidade com o avô (Marco Nanini), nas brigas de colégio ou nas descobertas sexuais, a tendência de Jabor é apenas louvar uma época com os mesmos macetes. O grande (talvez o único) acerto é como o diretor assume suas influências, drasticamente mudando os tons de cores das cenas ou manipulando o andamento delas, mesmo que o filme não faça jus à elas.

As diversas facetas que A Suprema Felicidade assume para registrar uma época equivalem a propagandas de imóveis ou uma campanha de turismo a seu tempo, com todos os clichês da vida perfeita, independente se dentro da casa estão traumas e rancor.

A Suprema Felicidade  (Idem, Brasil, 2010) de Arnaldo Jabor 

WILLIAM S. BURROUGHS: UM RETRATO ÍNTIMO


William S. Burroughs, homem conhecido por subverter valores e costumes. De enorme fragilidade ocultada pela ousadia de sua escrita. Que fazia de sua vida inspiração para criar obras desconcertantes. O autor é inspiração para músicos, cineastas e até políticos. O documentário dirigido por Yony Leiser traz depoimentos de grandes nomes como Gus Van Sant, Pat Smith, David Cronenberg, entre outros.

O que realmente chama atenção em William S. Burroughs: Um Retrato Íntimo são as imagens de arquivo que relembram encontros do autor com Andy Warhol, Joe Strummer e Kurt Cobain, para citar alguns nomes. O filme, no geral, consiste em fazer um panorama sobre diversos nichos por onde Burroughs passou involuntariamente e o impacto que seu trabalho teve em outros artistas, que usavam suas obras como referência.

De sua escolha sexual – que o autor fazia questão de se declarar contra o “orgulho gay” – ao assassinato acidental de sua esposa e a conturbada relação com Allen Ginsberg, o filme tenta analisar uma vida impulsionada pela razão. Esta que o colocou como ícone da geração “beat”, esta que ele obviamente sempre fez questão de ignorar.

William S. Burroughs: Um Retrato Íntimo (William S. Burroughs: A Man Within, EUA, 2009) de Yony Leiser

O INESPERADO


Louise é daquelas pessoas que vivem por impulso: faz o que quer e quando deseja. Assim, abandona o namorado, manipula situações e claro, paga por suas escolhas. A saga de uma semana dirigida por Benóit Magne faz um passeio dicotômico na vida da protagonista. Pelo lado profissional, vive de porta em porta atrás de um emprego. Faz diversas entrevistas. Pelo lado pessoal, o aborto, a solidão.

Magne tem boas idéias para ilustrar a abstrata mente de Louise, mas quando quer ser exagerado e piegas, faz com louvor. Mas, de todas as formas, a busca pelo inesperado é que faz o mundo rodar para Louise. A rotina não a interessa, apesar de não ver uma fuga, afinal, as contas têm de ser pagas.

Mas O Inesperado nos pega pelas pernas por desconstruir situações que todos nós já vivemos, ou pelo menos, já tivemos vontade de passar, que é chutar tudo pro alto e recomeçar do zero. Os frequentes tropeços criados pela pretensão do diretor não chegam a atrapalhar o todo.

O Inesperado (L'inattendue, França, 2010) de Benóit Magne

FESTIVAL DO RiO - PARTE 5



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O ASSASSINO EM MIM (Idem, EUA/Suécia/Inglaterra/Canadá, 2010) de Michael Winterbottom
 
Quanto pesa um trauma acerca da imposição social de manter a límpida imagem da sanidade? A adaptação do livro de Jim Thompson pelas lentes de Michael Winterbottom busca satirizar a utopia americana através de consequências brutais em The Killer Inside Me. O paralelo entre o tempo registrado em cena, marcado pelo conservadorismo com a crescente violência e a falsa liberdade dos dias atuais está em brechas dos belíssimos diálogos. A corda que cada vez mais aperta o pescoço do xerife Lou Ford (Casey Affleck) após um premeditado e ganancioso crime pode servir como uma instigante trama onde remorsos e interesses falam mais alto, mas é ofuscada perto da rica analogia social feita pelo diretor, que consegue abstrair julgamentos finais para debochar de seu protagonista. Por vezes silencioso e discreto, por outras, explora o lado oposto. Em ambos é bem sucedido por manter uma leveza narrativa. A opção é inteiramente do espectador. Se julga ou não, se analisa uma unidade ou um personagem e uma narrativa ou uma situação completa. Enquanto monta um labirinto para uma redenção que alimentaria muito mais o ego do que a alma de Lou Ford, Winterbottom utiliza-se de diversos elementos para, apenas, “sugerir” um culpado desta história num dos encerramentos mais incríveis do ano.


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NOSSA VIDA EXPOSTA (We Live In Public, EUA, 2009) de Ondi Timoner
 
Josh Harris abusava do seu "dom" visionário. Criou o primeiro canal de TV em transmição via internet e tinha total conhecimento do cunho anárquico deste dispositivo. Seu plano era derrubar as grandes emissoras que ainda não tinham assimilado a importância da rede internacional de computadores. Nossa Vida Exposta, filme que ganhou o prêmio de melhor documentário em Sundance, mostra que ao mesmo tempo, a mente de Harris buscava analisar uma geração antes do lucro. O que, logicamente não acabou em boa coisa. Harris acabou num experimento que batiza o filme. Era uma espécie de vídeo-arte com Big Brother. O lado “arte” do projeto estava nas instalações surrealistas e na idéia de utilizar humanos como objetos de análise. E como o próprio dono, suas cobaias confundiram as coisas. A partir daí, a diretora Ondi Timoner nos dá a chance de estudar o comportamento de um homem que fazia o mesmo a partir da quebra de privacidade, que é a maior característica da última década, seja pela TV, pelo telefone ou computador. Um tempo depois, passou a transmitir sua vida em tempo real pela internet através de câmeras instaladas em todos os cantos de sua casa. Apesar de ser extremamente figurativo e até didático em certos momentos, o filme de Timoner é rico por não usar seu personagem como influência e sim de grande vulnerabilidade, atrás de todo o poder e tendência que ele representou. Seus traumas pré e pós a experiência são colocadas num formato de fácil assimilação, pois transformam o modelo documental em narrativa.

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ZONA SUR (Idem, Bolívia, 2009) de Juan Carlos Valdivia 

O terreno pelo qual o diretor Juan Carlos Valdivia caminha em Zona Sur é perigoso. Em pouquíssimas variações de movimentos de câmera – em boa parte deles desenhando a mis en scène em todo o cenário lentamente -, ele analisa a situação social do país através do cotidiano de uma família rica de La Paz. Aparentemente estereotipados, os personagens, aos poucos, desenvolvem seus conflitos usando a mãe – coluna da casa – como ponto de partida. A ausência da figura paterna e o pouco tempo para uma dedicação plena aos filhos não parecem incomodar Carola, dona da casa que não gosta muito de falar sobre seu trabalho. Silenciosamente, Valdivia desenha a importância da mãe como pilar de uma casa que não expurga problemas grosseiramente. Nenhuma. O grande dono da casa é Wilson, mordomo da casa, que há seis meses não recebe salário. O laço fraterno entre ele e os filhos de Carola parecem muito mais fortes. Enquanto desenvolve esta análise, o mesmo aspecto técnico é repetido. Cenas em plano-sequência, onde câmera e personagens criam uma relação curiosa. Personagens perseguem a câmera. A câmera procura os personagens. É interessante, mas em certo momento do filme já estamos calejados e tal proposta vira previsibilidade.
A importância que Valdivia dá à linguagem implícita para desconstruir um cenário político é o grande pulo de Zona Sur. Um filme de impressões externas (câmera apenas como testemunha) sobre relações humanas, onde distintas visões sobre a vida compõem uma enorme distância entre as pessoas. Por mais próximas que elas estejam.

Entrevista: Malu de Martino


Como Esquecer chegou aos cinemas na última sexta-feira e consagrou um caminho tortuoso para sua realização. Por abordar um tema, infelizmente, ainda polêmico, o filme teve problemas para captar recursos e por se tratar da adaptação de um livro praticamente sem diálogos, apenas devaneios sobre a ausência do amor. Tive a chance de conversar com a diretora Malu de Martino sobre o projeto que teve première no Festival do Rio.

1) O filme aborda um assunto que, infelizmente, ainda é bastante delicado no país, que é a homossexualidade. Por outro lado, lida com o amor, hors-concours nos roteiros de cinema. Como você se preveniu para não cair em armadilhas e estereótipos para ligar os dois assuntos?

Gosto de filme de amor, não considero o gênero esgotado. As histórias de amor, se bem contados claro, emocionam e tocam fundo. O COMO ESQUECER é uma história de desamor portanto uma história sobre amor, mas não acho que precise escapar de estereótipos ou armadilhas para contá-la.Fazer dos personagens pessoas criveis , já é meio caminho andado.Sobre ligar os dois assuntos; é muito fácil , o amor é simplesmente o amor não faz diferenças de gênero.

2) Até onde existiu a necessidade de contar esta história de amor e perdas através do ponto de vista de uma mulher homossexual? Existe algum conflito por este motivo ou só a urgência de normalizar visões distorcidas a partir de uma escolha sexual?

Não existiu essa necessidade.O filme é baseado o livro “Como esquecer – Anotações quase inglesas”  da Myriam Campello.A protagonista era lésbica, e em nenhum momento achei que deveria mudar isso.O filme não é panfletário e não há nenhum conflito relacionado a sexualidade dos personagens,mas confesso que trazer para o trato comum , para o cotidiano, a imagem de duas mulheres andando de mãos dadas ou dois homens se beijando, me agrada muito.Espero contribuir de alguma forma para o fim da homofobia.

3) Como foi o processo de captação de recursos para o filme? Soube que, pelo tema tratado, muitos gostaram do projeto, mas não ousaram em investir.

Ainda há muita resistência em associar produtos e marcas ao universo LGBT. Por outro lado há muitas empresas e instituições que concedem benefícios aos casais homoafetivos , e foi através delas que conseguimos realizar o COMO ESQUECER.

Malu e elenco de "Como Esquecer"

4) “Como Esquecer” é baseado no livro homônimo de Myriam Campello que trata de perdas na vida adulta. É possível dizer que a ausência, no filme, chega a ser o principal personagem?

Não diria que é a principal personagem, mas é sim uma das protagonistas...Realmente o filme é sobre perder alguém que  a gente ama muito, e me parece que nesse momento, o momento em que estamos elaborando essa perda; a ausência passa a ser o principal assunto das nossas vidas.

5) Você poderia nos falar um pouco mais como foi a direção de atores? Como foi feito o trabalho para todos eles imergirem no vazio sugerido pelo roteiro?

Trabalhamos muito!Ensaiamos um mês diariamente em estúdio, depois mais algum tempo na casa onde se passa a maior parte do filme.Vimos filmes, lemos textos, ouvimos músicas,fizemos exercícios de tai chi tchuan ; tudo para nos sentirmos próximos uns dos outros ao ponto de criar uma intimidade real e trazer isso para a tela.

6) A fotografia parece maravilhosa. Como foi a elaboração do aspecto visual do filme? Tiveram alguma referência direta?

Este é o meu terceiro filme com Heloisa Passos.Criamos uma cumplicidade criativa muito proveitosa para o trabalho.O processo foi mais ou menos o mesmo dos filmes anteriores, vimos filmes, quadros, lugares que serviram de referencia  para a composição.O Rafael Ronconi (Diretor de Arte) contribuiu muito nesse processo, trazendo as referencias dele também.Heloisa tem muito talento e temos amadurecido juntas nossa maneira de filmar.Acho que isso está impresso na tela.


Para ler a resenha de Como Esquecer, clique aqui.

Agradecimentos especiais a Eduardo Godoi.

THE RUNAWAYS - GAROTAS DO ROCK


Fiel à sua época, com som alto e vibrante e com tendências psicodélicas em sua fotografia, a cinebiografia das Runaways parece ter potencial para passar da barreira do entretenimento e servir como um parâmetro histórico quando o assunto é música. Afinal, Joan Jett e suas comparsas tiveram valor inegável para o rock. Por vezes, Floria Sigismondi chega perto. Ela aborda o macete mais antigo do cinema quando falamos do prazer imagético. A manipulação da diretora através de imagem e som é terrível, cheia de clichês e ao mesmo tempo, deliciosa.

Toda fidelidade focada na narrativa acaba indo para o ralo ao criar tendenciosos nuances melodramáticos. Parece que as meninas um dia se reuniram num trailer e de lá, explodiram em questão de segundos, com milhares de hits prontos e problemas inatingíveis para as integrantes, exceto as drogas, é claro. Em The Runaways – Garotas do Rock, as pequenas idéias conflituosas são ocas e ligeiras.

A montagem dinâmica afasta esta problemática do roteiro e dá forças ao filme, que assim faz o seu dever de correr contra o tempo com tantos personagens e tantos fatos para moldurar a história do grupo. Mas parece que Sigismondi carrega a obrigação de agradar um público que não sabe quem foram as Runaways. Um público que busca apenas escapismo e não reviver um tempo ou até mesmo, conhecer o grupo.

 
The Runaways – Garotas do Rock (The Runaways, EUA, 2010) de Floria Sigismondi 

TROPA DE ELITE 2 - O INIMIGO AGORA É OUTRO


Como um thriller, Tropa de Elite 2 é excepcional. Bem costurado, é coeso para construir personagens, sabe bem domar o ritmo e tensão entre as sequências de ação e tem um desfecho poderoso. Como análise social, é um soco no estômago. Mas esse choque vem apenas para os brasileiros e principalmente para os cariocas que logo se identificarão com situações tão particulares da “cidade maravilhosa”.

O roteiro de José Padilha e Bráulio Mantovani estuda o esqueleto da corrupção no estado, agora abrangendo sua visão, que vai das tradicionais maracutaias policiais até a análise do voto como moeda. Dentro deste espectro, está a mídia sensacionalista, a formação da milícia e claro, Capitão Nascimento e sua mente efervescente, agora como Sub-secretário de segurança do estado do Rio de Janeiro.

O dinamismo do roteiro impressiona. Os diálogos de tão despretensiosos chegam a impactar. Entretanto, é impossível não entrar na imparcialidade que Tropa 2 sustenta. O cunho social que o filme traz deixa toda amarra do roteiro ficar pequena. A fidelidade com que Padilha a violência no Rio de Janeiro coloca em cheque o que é ficção ou o que reconstituição de algum fato, além de demolir um suposto discurso fascista tão levantado após o lançamento de Tropa de Elite. Seja lá em qual lado seu pensamento reside, ele será novamente impactado.

 
Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro (Idem, Brasil, 2010) de José Padilha 

COMO ESQUECER


Aparentemente a intenção maior de Como Esquecer é de destroçar um estado de espírito. Um momento confortável (sim, confortável) de autodestruição e tristeza, solitário e também egoísta. Personificado em Júlia, mulher recém separada de Antônia, que numa sábia escolha não aparece em momento algum do filme, mas é representada pelos diálogos que também traçam o estudo deste um estado emocional.

O confronto contra a sabotagem inconsciente vem através de Hugo, amigo que coloca Júlia de frente à outra realidade, como um dedo na ferida. Mas Como Esquecer não é um filme que vai direto ao ponto, que mergulha nessa catarse. O filme é cheio de arestas, deveras romanceado com reflexões existenciais interessantes, mas colocadas de formas erradas, exageradamente melodramáticas. Elas são batidas dentro do formato do filme e não se encaixam com os diálogos previsíveis.

Sem uma moral imposta, o filme de Malu de Martino tem a sobriedade de dizer que todos são vulneráveis a esta situação sem ser tão óbvio, mas não se atreve a estudar extremidades pelas ações e compra apenas a representação superficial, negando a pungência que tanto cita em sua duração.

 
Como Esquecer (Idem, Brasil, 2010) de Malu de Martino 

FESTIVAL DO RiO - PARTE 1

ABUTRES (Carancho, Argentina/Chile/França/Coréia do Sul, 2010) de Pablo Trapero

Abutres é um thriller que aborda fraudes no sistema de seguros de vida numa cidade em que acidentes automobilísticos são rotineiros. Trapero rejeita maniqueísmos e uma linguagem frenética para conduzir seu filme com belíssimos planos-sequência e cenas brutais de violência que remetem a Gaspar Noé e Michael Winterbottom.  Ainda  dentro de um cinema de gênero, Trapero entrega uma obra intensa e inventiva. Pena que no último segundo dá um escorregão daqueles bem feios.

ELVIS E MADONA (Idem, Brasil, 2010) de Marcelo Laffitte

Boa parte das piadas de Elvis e Madona são de duplo sentido ou  tem pleonasmos cansativos, até novelescos. Mas o diretor Marcelo Laffitte tem o jogo de cintura necessário para sustentá-las com tiradas inesperadas, brincando com a  proposta do filme, que é assumidamente proto-trash. Debocha das atuações de seus coadjuvantes, sempre exagerados, dos inseguros protagonistas e do cotidiano de um bairro caótico como Copacabana. O contrapeso está na história de amor, que por mais tendenciosa que seja, acaba num lugar comum do cinema.

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RUBBER (Idem, França, 2010) de Quentin Dupieux

A sequência inicial de Rubber já justifica sua existência. O cinema é terreno de todas as possiblidades e da ausência delas também. Quentin Dupieux faz o espectador criar empatia por um pneu assassino para fazer alusões à relação entre filme e espectador. Sempre que possível, debocha de quem está do outro lado da tela, representado por um público esmaecido no meio do deserto. Mas o alvo principal do diretor é o cinema enlatado, em cenas que o surrealismo é gradativo na mesma equivalência que a genialidade.

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POESIA (Shi, Coréia do Sul, 2010) de Chang-dong Lee

A potência do roteiro (vencedor em Cannes) do filme de Chang-dong Lee é incrustado nas ações. As palavras registram a rotina de uma senhora em choque após o suicídio de uma menina que fora estuprada por seu neto. Na busca da beleza no meio da sujeira da vida representada pelo alzheimer, o  silêncio, nada imperativo, sustenta a lenta narrativa até seu epílogo, quando o filme dá uma reviravolta surpreendente.

MICMACS - UM PLANO COMPLICADO (MicMacs à tire Larigot, França, 2010) de Jean-Pierre Jeunet

Remetente às comédias do cinema mudo (em especial Charles Chaplin) e engajado, o filme de Jeunet é primoroso na linguagem dinâmica e no impactante visual. Brinca com o absurdo e com a (in)competência de nossa raça. Não dá muito tempo para reflexões, mas faz questão de entregar suas intenções nos momentos finais (e geniais). Para apreciar todos os detalhes é preciso ver MicMacs muitas vezes. Farei isto com o maior prazer.

FESTIVAL DO RiO - PARTE 2

Pouco tempo para conciliar trabalho, festival e blog. Provavelmente postarei pequenos comentários sobre os filmes a partir de hoje, com exceção dos medalhões. Então vamos lá:

TURNÊ (Tournée, França, 2010) de Mathieu Almaric

O exercício sugerido por Mathieu Almaric em Turnê (filme que o premiou como melhor diretor já em seu debut) é contemplativo. Vemos o sonho de um grupo de dançarinas de um espetáculo neoburlesco se tornar em decadência e das cinzas, a volta da esperança, com ajuda da amizade. O filme imprime na narrativa uma distância que não só tira forças do filme, como não é recuperada. Fica a sensação de que Turnê deveria ser um filme completamente interativo e clichê para funcionar.

OITO VEZES DE PÉ (8 fois debout, França, 2009) de Xabi Molia

O filme de Xabi Molia trata o desemprego como catalisador da insegurança e das síndromes de Elsa, mãe ausente que tem como característica principal a auto-sabotagem. A contemporaneidade do assunto esbarra no formato que Molia resolve contar sua história. O drama bem costurado às vezes conduz a um espasmos cômicos, talvez para justificar o entorno do filme, metido a espontâneo e descompromissado.

NOSSO FANTÁSTICO SÉCULO 21 (Neowa Naui 21 segi, Coréia do Sul, 2009) de Ryu Hyung-Ki

Como o nome do filme entrega: uma época de insatisfações e saídas mambembes para um alívio momentâneo. Seja na aparência, na vida amorosa ou com os amigos, estamos num momento de atitudes extremas. Como consequência, ganhamos uma avalanche emocional. Apesar da fidelidade registrada, Ryu Hyung-Ki usa métodos saturados para elevar o melodrama e acaba perdendo em ritmo e impacto.

FESTIVAL DO RiO - PARTE 3


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 BURACO NEGRO (L'Autre Monde, França/Bélgica, 2010) Direção: Gilles Marchand

Não me surpreenderia se em pouco tempo Buraco Negro ganhasse um remake americano. O roteiro é redondo, passeia por gêneros e ainda tem a clássica “moral da história”. Embora guiado pelo suspense, o filme é tratado inteiramente pela superficialidade de relacionamentos adolescentes (talvez o público alvo do filme) e mergulha no universo lúdico dos games para levantar questões existenciais.Gilles Marchand consegue unir três pilares narrativos sem que nenhum deles pareça avulso à proposta; dá pé à delicada inserção de uma história num mundo paralelo, numa espécie de Second Life com a reunião secreta de De Olhos Bem Fechados. Os méritos vão para a decupagem que não deixa que essa ousadia não caia no ridículo. Por outro lado, consegue momentos que beiram a vergonha alheia pela ausência de profundidade na relação de seus estereotipados personagens. Buraco Negro é o típico caso de filmes com boa execução, mas com o excesso de cautela para não rebuscar o roteiro, que possa estragar a intenção principal do diretor, que, obviamente, é dar um clima específico ao filme. Sobra aura, mas falta conteúdo.

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A ÚLTIMA ESTAÇÃO (The Last Station, Alemanha/Rússia/Inglaterra, 2009) de Michael Hoffman

O paradoxo que o escritor Leo Tolstoi sustentava ao buscar edificação espiritual longe da filosofia inventada pelo próprio fica em segundo lugar em A Última Estação, novo filme de Michael Hoffman. Ele analisa uma briga de egos usando o escritor como pilar através do ponto de vista de um personagem, no fim das contas, aleatório para a trama. A concentração do roteiro na ambígua visão de Sofya Tolstoi, a mulher do escritor (a ótima Helen Mirren). Ao mesmo tempo, ela lutava pelo lucro da família através da obra de Tolstoi – indo contra a ideologia pregada por ele - e levar uma vida tranquila no retiro em que ele vive com seus seguidores. Uma visão conflituosa com a do protagonista Valentin Bulgakov (James McAvoy), admirador do escritor e novato no retiro e principalmente com a de Vladimir Chertkov (Paul Giamatti), homem que acreditava que a obra do escritor deveria ser levada aos quatro cantos do mundo. Esta questão nada trivial para o escritor só é deixada de lado para acompanharmos um romance que serve mais como conto moralista. Hoffman acerta quando não deixa seus personagens estereotipados numa trama que implicitamente trata do duelo entre razão e emoção. Mas não consegue organizar um raciocínio para construir um conceito relevante à história de Tolstoi, que no fim, mergulha de cabeça num melodrama de segunda.

QUEBRA-CABEÇA (Rompecabezas, Argentina, 2009) de Maria Smirnoff

Quebra-Cabeça é um daqueles filmes que despacham a nós a empatia à sua protagonista com a aposta de uma identificação imediata e de grande pilar da narrativo. Este talvez seja o grande tropeço do filme que adota elucubrações para assuntos tão corriqueiros. Representados por Maria, uma dona de casa, que ao descobrir o passatempo de montar quebra-cabeças salienta a importância de ser seu tempo, suas particularidades na mesma medida em que se dedica à família. Evitando grandes ensejos melodramáticos, incluindo cortes grosseiros em cenas que só ilustrariam um sentimento, Maria Smirnoff exalta questões existenciais neste exercício. A relação sempre pacífica com filhos e marido (sempre em segundo plano para a diretora) e o sufoco natural de quem se dedica por inteiro a eles bate de frente ao encontro com Roberto, homem que procura alguém para ser par no próximo campeonato de quebra-cabeças. No desenrolar da trama, vemos o óbvio. Por outro lado, no processo de maturidade de uma mulher que sempre esteve escondida atrás de seu instinto materno, Smirnoff destroça implicitamente um monstro, que se entrega e se descarrega com o reconhecimento alheio e com o aval de sua família. Esta que, no momento certo, lhe ajuda a buscar a sensatez.

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