Leste Oeste (Rodrigo Grota, 2016)



Nas entranhas de Leste Oeste há uma ressaca moral avassaladora. Mais uma constatação de um estado de espírito que uma verdadeira tentativa de reverter um quadro emocional. Em Leste Oeste o luto é formalizado. É desta convenção silenciosa que se trata o filme, de um incomodo que poucos assumem e tornam o senso de justiça como caminho para apostas, redenções e autodestruição.

Esta feição morta-viva que os personagens tomam pra si como a saturação emocional está para o contraponto de toda ação sugerida pelo filme – em destaque as corridas de kart – é o esvaziamento total da vida. Dela, curiosamente, não se captura melancolia e sim uma falsa ideia de esperança, que todos os personagens ali podem achar alternativas para seus caminhos propícios. 

São mentes exaustas em corpos supostamente renovados, prontos para outra. Porém, esse fantasma que se agarra em cada ombro aqui é raramente reproduzido com alguma preocupação realmente plástica – Grota, que construiu uma carreira respeitável como diretor de curtas-metragens parece mais econômico e rigoroso em seu debut. Assim, Leste Oeste é, ao todo, um filme sobre deslocamentos de formas, que pouco se encaixam, de um incomodo geral. Articular o desconforto sem que estes mundos (ou cacos) não tenham defasagens narrativas, inclusive em suas forças é uma tentativa louvável, mas pouco eficiente afinal o que está no extracampo é tão poderoso quanto o que Grota filma.

Por mais que se reforce a dramaturgia – conforme o tempo passa, Leste Oeste é mais objetivo em suas intenções, principalmente sobre o sentido e o sentimento de uma derrota -, Leste Oeste é um filme sobre adormecer o que é bárbaro, o lado mais primitivo do homem, da frustração que esta impossibilidade gera e articular com estes extremos é um risco louvável por parte de Grota e também uma jogada delicada.

Conforme o abismo é lentamente apresentado – profetizado desde o início do filme – há o estreitamento dessas histórias. E as restrições, colocando essas vidas alinhadas pelo consentimento silencioso de um futuro trevoso é uma espécie de conformismo formalista em Leste Oeste, de uma dinâmica passível ao fim do vigor, como se os personagens fossem deliquentes, dignos do tratamento básico que a câmera os oferece. Cria-se, portanto, uma dualidade poderosa: o filme possível que não veremos e o que há de concreto; uma espécie de crueldade consciente que de encontro à trama invariavelmente os julga, nos julga e é impiedoso na resposta.

Tropykaos (Daniel Lisboa, 2015)

Eis um filme de reflexos constantes. Tropykaos encena, a cada sequência, a ideia de isolamento, de um microcosmo como comentário direto ao “mundo alheio”. É a analogia mais prática à vida de um artista no Brasil, principalmente aos que fogem dos padrões impostos pela indústria. Como um delírio – talvez não exista colocação melhor para essa escolha -, Guima, poeta assolado pela tempestade solar numa Salvador prestes a receber o carnaval, precisa de seu ar-condicionado para trabalhar.

Embora as abas deste tema sejam infinitas, principalmente as impossibilidades de realização e a tentativa em vão do diretor Daniel Lisboa de abraça-las a todo custo, Tropykaos é mais interessante quando constrói uma neurose descompromissada, apoiada no cotidiano da cidade e sua cultura incompatível ao gosto e à realidade de Guima. São nesses momentos que Lisboa remete a filmes-símbolos dessa discordância como SuperOutro de Edgard Navarro (que está presente no filme com três personagens hilários) e Depois de Horas de Martin Scorsese. 

À medida que esse contexto alucinado caminha para soluções assombrosas – muito utilizadas para justificar a realização possível no Brasil, como uma ilha de pedras e sem uma saída definida – Guima carrega uma melancolia, um lamento; desconta em escapismos e na autodestruição que Lisboa contrasta com a beleza da cidade. São monumentos a serviço do outro, do folclore e daqueles que compram camarotes e que estragam aparelhos de ar-condicionado. É desta revolta silenciosa e ao mesmo tempo impossível que o protagonista toma suas escolhas – encolher-se como um vampiro ao sol, saber da sua condição de antagonista em sua própria casa.

Como um crescente frenesi para lidar com o calor e o quadro de saúde de Guima, da luta contra a “ultra violência solar” e sua incompatibilidade aos padrões de uma cidade “solar” vem a solução: se influenciar pela urgência serve como a saída crítica mais palpável. É a forma de unificar tantos problemas a citar – em certos momentos Tropykaos parece mais um conjunto de alegorias que um discurso sobre o que exibe – e criar assim a noção de uma jornada. A noção de identidade do outro, sobretudo àqueles que não se adequam às regras básicas de sociabilidade e até mesmo artísticas – produzir com as amarras do governo é um ótimo exemplo.

É importante lembrar que Tropykaos é o registro de uma circunstância histórica acima de qualquer jogo delirante; mesmo que desequilibrado pela mesma urgência registrada (que o faz correr atrás de inúmeras justificativas). É do impossível que Lisboa tira sua melhor saída, uma contestação tão pertinente quanto infantil. É importante ser infantil neste momento, a não ser esquecida pelo seu lado inusitado e inconsequente. É da imprevisibilidade que o filme grita sua revolta e diagnostica o país do samba, suor e feridas.

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