O CAÇADOR

 

Por falta de informações nos minutos iniciais de O Caçador, o debut de Hong-Jin Na na direção de um longa metragem indica que a busca de Eom Joong-Ho, um cafetão por uma garota de programa - que está nas mãos de um assassino serial -  pode tomar qualquer caminho. Mesmo que essa história seja calçada numa trama policial, o que Hong-Jin Na faz é mostrar com naturalidade, sem diálogos ou gestos necessários para mostrar qual é o objetivo de Eom Joong-Ho nesta busca, mesmo colocando sentimentos avessos quando cria uma gangorra no que diz a posição emocional de seus personagens.

Hong-Jin Na estuda claramente o que outros filmes policiais no geral nem gostam de lembrar: Que a lei é burocrática e que o herói também faz coisas ilegais. Joong-Ho tem a tarefa pessoal de achar Mi- Jin Kim, a garota de programa e ao mesmo tempo passar por cima de uma polícia explicitamente despreparada e também por lacunas deixadas pela lei que favorecem Young-min Jee, o assassino serial. As criativas desdramatizações de clichês do gênero como perseguições (os carros são substituídos pelas pernas, por exemplo) e utilizando a linguagem corporal para substituir longos diálogos, mantém um bom ritmo e conseguem fazer uma equivalencia justa do que está por vir no filme, pois Hong-Jin Na se perde justamente quando resolve unir sua trama à poesia em momentos inoportunos.

Essa aposta tira um pouco do ritmo sugerido pela trama, mesmo com uma intenção interessante, ela é deturpada em relação ao resto do texto. Ritmo este que lá pelo fim do filme dá uma arrastada grosseira por se estender demais na resolução dos conflitos de Eom Joong-Ho. Talvez para fugir de uma obviedade de filmes de gênero, tenha sido necessário esticar, mas fica claro que Hong-Jin Na não soube domar lombadas em seu próprio texto.

O Caçador (Chugyeogja, Coréia do Sul, 2008) de Hong-Jin Na

GIALLO - REFÉNS DO MEDO


Ao assistir o novo filme de Dario Argento, Giallo – Reféns do Medo, a sensação é de viver um déjà vu através da tela. O diretor italiano que sempre nos entregou obras intrigantes com uma beleza particular, em seu novo filme parece revive a construção de thrillers de uma maneira mais clássica. Afinal, a palavra “giallo”, em italiano, além de significar amarelo, também remete à livros com capas amareladas que contavam histórias sobre assassinatos, que anos depois também deu nome ao subgênero de filmes policiais, com detetives e assassinos num jogo de gato e rato.

É exatamente isso que vemos no longa. Uma perseguição de um detetive a um serial killer sob uma aura de terror insinuado à todo momento pelo som do filme. Através da montagem e enquadramentos que remetem à Hitchcock, Argento mostra que sabe muito bem o que faz quando une suas características do cinema de horror com os clichês do giallo, que no fim das contas subverte os ideais do suspense que estão incrustados nos dois gêneros quando praticamente impõe a previsibilidade para o espectador.

Dentro deste molde, o diretor acha espaço para questionar a importância da beleza para se conseguir o que deseja atualmente e que talentos e traumas podem ser distorcidos para se fazer o mal, sem exageros dramáticos em sua construção narrativa. Apesar dos acertos, não fica bem claro qual o intuito principal para Argento: Se é a diversão através do sadismo, de subverter gêneros ou simplesmente homenagear um estilo. Cabe ao espectador escolher o caminho que mais lhe agrada.

Giallo - Reféns do Medo (Giallo, EUA/Itália, 2009) de Dario Argento

BASTARDOS INGLÓRIOS

bastardos

Guerra e cinema sempre andaram lado a lado. Foi durante a guerra civil americana que desencadeou uma grande evolução da tecnologia visual, junto com a evolução dos dispositivos de guerra. Elas se desenvolveram juntas e foram usadas nas guerras como balões com câmeras para estudar o território inimigo posteriormente. 

O mestre D.W Griffith fazia planos gerais de campos de batalha em O Nascimento de uma Nação com intuito de propagandear os aliados na guerra. Já na segunda guerra mundial, Adolf Hitler usava o cinema para divulgar suas “boas” intenções através de filmes publicitários. O que Quentin Tarantino faz em Bastardos Inglórios é uma espécie de releitura desses filmes, idealizando uma nova forma para terminar a segunda guerra, sem esquecer a veia panfletária e muitos menos seu lado pop.

Nada mudou. Tarantino continua suas referências (começando pelo nome do longa, “carinhosamente” roubado do filme italiano homônimo de 1978), citações, fetiches, divisão do filme em capítulos, flashbacks, homenagens (em certa cena do filme, fica clara a homenagem à Scarface de Brian De Palma transformando Eli Roth num Al Pacino de segunda), entre outros maneirismos do diretor, a construção de seu novo filme também serve a cartilha que o consagrou, que já na seqüência inicial podemos ver para o que ele veio: Ele desdramatiza toda seqüência que é domada pela tensão com diálogos que fogem totalmente de sua proposta.

O senso rítmico de Tarantino faz Bastardos Inglórios voar como uma das dezenas de balas disparadas no filme. Acompanhamos duas tramas paralelas fincadas na vingança: A do grupo de Aldo Raine (Brad Pitt) e de Shosanna (Mélanie Laurent, brilhante). Se a vingança é outro tema batido pelo cineasta, ele sabe usar de forma coerente e balanceada para que as duas tramas não disputem a empatia do espectador. Tarantino faz a opção de não levar sua trama tão a sério quando exclui cenas de ação para impor seus geniais diálogos, impedido que ela chegue ao seu extremo de forma banal.

Tarantino afirma de uma maneira irônica que o filme é sua obra-prima. Isso só o tempo nos dirá, mas é certo que o filme tem potencial e mérito suficiente para ganhar tal status. O cineasta não perdeu a forma que o tornou um dos maiores diretores do cinema contemporâneo, mesmo tropeçando em pequenos momentos no próprio ego (que ele vem fazendo desde À Prova de Morte), os acertos de Tarantino são tão geniais que suas gafes passam em branco.

Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, EUA/Alemanha, 2009) de Quentin Tarantino

DANÇANDO COM O DIABO

O vencedor do Oscar de melhor documentário por Anne Frank Remembered, Jon Blair coloca a cabeça do espectador como um liquidificador em seu novo filme. Dançando com o diabo foi muito comentado antes mesmo de ser exibido no Festival do Rio por simplesmente não ter uma posição incrustada em suas imagens. Blair mostra, sem intenções sensacionalistas, o dia a dia de chefes do tráfico, policiais e um pastor, que é a única autoridade entre os bandidos e que pode transitar livre e ousadamente pelas comunidades com intuito de salvar vidas já condenadas pelo tráfico e salvar a vida dos traficantes, espiritualmente falando.

Ao se infiltrar no dia a dia do tráfico e apresentar à intimidade de nomes como Tola e Aranha, Blair nos mostra uma nova imagem para um estereótipo criado pelas situações extremas de violência nas grandes metrópoles. Em geral, eles gostariam de se livrar dessa vida. Os policiais, talvez por ordens superiores, gastam o tempo com inutilidades que os “funcionários” do tráfico resolverão em poucos minutos. A tensão dos policiais é imensa e a sensação é de ter a morte caminhando ao seu lado diariamente, como um deles diz em certo momento do filme.

Blair acerta por desconstruir esses personagens através dos dias e nos mostra que atrás de poses, armas, complexidades, contradições e medalhas, existe um sonho de mudança usando um ponto em comum nos três pólos estudados: A fé. O pastor Dione tem a missão de mudar a vida dos traficantes através da palavra de Deus. Foi bem sucedido em algumas obras e conseguiu selar a paz entre algumas comunidades, mas ainda tem o dever de salvar vidas que anteriormente teriam um final trágico, que agora a partir de um acordo com Aranha, chegam à igreja gravemente feridos, mas com uma segunda chance: a de achar um novo caminho para viver. Os policiais, apesar da dedicação e da adrenalina, tem a grande mancha criada pela má índole de alguns companheiros. Fora a obrigação de manter a segurança e a paz em locais perigosos, a luta também é para reverter um quadro criado pela sociedade. 

Os traficantes lembrarm que fazem parte de uma indústria, que cria empregos para pessoas que não tiveram oportunidades e suporte do governo, que segundo eles, também está interessado no dinheiro gerado pela venda de drogas quando investem em armas, carros blindados e deixam pessoas morrendo nos hospitais. Eles, se pudessem, sairiam dessa vida, apesar da estabilidade financeira. O preço da liberdade para eles é alto e o risco de perder a vida a qualquer momento os coloca em um estado de alerta e tensão eterno.

Apesar de um fechamento pessimista, o que vale no trabalho de Blair, é  a nova proposta para mostrar o terror na cidade do Rio de Janeiro por quem está no meio dele, sem acusações ou estudos maiores sobre a falta de recursos e ajudas governamentais. Cada um, a sua maneira, ajuda a manter a paz nas comunidades, com intenções distintas. As conseqüências são mostradas por Blair em seus minutos finais. O espectador, leva consigo uma mente borbulhando com questões existenciais e sociais.

Dançando com o diabo (Dancing with the devil, Inglaterra, 2009) de Jon Blair

CORAÇÕES EM CONFLITO


 Lukas Moodysson pincela problemas contemporâneos sem criar ou se afundar um dramalhão em Corações em Conflito, filme que mostra a vida moderna como uma faca de dois gumes.  O sentimento guia do filme de Moodysson é a insatisfação e talvez, a insegurança. Insatisfação que todos os humanos contemplam em algum momento da vida: quem trabalha, quer o tédio. Quem vive entediado, quer trabalhar. Quem tem pouco, quer ter muito. Quem tem muito, quer viver de maneira mais simples.

Leo, vivido por Gael Garcia Bernal mostra o lado fácil de enriquecer com pouco trabalho, através da tecnologia e novas dependências dos humanos. Num choque de culturas, Moodysson faz uma espécie de Babel, menos politizado e mais humano. O diretor vai dos Estados Unidos até as Filipinas para mostrar um outro extremo e ligando as realidades através do afeto e com uma bela metáfora através de um elefante. A necessidade de tal sentimento é o laço entre os dois pólos, mas que claramente se ligam através dos interesses financeiros, pois o emocional, é apenas uma forma de se manter empregado, com salário em dia.

Entre crises de insônia e noites exaustivas de trabalho de Ellen, esposa de Leo, vivida pela excelente Michelle Williams, nos perguntamos se é realmente válido e necessário se desgastar tanto para ter uma boa renda, se não tem tempo e saúde para aproveitar a vida e nem ver os filhos crescerem. Nas Filipinas, vemos o lado inverso. Chances são quase nulas e as saídas podem ser radicais. A modernidade por Moodysson é colocada de uma maneira interessante, mas não menos reflexiva e serve como um grande alerta para uma mudança, apesar do lamentável tropeço nos minutos finais.


Corações em Conflito (Mammoth, Suécia/Dinamarca/Alemanha, 2009) de Lukas Moodysson

AQUÁRIO



No subúrbio inglês, a diretora Andrea Arnold mostra que a influencia direta da mídia pode causar danos irreversíveis, enquanto desconstrói um sentimento claustrofóbico que faz uma clara metáfora com o título do filme. O sentimento vem de Mia, menina de quinze anos que faz as decepções rotineiras evaporarem pelos poros através da dança.

Mia é fruto de um lar disfuncional. Claramente criada pela TV e pela música, ela e sua irmã trocam farpas e xingamentos por motivos banais diariamente. Os valores distorcidos já são aparentes desde o início do filme. Ela se comporta como adulta.  Entre cenas de brigas e uso de drogas, o cinema de Larry Clark é lembrado, mas a comparação se esvairece em poucos minutos. Enquanto as meninas crescem rápido demais, a mãe faz o caminho inverso; faz festa diariamente, não procura as filhas e está mais interessada em garotos. Este amadurecimento de Mia talvez seja um simples instinto para não seguir o exemplo dado em casa, até mesmo para tratar o novo namorado de sua mãe, mas sua imaturidade é exaltada em momentos extremos.

Mia desce a ladeira na busca de uma saída, mesmo que possa parecer errado, o que importa é sair deste aquário, onde ela parece viver numa competição onde o ego é o ponto de largada. Andrea Arnold nos dá a sensação de acompanharmos a história pelas costas da garota, correndo junto com a menina com o exacerbado uso de steady cam e em overshoulder, mas principalmente quando as silhuetas dominam a tela.

A sensação que transparece é que tudo que Mia toca, morre. O sentimento pela família, pelos amigos, os sonhos e até mesmo por um indefeso cavalo, terminam de forma trágica. Quando se depara pela tão almejada vida adulta, ela percebe o quão nova é nessa altura que o aquário pode ter o seu valor ou realmente esquecido. Insegurança essa que a diretora também carrega em si para construir o seu filme quando se estende em detalhes já captados pelo público.

Aquário (Fish Tank, Inglaterra, 2009) de Andrea Arnold

MARADONA


 O diretor sérvio Emir Kusturica acerta quando escolhe estudar o lado mais obscuro do maior ídolo argentino, o ex-jogador Diego Armando Maradona. Quando digo “obscuro”, não me refiro aos escândalos envolvendo os vícios e brigas do ex-jogador, mas por tocar em assuntos esquecidos pela mídia e fazer o jogador refletir sobre sua vida numa espécie de análise itinerante.

Seria óbvio demais – mas não menos interessante – fazer um documentário contando a história do jogador com intuito de colocá-lo em uma posição que ele nunca saiu: a de herói. Kusturica compara sua carreira de diretor e métodos de filmagens com o comportamento de Maradona. Seja pelas inseguranças e os prós e contras de ser um documentarista ou através de metáforas, o diretor mostra suas identificações com o seu personagem principal. Segundo o diretor, se Dieguito não fosse um craque dos gramados, seria um grande revolucionário. A sede de justiça e senso político do ex-jogador parece ser o novo guia de sua vida. Ele afirma que pequenos países podem se vingar de tantas injustiças através dos esportes e lembra a incrível vitória da Argentina contra a Inglaterra durante a copa do mundo de 1986, que serve como alvo para Kusturica abrir diversos assuntos sobre a vida do jogador e suas reflexões.

Pela voz-off, Kusturica conta suas conclusões sobre esta figura peculiar que até uma igreja ganhou. O casamento pela igreja “Maradoniana” é surreal. Mesmo com esta forma interessante, o filme dá alguns tropeços por largar cenas avulsas, sem um norte para o público ter como guia, nem posição emocional, nada. As cansativas inserções de animação de Maradona fazendo justiça com os próprios pés também tiram o bom ritmo do filme, que busca apenas mostrar como Maradona é, sem procurar respostas e muito menos motivos para atitudes e escolhas do jogador. Maradona abaixa sua faixa de ídolo para mostrar que é feito de carne e osso, que tem fraquezas e que também erra por escolha própria, sem sensacionalismos maiores.

 
Maradona (Maradona by Kusturica, Espanha/França, 2008) de Emir Kusturica

CHUVA


 Na fria e chuvosa Buenos Aires, vemos uma cena comum nas grandes metrópoles: um generoso engarrafamento. Alma está em seu carro, esperando, sozinha e angustiada. Roberto entra desesperadamente no carro, sangrando. A diretora Paula Hernández utiliza a chuva para unir os dois personagens que se não estivessem tão próximos e unidos por uma cobertura, buscando proteção do frio e da chuva, não teriam chances para se conhecer e utilizar a falta de intimidade para se expor, sem utilizar proteções emocionais causados pelo conhecido, pela previsibilidade de um julgamento e um convívio mais calculista.

Se expor para um desconhecido talvez seja conveniente numa situação como essa. A decepção não é a primeira coisa que vem em mente. Os dois podem assim, se ajudar, mutuamente, apesar da insegurança comum que também criado pelo desconhecido. O “desconhecido” aqui ganha status enigmáticos criados por lombadas que por um lado mudam o rumo do longa, mas pontuam um sentimento unânime da população das grandes metrópoles: a solidão e o interesse na vida alheia. 

Aos poucos deixamos as primeiras impressões causadas por uma apresentação morna dos personagens, para afundar no emocional de Alma e Roberto que infelizmente são embarreirados pela diretora Paula Hernández novamente. Ela nos impede de situar a posição de cada um referente ao problema do outro, expondo apenas o fervor do momento para liberar informações em um momento que ela achou ser oportuno. Separando Alma e Roberto em mundos distintos por conta do exarcebado uso de "plano e contra-plano", a diretora cria um cansativo ping pong em sua montagem.

Apesar desta forma quadrada para desenvolver o longa, Paula Hernández tem a sutileza na hora de construir o lado psicológico de sua ação, aos poucos convencendo a nós que esta aproximação veio de uma escolha da natureza, como uma chance de recomeço para cada um, mesmo que essa história vire uma grande dicotomia quando a pós-produção os coloca em dois mundos particulares.
Chuva (Lluvia, Argentina, 2008) de Paula Hernández

POLYTECHNIQUE


 Inacreditável como somos tão vulneráveis a ponto de deixar um sentimento incrustado dominar nossas vidas. Em Polytechnique, Denis Villeneuve reconstítui os fatos ocorridos em uma faculdade em Montreal, em 1989. De fato não existe um motivo plausível para essa história ser contada a cores. O frio e a constante neve que cai é  conivente à ausência de cores. A vida de um garoto dessa faculdade também é sem cores e dominada pelo rancor. Este que foi crescente conforme a falta de oportunidades para uma volta por cima iam aparecendo.

Para este garoto, a única chance que existe, é no mínimo, ficar do mesmo nível das feministas, que segundo ele, destruíram sua vida. Já é o norte suficiente para questionarmos o radicalismo presente já naquela época. A partir daí, infelizmente, Villeneuve perde a mão e o fio narrativo de seu filme e o que faz é um jogo de gato e rato com a mesma. Enquanto o rancoroso aluno entra na faculdade que mais parece um clube noturno para se vingar das meninas, o diretor ousa em fragmentar a história. A escolha não é acertada, pois ele aproxima e afasta nosso envolvimento com Jean François e Valérie, protagonistas do longa.

Entre os bucólicos takes de uma fria Montreal e o brutal acerto de contas de um jovem rancoroso, o que Villeneuve nos oferece de melhor em Polytechnique é mostrar uma compaixão contrária a toda arbitrariedade deste personagem, que é dominante na narrativa. Infelizmente, o seu resultado é irregular. Talvez pela escolha da ação pelo aspecto físico e não pelo psicológico ou simplesmente por não aproximar os personagens de forma coesa com a platéia.

 
Polytechnique (Idem, Canadá, 2009) de Denis Villeneuve

DISTANTE NÓS VAMOS



A versatilidade de Sam Mendes é admirável. Da catarse emocional de Foi Apenas Um Sonho para a leveza espiritual de Por Uma Vida Melhor, Mendes mostra sua capacidade de passear por assuntos e diferentes formas de se fazer cinema. É certo que estamos diante do próximo filme-cult-com-fãs-pentelhos. Mas o longa faz por onde. Ele tem sua base fincada numa forma contemporânea de se fazer comédias do chamado “cinema independente americano”.

 O trampolim de suas piadas e situações é criado a partir de choque de culturas ou pelo conflito entra a suma importância e a displicência de costumes diferentes. Recheada com trilha sonora folk e aura modernosa, o filme preza pela compaixão e respeito mútuo e ainda acha espaços para fazer pequenas criticas a maneira comodista de se manter um relacionamento.

É uma tarefa difícil conseguir envolvimento total da platéia quando se constrói um filme em um formato que é usado aos borbotões na atualidade. Mas, por se focar no cotidiano e na naturalidade para conduzir seus diálogos e a narrativa, Mendes nos entrega algumas pérolas saídas dos coadjuvantes, sem tirar o brilho dos protagonistas. Estes que enfrentam a chegada da filha e a falta dos pais para ajudar na criação. Sem obrigações sociais, os dois, resolvem ir atrás  do lugar ideal para criar sua filha.

Sem mexer no time que começa ganhando já de goleada, conhecemos as fraquezas de cada um e o que almejam da vida, sempre rodeado de situações que levam ao riso. Sem rostinhos bonitinhos ou exageros para ganhar uma empatia urgente, Sam Mendes nos presenteia - depois de tanta tensão em seus filmes anteriores -  com um filme delicioso.

Distante Nós Vamos (Away We Go, EUA/Inglaterra, 2009) de Sam Mendes

VIDAS QUE SE CRUZAM


Guillermo Ariaga é conhecido pelo seu trabalho em parceria com o diretor mexicano Alejandro Gonzáles Iñárritu. Ariaga assinava os roteiros e Iñarritu os moldava em imagens, rendendo filmes memoráveis como Babel, 21 Gramas e Amores Brutos. The Burning Plain, debut de Ariaga como diretor, é um filme sobre distância. É um filme sobre causa e conseqüência. Infidelidade, traumas, indiferença e a óbvia mudança de valores e guias.

A narrativa é desconstruída em três núcleos, na fronteira dos EUA com o México, com a desculpa conveniente para Ariaga escalar nomes como Charlize Theron e Kim Basinger para atuar com atores desconhecidos de sua terra natal. No deserto entre os dois países, Ariaga une esses núcleos da forma que já conhecemos pelos trabalhos dirigidos por Iñárritu. A ilusão de um labirinto criado pelo texto em alguma hora do filme deixa pistas explícitas para unirmos os núcleos. Ariaga desta vez falha para escrever e dirigir. O roteiro tem lacunas exageradas e resolvidas de forma abrupta.

Novidades não existem em The Burning Plain, mas a forma particular de fragmentar histórias de Ariaga ainda surte efeito de maneira positiva, mesmo que Hollywood tenha saturado essa forma. Na busca por respostas e acordos, os personagens rondam por caminhos obscuros, como um martírio, uma forma de se obter perdão através do sofrimento. Alguns escolhem a apatia, outros escolhem buscar respostas, mas de uma forma ou de outra, o peso criado por escolhas alheias afetam de forma irreversível em suas vidas.

Vidas que Se Cruzam (The Burning Plain, EUA/Argentina, 2008) de Guillermo Ariaga

LONDON RIVER - DESTINOS CRUZADOS



2005. Atentados mudam a sorte da Inglaterra que é marcada por bandeiras a meio mastro. Elisabeth liga pra saber se está tudo bem com a filha. Ela não atende. À procura da filha, ela vai até Londres e vê que ela mora em um bairro onde a população em sua maioria, é muçulmana. Elisabeth leva em si a doutrina protestante. Estes valores ficam obsoletos durante a busca por informações que ela só encontra um norte quando Ousmane (interpretado por Sotigui Kouyaté, vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Berlim) entra na história.

Rachid Bouchareb constrói com delicadeza o embate de valores e a claustrofóbica rotina da busca de Elisabeth e Ousmane pelos seus filhos ultrapassando fronteiras religiosas e costumes quando o acaso e a compaixão podem levar os dois a novos horizontes e conclusões sem se prolongar e muito menos fazer uma exploração maior de assuntos já tão saturados pela mídia em cenas que a única reação é o riso, pois é ridículo como nós podemos ser tão extremistas em casos que não existe diferença alguma. Não é o foco de Rachid achar falhas nos comportamentos guiados pela fé, mas sim mostrar que não existe necessidade para radicalismos.

Com ótimas atuações e uma direção elegante, sem exageros ou macetes para interferir na posição da platéia, London River é uma pequena pérola, sem apontar para politicagens e mesmo que posicione o seu norte na diferença religiosa, não é isso que o seu texto quer discutir. Pelo contrário, suas metáforas tendem a uma saída, um acordo, pois prejudicados pelo terror, todos serão.

 
London River (Idem, Inglaterra/França/Algéria, 2009) de Rachid Bouchareb

MOTHER - A BUSCA PELA VERDADE


Bong Joon-Ho é um diretor que tem como uma de suas características achar a poesia onde ela praticamente não existe. Em Mother - A Busca Pela Verdade, ele faz o caminho inverso. Nesta história de uma mãe em busca da redenção do filho que tem problemas mentais, Joon-Ho monta seu filme de forma linear, sem muitos momentos de contemplação e coloca a necessidade acima de qualquer problema, pois quando a agonia dessa mãe pelo convívio inerente com seu filho explode, Joon-Ho cria diversos finais para o filme a cada meia hora.

Yoon Do-Joon é daqueles meninos conhecidos por toda vizinhança e que por alimentar uma inocência não costumeira por garotos de sua idade, é usado como um pano quente para os delitos cometidos por um amigo de Do-Joon. A mãe, sempre de olho no filho, serve como catalisador de apuros, mas não é sempre que ela pode estar presente. Quando o garoto é acusado de assassinato, essa mãe, vivida por Hye-Ja Kim, é a adaptação necessária para cada nicho em que se envolve em busca de provas para inocentar o seu filho.

Talvez por guiar essa narrativa de forma mais comum, o longa de Bong Joon-Ho perde suas forças, pois acaba virando mais um filme sobre um instinto protetor. É um filme bem amarrado e realizado, afinal, não estamos falando de um diretor qualquer, pois quando se trata de Joon-Ho, a expectativa é grande. Mas em momentos oportunos, mesmo com a falsa sensação de resolução, a índole da mãe é questionada. Se ela é capaz de qualquer coisa, a questão do certo ou do errado é jogada para o espectador. Se esta mãe é vilã ou heroína depende do critério adotado pelo público, se a empatia criada com esta mãe é mesmo é um fator de peso para o espectador formar sua opinião.

Mother - A Busca Pela Verdade (Madeo, Coréia do Sul, 2009) de Bong Joon-Ho

EU MATEI MINHA MÃE


A mãe que provoca o filho. O filho que não se esforça para entender a carência da mãe. Em Eu Matei a Minha Mãe, o que vemos é uma relação contemporânea usando a urgência de se obter respostas e de se adaptar a realidades distintas, que obviamente calham em explosivos conflitos.

O embate entre os dois é intenso e diário. Um tenta manipular o comportamento do outro através de chantagens emocionais e com o efeito da culpa. Os abismos da idade e de costumes só exaltam a sensação de asco de Hubert pela mãe. Ele abriga em sua mente uma confusa relação com sua mãe, enquanto vive uma época de descobertas. A mãe parece distante de ter um sentimento materno. Hubert se sente a vontade na casa de seu namorado, mas também carrega um sentimento avesso quando vê sua sogra feliz, mantendo um harmonioso lar.

A manipulação de Chantale às vezes passa da pré-destinação. O cotidiano serve de trampolim para mais uma explosiva briga. A relação entre os dois oscila entre a mais ofensiva discussão ao repentino acordo de paz, concedida sem esforço de palavras feitas para selar tal amor entre mãe e filho com cenas artesanais sem elementos artificiais e outras que seguem a cartilha oposta. O talento na direção de Xavier Dolan é exaltado por dividir a câmera e o posto de protagonista do filme com louvor. O texto também escrito por Dolan garante a dinâmica do filme, enquanto a estética tem resultado irregular.

Neste martírio diário, ambos tentam se livrar ou acertar as contas a sua maneira. Enquanto Hubert vive o ápice de sua juventude, Chantale parece usar de saídas mais urgentes para não se render a um pensamento depreciativo. A latente pergunta de Eu Matei a Minha Mãe é: Hubert não está preparado para se relacionar com pessoas que vivem outra realidade ou sua mãe que não está preparada, mesmo dezessete anos depois para criar um filho?


Eu Matei Minha Mãe (J'ai Tué Ma Mère, Canadá, 2009) de Xavier Dolan

OS INQUILINOS


Sérgio Bianchi: ame ou odeie. Os últimos filmes do diretor Cronicamente Inviável e Quanto Vale ou é Por Quilo? vinham com além de ácidas críticas ao caminho que o país toma pela necessidade de se manter vivo  doses cavalares de pessimismo. Os Inquilinos, adaptação do conto homônimo de Vagner Ferrer, o novo longa de Bianchi não muda essa forma. Afinal, ainda não existe motivo para que o diretor pense diferente. O filme conta a história de Valter, um homem que levanta cedo, trabalha e vai para a escola à noite, pois não teve chances de terminar os estudos quando era jovem. É casado, pai de dois filhos e agora se vê obrigado a preservar a vida de sua família através da política da boa vizinhança, ou para ser mais claro submisso a ordens do crime. Quando chega em casa, atura reclamações da esposa que, refém do ócio, nada faz além de espionar a vida dos tais “inquilinos”.

Bianchi acerta, pois se concentra numa história “de comunidade”, mas as questões são existenciais e não sociais, logicamente elas se embaralham, pois aqui, Valter recebe os novos vizinhos, três homens de índole suspeita, e a cada novo dia, existe um novo motivo para a convivência virar uma guerra. O barulho é alto, a linguagem dos vizinhos é chula e o abuso cresce junto com  o número de horas mal dormidas pela família e a necessidade de resolver este problema. Bianchi ao invés de se focalizar numa história que seria óbvia para usar a violência sob uma carga dramática para mais um debate sobre o assunto, prefere estudar o que leva uma situação como essa acontecer e suas conseqüências dentro desta comunidade.

A liberdade das crianças é amputada pela tensão nas ruas. A confiança dos moradores é comprada, através de agrados a mando dos “chefes”. Essa prostituição vem da óbvia relação de interesses mútuos. Logicamente essa confiança leva a outros fatores como o silêncio e obrigações sociais. Enquanto José Luiz Datena anuncia mais um estupro seguido de morte, o filme para de lamentar na cena seguinte para mostrar um forte motivo para isto ter acontecido. Querendo ou não, é uma indústria que se forma. “Você incentiva dali, que eu lamento daqui”. Cabe a sociedade lutar contra. Mas, quem é sociedade? Quem é bandido? Enfim, questões que Bianchi coloca sob sua característica aura pessimista e resume seu longa numa cena dentro de uma sala de aula, onde os alunos viram mocinhos, bandidos e reféns.

Um filme como Os Inquilinos merece ganhar atenção por não discutir a conseqüência e sim a causa e bater de frente com tabus – provavelmente por motivos comerciais – do cinema nacional, mesmo sem inovações maiores em comparação a outros filmes do diretor.

Os Inquilinos (Idem, Brasil, 2009) de Sérgio Bianchi

ALMAS À VENDA


Quem nunca sentiu indisposição apenas por ter o peso de sua alma? Ou uma fadiga espiritual? Aliado a estafa física e psico, Paul Giamatti resolve entregar os pontos para a ciência em Eu, Ela e Minha Alma, filme que carrega o argumento perfeito para um denso drama, mas Sophie Bartes faz o caminho oposto e insere doses de humor despretensioso no texto e consegue uma boa equivalência de gêneros, mas tem sérios problemas para manter esta continuidade por todo filme.

O filme é uma sucessão de grandes erros e acertos. Ele questiona como apenas "levamos" a vida e  como a tratamos com tamanho desdém. Giamatti (vivendo ele mesmo...argh!) se livra de sua alma para dar continuidade em uma peça de Tchekov, algo que a dita cuja o impedira anteriormente. Com efeito fantasioso, nada melhor que rir do cotidiano do ator para novamente manter uma média com a realidade. O humor usado por Bartes é tão inocente que as vezes, o riso é de pena.

Se sentindo vazio, a saída é se apossar de uma alma alheia. Sobra para uma poeta russa. O desenrolar de Eu, Ela e Minha Alma é linear, sem desembaralhar a construção, algo que o similar -  intensamente lembrado durante o filme - Charlie Kaufman faria em algum momento oportuno para não deixar o filme cair no tédio. Bartes ainda tem problemas para domar a narrativa e como pontuar os momentos certos para posicionar as viradas do roteiro. Outro ponto ausente é a ação interna de Giamatti, que com tantos problemas para trocar de alma, não tem os mesmos estudados à fundo.

Neste processo de criticar a contemporaneidade entre uma piadinha e outra peca pela originalidade. Giamatti está bem, se esforça, mas o resto do elenco não parece em sintonia com o protagonista. Vale pela tentativa de Bartes, mas escorrega em erros bobos.

 
Almas à Venda (Cold Souls, EUA, 2008) de Sophie Bartes

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