FAUSTO


Na quarta e última parte da tetralogia do poder, Aleksandr Sokurov adapta a obra homônima de Goethe originalmente dividida em suas partes (complexidade e romance). Sokurov traça a equivalência entre os dois extremos com liberdade; seu exercício é metafísico pautado no conflito existencial de um homem focado na ciência sob a força espiritual que rege uma paixão.

Analogias ao percurso de uma vida cristã são sinalizadas sem pudor. O Deus de Sokurov não possui esplendor. Da falsa idéia do total conhecimento à experiência com o divino, Fausto se transforma em Mefisto e o Salvador em enfermo – analogia em torno da idéia social: política e povo. Coeso e em tom monocórdico, Fausto trata silenciosamente e de forma barroca (narrativa e estética) seus personagens – até o mais vívido possui palidez suficiente para nos questionarmos sobre até onde existe vida (e morte) na poesia.

Referente à forma estática de uma pintura, o filme é incômodo pela metodologia e não pelo impacto do conflito que domina o protagonista; discutir o que transforma vísceras em peso morto – bem sinalizado na sequência inicial – não parece suficiente para distanciar as idéias de Sokurov da dormência indelével que o retrato de um mundo desalmado e frio traz ao espectador.

★★★
Fausto (Faust, Rússia, 2011) de Aleksandr Sokurov

PARA ROMA COM AMOR


Em Para Roma com Amor, Woody Allen chega ao ápice de seu egocentrismo. Ofuscar a coluna da neura – seu alterego – não simboliza uma mudança completa de ótica como Match Point – Ponto Final e O Sonho de Cassandra indicaram por fugir das comédias e dos dramas fortemente influenciados por Ingmar Bergman.  Dividindo seu filme em núcleos e montagem cansativa, Allen aproveita para revisitar sua obra sem criatividade alguma.

Referências claras a filmes como Sonho de Um Sedutor, Poderosa Afrodite, Celebridades, O Escorpião de Jade e Igual a Tudo na Vida são moldadas em histórias em que Roma não é um personagem e tampouco é lembrada, sendo usada em poucos momentos como cartão postal óbvio e sem criatividade. O núcleo de Roberto Benigni, onde seu personagem Leopoldo é aspirante à subcelebridade sem motivo aparente é o mais condensado em críticas e humor próximos ao ineditismo.

No mais, Para Roma com Amor é Allen requentado, sem uma justificativa que valha acompanhar seus enredos abraçados pela autoindulgência e falta de inspiração. O conceito bem sucedido deu ao diretor a zona de conforto e agora exige margens para renovação de sua filmografia, algo ensaiado com os já citados MatchPoint, Sonho de Cassandra e o criativo Meia Noite em Paris.

 ★★
Para Roma Com Amor (To Rome With Love, EUA/Itália/Espanha, 2012) de Woody Allen

FEBRE DO RATO


Recife, antro de manifestações e coletivos artísticos. Com este ponto de partida, Cláudio Assis constrói em Febre do Rato, de maneira irregular e em forma metafórica o conflito que precede a queda ou a venda de um artista para o sistema.

Febre do Rato é uma obra poderosa justamente quando exerce a funcionalidade de suas imagens, ou seja, uma função de “fora para dentro”, onde a narrativa é a peça chave e sem analogias. Esta idéia se mantém em totalidade no prólogo, onde Poeta Zizo (Irandhir Santos em mais uma atuação expressiva) é autêntico, marginal, anárquico e como todo artista, conflituoso e contraditório.

Quando o sistema o engole – representado por Eneida (Nanda Costa), o filme de Assis emperra. A verborragia poética continua, mas sem um ponto específico a atingir, há não ser reforçar a identidade pernambucana: otimismo, amizade, humor, caos, boemia e arte.  Eneida é a antítese de Zizo, o suficiente para a sugestão que o desconhecido é um labirinto extremamente atraente.

Se por um tempo vemos Zizo depoente a favor da cultura de bordas e vivenciando-a com fervor tão comovente quanto dos cristãos que tanto critica, a aparição de Eneida é o boicote completo de um homem sugado pela vaidade; sempre é o centro das atenções, não aceita baixas ou recusas, enfim, um homem contagiado pela sua criação – tema/ponto comum do cinema contemporâneo.

Nesta média, Febre do Rato, mesmo com a funcionalidade, esbarra no exagero ao representar o conflito entre vocação e profissão, ser e existir, matéria e conceito. Ficam os argumentos, e por mais que sejam vistos, vão-se os traços humanos.

★★★
Febre do Rato (Idem, Brasil, 2012) de Cláudio Assis

KAREN


Um filme cru. Pela percepção, poderíamos adotar este adjetivo para uma obra sem envernizamento ou cuidado estético, mas Karen não parte deste princípio. A idéia do diretor Gabriel Rojas Vera é de ir ao âmago de sua história e continuar nela até o fim, ou seja, manter seu filme no ápice por toda duração.

Acompanhamos o suposto declínio na vida de Karen após o fim de um relacionamento. Fadada à dolorosa reflexão sobre um futuro incerto, temos a apresentação de personagens sem a cartilha tradicional – teremos informações sobre os personagens até o último ato. Do inferno ao céu (e vice-versa), Rojas é feliz em suas representações mesmo dispensando a poesia em seu desenvolvimento narrativo. Sua intenção é bem clara: desmistificar e entronizar uma geração, a última domada por valores machistas.

Dinâmico, o filme raramente cria barrigas; com apoio de um ótimo elenco e justificativas que amplificam o lado humano e o distanciam de gêneros, Karen Chora no Ônibus tem funcionalidade literária. Escapismo e  a noção de ciclo completo, para, enfim, dar a opção de reflexão ao público.

★★★
Karen (Karen Llora en un Bus, Colômbia, 2011) de Gabriel Rojas Vera

UM TIRA ACIMA DA LEI


Longe do exercício que reunia experimentalismos à narrativa composta de aspectos melodramáticos em O Mensageiro, Oren Moverman compôs Um Tira Acima da Lei sem excelência. Em vantagem, repete-se a parceria com Woody Harrelson, ator que dilui qualquer problema rítmico com atuações arrasadoras e desta vez a história se repete.

Moverman é preguiçoso. Transforma uma sugestão em certeza e satura sequências com movimentos de câmera repetitivos que espelham a mesmice do tema – a corrupção policial e a relação com o racismo nas ruas da Califórnia.

David Douglas Brown (Harrelson) está numa montanha russa emocional onde se sabotar parece a única saída: família, amigos, amantes. Todos se tornam um vulto negro, um pesadelo constante. Entre um cigarro e outro, a pose de bad cop vai de encontro com a lei, com normas da sociedade e as responsabilidades de um pai de família. O conflito é entregue no primeiro encontro de Brown e sua família nada convencional.

Moverman busca incessantemente por cenas marcantes, principalmente nos encontros de Brown e suas filhas e com um general jogado às traças vivido pelo sempre excelente Ben Foster.

Latinos e negros são o objeto de estudo sem o desgrude da cartilha Hollywoodiana – enquanto Brown aparentemente é encurralado pela lei, destino, moral (como você achar melhor adjetivar), a câmera nunca deixou de o captar em contra-plongée. Ou seja, Um Tira Acima da Lei assinala o assunto, mas nunca largou as amarras do conforto e muito menos se virar contra quem se rebela.

★★
Um Tira Acima da Lei (Rampart, EUA, 2011) de Oren Moverman

O ABRIGO


Sintomático em relação à epidemia oriunda do sufoco que contemporaneidade oferta à sociedade, O Abrigo divide a imagem de Curtis (Michael Shannon) na posição de antagonista e protagonista de acordo com a ótica escolhida pelo próprio espectador. E daí surge a peça instigante do filme, só ela se sobressai dentro da narrativa horizontal (relacionado ao tempo) de Jeff Nichols.

Síndrome de pânico ou princípio de esquizofrenia traçam o diagnóstico de um homem assombrado por pesadelos enquanto o diretor figura com fidelidade e modismo analogias ao tempo onde o terror é rei pela iminência do fim dos tempos. Definí-lo como vilão por justamente ser vítima da autosabotagem criada pelo medo ou protagonista também vítima de maldição hereditária preso ao labirinto de sua doença sinalizam bons ganchos dramáticos.

O roteiro escrito por Nichols transparece a construção de sequências com destino traçado mais à frente. Tal ação destrói a idéia de fluidez do tempo e que vai de encontro à previsibilidade como os conflitos entre Curtis e sua fiel esposa Samantha amplificado ao drama da filha Hannah e espelham, nos dois caminhos, a busca pela sensação de proteção.  Esta, que é tão clara à primeira vista, se torna um monstro complexo refém de sintomas negativos não só das grandes cidades, segundo o diretor.

 ★★★
O Abrigo (Take Shelter, EUA, 2011) de Jeff Nichols

SOMBRAS DA NOITE



Pelo choque de culturas e a comum estranheza nos filmes de Tim Burton vive a percepção maior de Sombras da Noite. O espectro pop/gótico na composição autoral de fábulas continua intacto e renderá matéria-prima ao imaginário adolescente, foco principal do cinema de Burton. E, ainda que vivencie com a mesmice (ou falta de inspiração) desde Peixe Grande, de 2004, o diretor esboça o resgate de um requinte oriundo dos anos 80: a astúcia.

Diálogos certeiros desencantam o senso rítmico também abandonado em 2004, ainda que em Sombras da Noite os personagens sejam esquecidos aqui e acolá. O foco, como sempre, será Johnny Depp, que desta vez vive Barnabas, homem transformado em vampiro que encontra o mundo totalmente transformado após 200 anos de cativeiro. Longe dos cacoetes adquiridos com caricaturas ambulantes como Jack Sparrow ou O Chapeleiro Maluco, Depp conta com um núcleo inspirado, mesmo com a dispensa inconsciente de Burton.

Com humor remetente ao clássico de 1988 Beetlejuice por mérito do próprio diretor em ousar em suas mediações com o absurdo principalmente na relação de Barnabas com seu (novo) tempo, Sombras da Noite surpreende positivamente.  Não vemos uma reconciliação completa de Burton com sua boa forma – ainda que pela repetição estética ele amplifique a ótica e cobrança de seu desenvolvimento narrativo assumidamente Griffithiano -, porém, vemos um sopro com o diálogo focado ao terno unido ao tradicional universo freak.

 ★★★
Sombras da Noite (Dark Shadows, EUA, 2012) de Tim Burton

ANISTIA


Por Anistia ouvem-se respirações ofegantes em todos os cantos; angústia, pressa e relações sexuais. O filme de Bujar Alimani luta para tornar palpável o espectro da não-presença na vida de Spetim e Elsa, que tem sua mulher e marido encarcerados, respectivamente.

O panorama político da Albânia persegue a narrativa apesar do esforço de Alimani para situar Anistia no antro da existência, longe de conseqüências de atos oriundos de um país em crise constante. O encontro é comum e sua a consumação é apenas questão de tempo – no meio desse turbilhão de desemprego, solidão e brigas familiares estão os filhos e o sogro de Elsa, dependentes dela de formas distintas – enquanto a ausência toma forma de um recomeço em vias dicotômicas. Spetim e Elsa miram o mesmo horizonte sobre a mesma pressão de relações fadadas ao fracasso.

O esforço de Alimani é claro: raras são as sequências que repetem o mesmo enquadramento ou movimento de câmera em seguida. A preferência pela expressão corporal aos diálogos é acertada, porém, seu tema é forçadamente levado à automática abordagem política, panfletária. Um tiro no pé tão grande quanto a sequência final do filme.

★★
Anistia (Amnistia, Albânia/Grécia/França, 2011) de Bujar Alimani

CLIP


Pelo nome, Clip define a geração que deseja analisar: dos jovens que convivem com a mutação do tempo e sua velocidade, de relações rasas e de completa exposição. Dirigido por Maja Milos, o filme registra a incoerência atual de tratar a adolescência como tempo de afirmação. A câmera de Milos acompanha a rotina de Jasna (Isidora Simijonovic em total entrega), completamente desfocada dos estudos e de sua família, ela coloca nas festas e no sexo suas frustrações.

Pelo celular, Jasna exibe-se para a câmera e regojiza o seu ego. Se for preciso, mostrará os seus vídeos para conseguir uma noite de sexo e drogas. Ignora o poço que construíra ao abandonar a mãe cuidando do pai doente enquanto Milos coloca o moralismo como peça chave na comunicação com seu público. A diretora comanda cenas desconcertantes onde Jasna é o pavio necessário para jogar o incomodo familiar às favas. Pelo dispositivo móvel, cenas explícitas de sexo espelham a ousadia da garota que representa uma escola – ou uma geração prestes a se perder.

Toda rispidez do filme de Milos esbarra em excessos; seja pelos buracos que o roteiro luta em manter – seja na relação de sua protagonista com a família ou situações não justificadas para ilustrar seu âmago – e pela redundância imagética em dividir os conflitos de Jasna em núcleos definidos pelos dispositivos usados. Apesar da linguagem, Clip alerta para o comportamento e o tempo, afinal, a juventude sempre foi época de formação e descobertas.


★★★★
Clip (Klip, Sérvia, 2012) de Maja Milos

POLICEMAN

 O pedido claro de Nadav Lapid em Policeman é que o espectador não se atenha à análise da moral ao redor de Israel e de seus personagens. Trata-se de um filme que coloca a simplicidade na representação de uma guerra invisível e rendeu ao diretor o prêmio especial do júri no Festival de Locarno.

Prosa e poesia são referências ao dia-a-dia de policiais judeus, com julgamentos e moralismos à parte, são alvos da corrupção. O que vale é o bem estar da família, o pão na mesa, as contas pagas e lutar contra o que chamam de “inimigo árabe” que nunca encontram. Lapid corta para um grupo que deseja a subversão de valores e posições no país. Porém, a motivação maior deste grupo, mesmo que não seja nítido para eles, é envernizar esta ação. Tudo é romanceado, poético.

A contagem regressiva para o encontro de ideais é comandando com louvor por Lapid. Discursos de um lado, suor do outro. A incoerência de ambos os lados vêm à tona. Contaminam-se.  Angústia para todos.

★★★
Policeman (Ha-Shoter, Israel, 2011) Direção: Nadav Lapid

SOZINHA


Traumas, fantasmas, você versus você; Mark Jackson costura Sozinha com enigmas pelo espaço ausente da ação, ou seja, o que acontece longe das câmeras. Joslyn (Joslyn Jensen) é assombrada pela figura de um senhor em estado vegetativo no qual toma conta numa casa afastada da cidade, sem sinal de telefone e com conexão à internet lentíssima.

Com figuras misteriosas que alinham o cotidiano como a caixa de um restaurante e um marceneiro, Joslyn faz da ausência como mecanismo de autoboicote. Pelo celular resgata a separação de forma trágica. A solidão, que outrora era válvula de escape, molda a figura de um monstro. Joslyn ou o senhor em sua cadeira de rodas?

Enquanto Jackson anula o sobrenatural, gradualmente aumenta a relação de sua protagonista com a insanidade. O estudo sobre a linha que divide o descaso com seu trabalho (sã) e os casos limitados à geografia da casa (extremo oposto) dão ao filme a atmosfera necessária para sustentar a narrativa que dispensa elementos como trilha e variações de planos de câmera.

Without é um exercício interessante de linguagem e representação dos sintomas que dominam uma mente disposta à destruição. Ainda que o filme adormeça em seu prólogo e epílogo, Jackson transpôs os momentos cruciais do longa para os momentos onde Joslyn é um espectro aberto ao julgamento dos espectadores.

★★★
Sozinha (Without, EUA, 2011) de Mark Jackson

NO LUGAR ERRADO


Diferente de seus trabalhos anteriores, o terceiro filme dos irmãos Pretti e primos Parente se sai como um drama psicológico de camadas finas. A grande diferença de No Lugar Errado para o ótimo Os Monstros e o excelente Estrada para Ythaca, é o registro e a dinâmica cênica. Se neste novo filme permanece a amizade como pilar de sustentação das relações de seus personagens, desta vez há uma série de complicadores que enriquecem o substrato afetivo. Sai de cena o confortável quase-lírico apaziguamento da amizade, entra a crise iminente.

Das mudanças, a mais drástica diz respeito ao espaço cênico. Com a virtude da experimentação, os diretores se uniram ao diretor teatral Rodrigo Fischcer e filmaram a partir de sua peça Eutro. Toda a ação se dá em um palco, um espaço cênico definido e restrito. Com minimalismo cenográfico, o espaço é um apartamento no qual um casal recebe outro casal para uma celebração.

Com a noite adentrando densa, a rarefeita bruma etílica vai abrindo caminho para algo mais do que a simples alegria inicial. Gestos e diálogos insinuam sentimentos impróprios, mágoas retesadas no tempo, tensões eróticas que afloram do proibido. Entre explosões insensatas, os personagens se revelam intimamente no oblíquo de suas ganas particulares; misturam frustrações, ressentimentos e angustias com o prazer da amizade e da lealdade posta a prova todo o tempo. Nunca são claros e óbvios e vão do afago à violência e de volta ao afago a cada nova fissura emotiva exposta pelo silêncio ou pelo grito.

O rigor formal dos planos, marcado pela fotografia em preto e branco, age como um aprisionamento dos quatro personagens. São prisioneiros do plano, do quadro e daquela noite em que revelam e escondem ao mesmo tempo tantas camadas de suas necessidades humanas, carnais e sentimentais não atendidas.

O claro propósito experimental de No Lugar Errado propõe o risco de errar e pode até duvidar de sua funcionalidade como cinema. Pois se nos trabalhos anteriores da trupe Pretti e Parente o conceito de "lugar" era ou amplo ou metafísico, aqui se mostra íntimo.

Talvez não funcione a contento como os outros filmes, mas se mostra vivo pela tentativa e pela disposição ao risco. Até mesmo no título da obra em relação a seu espaço cênico pode haver uma ironia que se abre a esse risco de estar filmando ou atuando no lugar errado. Mas aqui importa menos o erro e muito mais a experiência e a busca, já que o lugar certo pode ser tão etéreo quanto uma estrada para Ythaca.



★★★
No Lugar Errado (Idem, Brasil, 2011) de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti


*Colaborou Rogério de Moraes

PROMETHEUS


É difícil achar sinceridade em Prometheus. Como via de duas mãos – técnica e filosofia -, o cinema de Ridley Scott tem se confirmado vítima de amputação nos últimos anos. Seu filme é um minucioso e impressionante espetáculo visual com argumento baseado num emaranhado religioso que aborda existência, fé e claro, o início e o fim dos tempos, como não poderia deixar de existir numa aventura tipicamente americana. Prometeu foi um titã que defendeu o alinhamento entre humanos e deuses e justifica o nome do filme.

No prólogo de Prometheus há uma cena onde David (Michael Fassbender em ótimo momento) assiste Lawrence da Arábia de David Lean. David, o de Fassbender, é um robô. Simples analogia à visão de Scott ao mercado audivisual. Filmes que iludem e dominam. Não dialogam, não instigam. Um cinema desalmado, robótico.

A aventura está no terreno habitual – visual impactante, som nas alturas e de harmonia com a decupagem, maquiagem impressionante. Tudo é visual. Fina ironia, pois a questão cerne que alimenta a narrativa é de profundidade gigantesca e sem veredicto do assunto, afinal, criador versus criatura é algo delicado demais para se apontar, ainda mais aos moldes de um filme como este, dedicado à venda de ingressos.

Dirigidos por Scott, Blade Runner e Alien – O Oitavo Passageiro pulsam como referências neste mar de possibilidades que a história da humanidade oferece ao diretor. O lado mecânico se exalta, dispensando abordagens extra-tela, tornando o filme um blockbuster morno. Algo que seu irmão Tony faz há muitos anos.

★★
Prometheus (Idem, EUA, 2012) de Ridley Scott

II FESTIVAL LUME DE CINEMA


Começa nesta quinta-feira (14) a segunda edição do Festival Lume de Cinema. A Lume Filmes é a materialização da luta pelo cinema autoral num país de terceiro mundo. Responsável pelo lançamento em DVD por pérolas como Naked de Mike Leigh, Felicidade de Todd Solondz e Pusher de Nicolas Winding Refn, a distribuidora recentemente deu início na distribuição de filmes para os cinemas. Títulos como Mãe e Filha de Petrus Cariry e Lola de Brillante Mendoza ainda estão em cartaz no Brasil.

Na segunda edição do festival, a Lume trouxe nomes de peso como Clip de Maja Milos, vencedor do Tiger Award no festival de Rotterdam deste ano, Anistía de Buyer Alimani, vencedor do prêmio de Novo Diretor no CPH PIX e Policeman de Nadav Lapid, prêmio especial do júri no festival de Locarno.
O Cinemaorama estará presente para trazer comentários sobre os filmes e você pode acompanhar tudo através deste link. Deixe seu comentário!

HU

 
A ótica de HU é muito maior que o estudo do descaso do enorme espaço pertencente ao hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Construído em vinte e oito anos a partir das idéias apoteóticas de Getúlio Vargas, boa parte do local nunca teve funcionalidade total.

Pedro Urano e Joana Traub Csekö espelham metaforicamente o abandono da metade funcional do hospital ao território nacional – carente de educação e saúde para seu desenvolvimento completo. Lembrando o espectador sempre do espaço vazio ao dividir a tela em duas, os diretores aproximam a sujeira, pragas e doenças ao terreno onde supostamente serve à saúde com a intenção de ir ao cerne do problema (a ótica política, é claro).

Poético e em certos momentos didático (mesmo que funcione como uma forma moderna de ironizar o sistema de filmes institucionais), HU foge do convencional sensacionalismo que o assunto abraça naturalmente. Não há espaço para lamentações e denúncias no campo de Urano e Csekö – a sugestão é que ela exista na relação receptiva do espectador. Este é o ponto alto de HU, que se limita ao tom de documento biográfico legítimo e se desprende do emblemático caminho jornalístico que o tema exige.

★★★
HU (Idem, Brasil, 2011) de Pedro Urano e Joana Traub Csekö

WEEKEND


Fugir de estereótipos e se suportar graças aos diálogos é o gracejo de Fim de Semana. Imerso em questionamentos, os personagens representam o diretor Andrew Haigh para perguntar o motivo do adestramento narrativo em histórias de amor.

O ativismo do diretor continua apoiado nas questões existenciais que Russel e Glen abordam enquanto passam, entre sexo e uso de drogas, intensamente por dias de paixão e esclarecimento. Sempre implícitas, vindo da imagem para o diálogo, as questões são, a priori, estritamente gays, mas que ao passar do filme tornam-se universais e muito dolorosas.

Os dilemas de Russel e Glen são diferentes e extremos, mas de certa forma os colocam na mesma posição. Não se trata do encaixe de Yin Yang ou algo do tipo. Para Haigh, isto é uma grande besteira. Seus personagens são muito mais complexos que conflitos que se resolvem para a vida seguir bela e agradável. Eles discutem, choram, levantam para ir ao banheiro, choram novamente, discutem mais, pensam mais do que deviam e se auto sabotam. Como todos nós.

★★★★
Weekend (Idem, Reino Unido, 2011) de Andrew Haigh

DEUS DA CARNIFICINA


Adaptação da peça homônima vencedora do Tony Award, Deus da Carnificina faz dura análise do comportamento do homem contemporâneo. Não há posição crítica feita por Yasmina Reza e Roman Polanski, diretores da peça e do filme, respectivamente. Existe a narrativa em efeito cachoeira com tópicos de discussão.

Da briga entre os filhos de Penelope (Jodie Foster) e Michael (John C. Reily) com Nancy (Kate Winslet) e Alan (Christoph Waltz), nasce o argumento. Sem desfigurar o modelo teatral, Polanski pouco movimenta sua câmera – aposta principalmente em planos abertos e no plano e contra-plano, colocando seus personagens em posições sugestivas em relação ao outro. Assim, vemos a subversão da idéia de infantilidade e a crescente angústia que ela pode levar a pessoas consideradas adultas à consideração de uma suposta razão.

Por sua complexa intensidade e verborragia, Deus da Carnificina perde em ritmo. No mesmo patamar de importância e complexidade, os personagens não assumem identidades configuradas pelo cinema – mocinho, vilão, etc. A culpa vêm e vai. Auto-indulgência segue o mesmo caminho traduzido em matéria por livros, celulares, bebidas e acessórios femininos. Embate direto com o que é palatável, onde Nancy é a representação máxima do mal estar causado por uma discussão sem rumo.

Trata-se de um raio X irônico de um tempo de banalizações. Saturar a experiência para, enfim, criar o espelho com seu público ou para quem vestir a carapuça. Um filme difícil disfarçado pela acessibilidade dos diálogos. Ou, um pequeno grande filme.

★★★★
Deus da Carnificina (Carnage, França/Alemanha/Polônia/Espanha, 2011) de Roman Polanski

KABOOM


Depois do fraquíssimo Smiley Face, Gregg Araki volta à  velha escola (ou conceito, como preferir) em Kaboom, nova aposta do diretor na comédia: cores vibrantes, surrealismo, total desapego aos valores familiares e escracho com doutrinas religiosas compõem este filme-absurdo.

Kaboom tem o molde de uma comédia teenager. Coloca a sexualidade como contraponto de uma espécie de thriller surrealista, onde os amigos Smith e Stella são testemunhas de eventos sobrenaturais que podem ser confundidos com efeitos lisérgicos que todo adolescente conhece(u), passeando confortavelmente na tênue linha entre o besteirol e a genialidade.

Aos poucos Araki entrega as intenções reais do roteiro com um desfecho hilário. Conforme o fim do filme se aproxima, mais absurda a situação fica. O deboche é a motivação do diretor que sabe estruturar muito bem as diversas possibilidades da trama. Araki alia a ótima trilha sonora, a narrativa dinâmica, o deleite aos olhos pela belíssima fotografia e diálogos afiados. Quem dera todas as comédias adolescentes fossem assim.

★★★★★
Kaboom (Idem, EUA/França, 2010) de Gregg Araki

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