OS MELHORES FILMES DE 2009

O ano está acabando e com isso, as listas dos melhores do ano aparecem em todos os blogs, sites e revistas. E por aqui não será diferente. O critério usado para criar as listas dos piores e melhores deste ano foi: Ser exibido em circuito, festival ou lançado diretamente em DVD no ano de 2009 no Brasil, mas com data de produção entre 2008 e 2009. Sendo assim, ótimos filmes como Desejo e Perigo, Glória Ao Cineasta e Kurt Cobain – Retrato de Uma Ausência ficaram de fora. A mesmice talvez tenha sido a grande vilã do ano, tornando motivo de alguns filmes aparecerem na lista dos piores. Neste caso, é importante lembrar que não vi 2012 e Transformers – A Vingança dos Derrotados, filmes massacrados pela crítica. Já a simplicidade e a inversão de métodos construtivos ajudaram alguns filmes a figurarem na lista dos melhores do ano. Com vocês, os melhores e o piores de 2009!

PIORES DE 2009

10. A ERA DO GELO 3 (Ice Age, EUA, 2009) de Carlos Saldanha

Na tentativa de construir uma trama que agrade à pais e filhos exaltando os valores familiares em uma aventura que tem como grande novidade a reestruturação de seus personagens, o filme não é bem sucedido em sua proposta justamente por manter ilesas saídas previsíveis e cacoetes do gênero. Exibido em circuito.

09. BRUNO (Idem, EUA, 2009) de Larry Charles

Seguindo o mesmo molde usado no fenômeno Borat, Larry Charles e Sacha Baron Cohen prezam pela polêmica, pelo deboche e o inevitável choque de quem está por perto do fashionista. Porém, todas as questões comportamentais e políticas que o filme atentaria em discutir por um viés comum é esquecido. Se piada repetida não cola, o que dizer de uma que é repetida e mal contada? Exibido em circuito.

08. ESCÓRIA (Schoft, Holanda, 2009) de Heinrich Dahms

Ao retratar sentimentos extremos vividos pela juventude holandesa em Escória, o diretor Heinrich Dahms nada mais faz que entre a sobriedade e o caos, estender o seu primeiro ato de maneira rasa até o inevitável e morno conflito final, deixando de lado o debate calçado na xenofobia e no prazer instantâneo para buscar a desdramatização e a aproximação com a realidade. Mesmo com bom potencial técnico, a necessidade de um bom texto pulsa por toda sua duração. Exibido na Mostra de Cinema Indie.

07. A FRONTEIRA DA ALVORADA (La Frontière de L’aube, França, 2008) de Phillippe Garrel

O fascínio pela imagem, o sobrenatural e um romance preso ao melodrama compõem os guias narrativos do filme de Philippe Garrel que no fim das contas é uma obra demasiadamente arrastada. Sua imposição abstrata dá a noção de um trabalho irregular em relação ao seu ritmo e exposição de seus personagens. Exibido em circuito.

06. VALSA COM BASHIR (Vals Im Bashir, Israel/Alemanha, 2008) de Ari Folman

Redundante para narrar a história e compartilhar informações. Oscilante em sua linguagem e com isso, o impacto de sua caótica beleza é perdido como conseqüência. No meio dessa irregularidade, temos um belo momento: A Valsa. Pena que o filme não carrega a força poética que ela tem. Exibido em circuito.

05. EMBARQUE IMEDIATO (Idem, Brasil, 2009) de Allan Fiterman

Se a realização de sonhos longe do país de origem poderia levar ao filme aberturas para discutir temas importantes, o que Allan Fiterman faz é um caminho óbvio, num ritmo novelesco e sem sal. No meio de tantas irregularidades e saturações de gênero, não há muita coisa que podemos destacar. Seus personagens não são construídos com clareza, existem diversas cenas avulsas, forçadas e incoerentes, que só mesmo um público absurdamente passivo aceitaria embarcar imediatamente em sua viagem. Ela não leva a nenhum algum relevante. Exibido em circuito.

04. X-MEN ORIGENS: WOLVERINE (X-Men Origins: Wolverine, EUA, 2009) de Gavin Hood

Wolverine é o maior cara-de-pau das histórias em quadrinhos. Beberrão, briguento e sempre de péssimo humor. E tudo isso passa em branco no longa de Gavin Hood, que nada mais é que um filme de herói sem criatividade com todas suas dobraduras calculadas para cativar – e subestimar - todo tipo de público e conseqüentemente vangloriar altos números nas bilheterias. Exibido em circuito.

03.POLYTECHNIQUE (Idem, Canadá, 2009) de Denis Villeneuve

Entre os bucólicos takes de uma fria Montreal e o brutal acerto de contas de um jovem rancoroso, o que Denis Villeneuve nos oferece de melhor em Polytechnique é mostrar uma compaixão contrária a toda arbitrariedade do protagonista, que é dominante na narrativa. Infelizmente, o seu resultado é irregular. Talvez pela escolha da ação pelo aspecto físico e não pelo psicológico ou simplesmente por não aproximar os personagens de forma coesa com a platéia. Exibido no Festival do Rio 2009.

02. MESA DE BAR – ONDE TUDO ACONTECE  (Idem, Brasil, 2009) de João Uchoa

Vendido como um filme sem diretor, sem roteiro e sem atores, Mesa de Bar nada mais é que um exercício de paciência para o espectador. Indo totalmente contra a célebre frase de Glauber Rocha, João Uchoa só tem apenas a câmera na mão, pois a idéia de se fazer cinema é inexistente. Fora isso, as seis esquetes que tentam abordar diversos temas do cotidiano com humor deixariam Carlos Alberto de Nóbrega orgulhoso de seu trabalho. Exibido em circuito.

01. OS NORMAIS 2 - A NOITE MAIS MALUCA DE TODAS (Idem, Brasil, 2009) de José Alvarenga Jr.

Se faltam idéias para um roteiro e um elenco que eleve a qualidade do filme que anda sobre a tênue linha entre sucesso e o fracasso imposto pela palavra “seqüência”, seria a espera a melhor saída? Pois a nova investida para o casal Rui e Vani nas telonas não acerta em absolutamente nada. Tudo parece gratuito e principalmente desesperado demais.Exibido em circuito.

Menções desonrosas: A desastrosa tentativa de Phil Claydon em unir (ou copiar?) Edgar Wright e Judd Apatow em Matadores de Vampiras Lésbicas; Por não saber unir um filme biográfico às cenas de ação, Besouro é um filme sobre nada; O dormente e nada reflexivo O Leitor; O presunçoso método de montagem dos dilemas de Bella Swan em Lua Nova; O pobre romance e a fascinação pela rebeldia sem maiores reflexões de O Grupo Baader Meinhof.

MELHORES DE 2009

10. ABRAÇOS PARTIDOS (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009) de Pedro Almodóvar

Almodóvar cria um drama envolvido pela atmosfera do suspense, deixando (não totalmente) sua veia folclórica de lado. Abraços Partidos é uma história de superação e perdão, mas antes de tudo, um filme sobre filmes. Sobre mergulhar em um novo mundo. Uma declaração de amor ao cinema, incrustada em gêneros funcionais e apaixonantes. Exibido em circuito.

09. O FANTÁSTICO SR. RAPOSO (The Fantastic Mr. Fox, EUA/Inglaterra, 2009) de Wes Anderson

Retendo o que há de melhor na sistemática de seus trabalhos, Wes Anderson migra para a animação e cria um óde a simplicidade e a adversidade ao conformismo. Passando longe da estética das animações contemporâneas, o diretor preza pela mensagem em primeiro lugar e com cuidado, desenha âmago de seus personagens com ótimo humor. Exibido em circuito.

08. ADRENALINA 2 (Crank 2, EUA, 2009) de Mark Neveldine e Brian Taylor

Se exagero era a palavra de ordem de Adrenalina, a seqüência que aparentemente não teria uma explicação plausível para existir, vira  um grande motivo para aparecer na lista dos melhores filmes do ano. Violência, humor negro, o absurdo e a falta de pudor vêm em dobro no formato de um vídeo clipe de 90 minutos, acompanhada da trilha do não menos insano Mike Patton. E quando você acha que as coisas não poderiam melhorar e passar dos limites, Mark Neveldine e Brian Taylor ousam e mandam narrativas e regras do cinema às favas. Lançado diretamente em DVD.

07. DISTANTE NÓS VAMOS (Away We Go, EUA/Inglaterra, 2009) de Sam Mendes

É certo que estamos diante do próximo filme-cult-com-fãs-pentelhos. Mas o longa faz por onde. Ele tem sua base fincada numa forma contemporânea de se construir comédias no chamado “cinema independente americano”. O trampolim de suas piadas é criado a partir de choque de culturas ou pelo conflito entre a suma importância e a displicência de se deparar costumes diferentes. Recheado com trilha sonora folk e aura modernosa, o filme preza pela compaixão e respeito mútuo e ainda acha espaços para fazer pequenas criticas a maneira comodista de se manter um relacionamento. Exibido no Festival do Rio 2009.

06. JCVD (Idem, Bélgica/Luxemburgo/França, 2008) de Mabrouk El Mechri

Um manifesto contra o império hollywoodiano e o culto a imagem. Jean Claude Van Damme também aproveita para fazer de uma forma debochada, críticas à métodos narrativos. Em certo ponto do filme, Van Damme vira para a câmera e mostra seu desdém à Hollywood, mantendo um diálogo direto com o espectador, usando o dispositivo como um instrumento anárquico. Ele relembra sua ascensão e queda, mas sabe muito bem a quem culpar: a indústria cinematográfica. Lançado diretamente em DVD.

05. A ONDA (Die Welle, Alemanha, 2008) de Dennis Gansel

Até onde nós podemos ir por uma falsa idéia de felicidade, igualdade e justiça? Sob um vazio ideal, o senso de coletividade e a decrescente fé na humanidade, A Onda de certa forma aproxima a Alemanha atual da época de Hitler, algo que é reforçado no último ato do longa. Pois a necessidade de um líder em vidas tão precocemente largadas parece ser a melhor solução. Ser domado parece ser uma boa saída para quem, sem sabedoria, já saturou da liberdade. Exibido em circuito.

04. FROST/NIXON (Idem, EUA/Inglaterra/França, 2008) de Ron Howard

Um dos momentos mais marcantes da política americana e adaptação da peça homônima são registrados por um Ron Howard como há muito tempo não se via. Focado em detalhes e estimando seu público por não mastigar a história e sim usar sua câmera como uma testemunha de maneira dinâmica, o longa faz uma ótima equivalência entre conteúdo e uma construção mais acessível, digerível. Exibido em circuito.

03. BASTARDOS INGLÓRIOS (Inglorious Basterds, EUA/Alemanha, 2009) de Quentin Tarantino
Cheio de referências, diálogos matadores, linguagem pop, e violência, Tarantino distorce a segunda guerra mundial de maneira fantástica para homenagear o cinema. Fazendo o oposto da cartilha do gênero, ele cria uma releitura desses filmes, sem esquecer a veia panfletária e muito menos seus maneirismos de cineasta. Exibido em circuito.

 02. ÁGUAS TURVAS (DeUsynlige, Noruega/Suécia/Alemanha, 2008) de Erik Poppe

Um diretor sugere que seu público julgue o protagonista de sua história. Pois quando aparentemente acompanharemos uma história linear de superação e uma conseqüente conquista de empatia - algo que ditadura hollywoodiana nos acostumou a ver -, o diretor Erik Poppe contorna e nos situa dentro de outra esfera: A de ser julgado. Águas Turvas é uma gangorra de sentimentos onde a dor é o seu carro-chefe. Exibido no Festival do Rio 2009.

01. ANTICRISTO (Antichrist, Dinamarca/Alemanha/França/Suécia/Itália/Polônia,2009) de Lars Von Trier

Anticristo é uma obra densa, intensa. O sadismo que vem da personagem de Charlotte Gainsbourg e da certa passividade de seu marido toma proporções maiores quando Lars Von Trier os deixa presos em seus planos fechados e extremamente claustrofóbicos. Mas, para catalisar a dor, existe o prazer da carne. Hora de questionar o comportamento humano, ao mesmo tempo em que a noção bíblica também pode ser motivo de discussão. É impressionante como a tensão é mantida por toda duração do longa, fazendo um caminho inverso do usual, pois os macetes da pós-produção só servem para ironizar a intenção do choque. Imagens fortes existem sim, todas justificadas e que servem para acentuar a insanidade e o sadismo, cercados pela natureza – literalmente falando ou não – e vítimas de uma escolha ocorrida no jardim do Éden, o que fica mais claro no epílogo dicotômico, mas não menos genial. Exibido em circuito.

Menções honrosas: A volta de Sam Raimi ao gênero que o consagrou no assustador Arraste-me Para o Inferno; Os fantasmas do passado e a reflexão sobre a morte no vencedor do Oscar de Melhor filme estrangeiro A Partida; O sonho de fugir do marasmo e da falta de opções em Lake Tahoe; O particular acerto de contas em Gran Torino; A materialização da felicidade em Loki, documentário sobre o músico Arnaldo Baptista.

É isso, amigos. Agradeço a todos que visitam o site, comentam, citam, acompanham pelo Twitter ou divulgam o Cinema O Rama de alguma forma. Se não fosse por vocês, já teria dado um fim nisso aqui. Tirarei uns dias de descanso, mas volto à programação normal em 2010. Não se esqueçam de deixar seus comentários sobre as listas. Um grande abraço e até ano que vem! (:

QUANTO DURA O AMOR?

 

Depois do brutal Contra Todos, Roberto Moreira virou-se para o coração da maior metrópole do país para mostrar que até mesmo na caótica rotina de São Paulo, a essência-guia da vida é o amor, fugindo de clichês e manuais construtivos. O filme foi rodado em Red One (formato digital de alta qualidade superior ao HD).
  
Quanto Dura o Amor? é um filme que se constitui na apresentação de conflitos apenas. Ele toma proporções de um primeiro ato prolongado e não se preocupa em construir pontes ou um momento perfeito para o clímax, afinal as vidas acontecem no clímax. Enquanto todos têm suas atividades e deveres buscando a dormência sentimental, âmagos sentem lacunas deixadas ou simplesmente separadas para o amor. Cada personagem toma suas resoluções urgentes, como uma espécie de reflexo natural ou reação.

Moreira se preocupa em retratar para seus personagens à legitimidade, não fazendo deles apenas caricaturas ou adaptações, mas sim levando a eles o cotidiano, fadiga, escapismo, segredos e dependências. Sendo assim, nada mais adequado que acompanharmos o passar dos dias e o desenrolar das vidas desses personagens, certo? Errado. O que Moreira guarda para nós é um encerramento brusco, mostrando que conseqüências são duras e algumas vezes, necessárias.

Mas nem tudo é flor que se cheire em Quanto Dura o Amor? No registro do cotidiano a naturalidade foge das mãos do diretor, deixando a lógica de fora e seus acontecimentos parecem mecânicos demais, principalmente quando o foco está em Justine, personagem da cantora Danni Carlos, que na maioria de suas cenas está em uma casa noturna, claramente prejudicada pela necessidade de justificar elementos cinematográficos. De qualquer forma, as intenções de Moreira são de registrar o cotidiano sem desdramatizar ou adotar estéticas que possam aproximá-las da realidade.

  ★★★
Quanto Dura o Amor?  (Idem, Brasil, 2009) de Roberto Moreira

AVATAR


avatar

Todo tempo levado na produção de Avatar é justificado nos primeiros segundos de exibição. Sim, a dedicação de James Cameron e sua equipe na busca de aspectos para proporcionar ao público uma nova forma de imersão cinematográfica foi bem sucedida, pois trata-se de um filme com visual incrível, desenho de som absurdo e outros aspectos técnicos que ganham atenção em seus devidos momentos. O uso do 3D poderia realmente criar ojeriza em certo ponto da trama, mas a cada seqüência, a noção de profundidade, de textura, cores e proximidade é testada por Cameron. Acredito que sem essa tecnologia, o filme perca boa parte de suas forças.

Se a estética é atraente o bastante para nos manter grudados à tela, o texto dá tropeços homéricos, pois não tem a clareza necessária para se justificar. O longa é guiado pelo padrão do cinema clássico, toma feições de uma interessante ficção científica, depois vira uma esmorecida aventura épica e se limita em revelar suas intenções de maneira bruta na última parte do longa, anulando metáforas e alusões. Sua narrativa é presa a clichês e saídas previsíveis.

Avatar se porta como um filme de aventura. Mesmo que o romance esteja presente de maneira latente, poucos são os momentos que seus personagens respiram tranqüilidade. No meio do ritmo frenético onde provações, planos para dominar o (novo) mundo e animais destruidores dominam a tela, Cameron tem tempo para levantar a importância de cuidarmos de nosso planeta e alertar sobre a desenfreada avalanche digital que inevitavelmente criará a luta do homem contra a máquina, seja por depender dela para viver ou com o lixo eletrônico. O diretor toma o dom da profecia por vias óbvias e tropeça por alertar sob o princípio básico de seu trabalho.

Pandora – o planeta onde os Na´vi vivem- obtém a essência da natureza e sua força bruta, algo que os humanos têm destruído. Mesmo com o futuro pessimista, eles não estão ali por ela e sim pela ganância. E pelas crises e dilemas humanos, James Cameron achou a brecha perfeita para criar uma trama épica, demasiadamente prolongada, mas absurdamente atraente aos olhos.

 
Avatar (Idem, EUA, 2009) de James Cameron

O FANTÁSTICO SR. RAPOSO

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É maravilhoso quando um diretor consegue migrar para outro gênero retendo o que existe de melhor em seus outros trabalhos. Por se tratar de uma animação, O Fantástico Sr. Raposo, dá legalidade para Wes Anderson utilizar seu peculiar – e quase caricato -  método de construção de personagens e unir tudo isso á uma boa trama de humor, mas o que Anderson faz é uma singela história que tem como base a simplicidade e o caminho adverso ao conformismo. O filme é  uma adaptação do livro homônimo de Roald Dahl, o mesmo escritor de A Fantástica Fábrica de Chocolate.

A idéia de fazer parâmetros com os dias e horas das raposas com a dos humanos é apenas só uma forma de mostrar que Anderson quer mesmo é utilizar esses pequenos animais para espelhar situações vividas por nós, como a nossa estagnação perante os grandes problemas. O tempo passa e nós estamos apenas planejando, deixando a prática de lado. Todos os valores familiares são discutidos e por vezes situações são usadas como metáforas, de certa forma voltando a um ponto já discutido por Anderson em alguns de seus filmes.

Assumindo uma postura que foge das animações contemporâneas, o filme não quer mostrar mirabolantes efeitos. Na verdade, nem se preocupa em justificar a falta deles e muito menos procura brechas para inserir piadas para cativar o público adulto, que no fim das contas dá até um charme a mais para a obra. A intenção é que a mescla de aventura e comédia brinde a união e o amor de maneira leve e que acenda o lado mais fantasioso e inocente do espectador.

É importante lembrar que a sistemática de Anderson é a de sempre. A relação com a família dessa vez dá manga apenas para o riso. O que O Fantástico Sr. Raposo carrega é algo que as animações deixaram de lado com o tempo: A vontade de contar uma boa história, preocupada com o âmago de seus personagens e que justamente faz o que grandes estúdios se preocupam tanto – uma história que possa cativar todo tipo de público e que ao menos, deveria render bons números nas bilheterias.

O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic Mr. Fox, EUA/Inglaterra, 2009) de Wes Anderson

ATIVIDADE PARANORMAL

 

Quando o diretor de um filme de terror adota uma câmera de uso caseiro para registrar sua história, sabemos que a intenção - sem falar em fins lucrativos - é se aproximar da realidade. E quando Micah apresenta uma boa aparelhagem de áudio junto à sua nova câmera em Atividade Paranormal, ele justifica o elemento chave do longa. O filme tem sua data de finalização registrada em 2007, mas teve seu final trocado para o lançamento nos cinemas, dois anos depois.

Essa tal estética já não é novidade, vide A Bruxa de Blair, Cloverfield e Rec. Sendo assim, o que sobra para nós é a análise da construção do suspense. O diretor Oren Peli alimenta a tensão com sabedoria e simplicidade, pois compõe o filme num temor antigo dos humanos: barulhos e o escuro. Peli deixa que o pavor seja criado pelo público, dominando a artimanha do tempo. E quando aterroriza seus protagonistas a coisa fica mais assustadora, pois neste momento, o espectador já está totalmente dominado. Ao acompanhar o dia-a-dia de um casal amedontrado por efeitos sobrenaturais, o desespero aumenta gradativamente, sem que eles possam fazer algo. Domados pela  situação, o que eles podem fazer é temer pelo pior.

É exatamente isso que nós esperamos. A partir deste ponto do longa, Peli tenta adiar o pior o máximo que pode com uma montagem metódica e cansativa, dando aval para que surjam motivos para duvidarmos de uma falta de possibilidades de fuga, mas sem tirar um fio de tensão do filme.

A fita que é “gentilmente cedida pela polícia” tem rápida duração, o suficiente para dominar e assustar a todos e também o bastante para agradecermos pelo seu fim, pois se tal idéia se estendesse por muito tempo, Atividade Paranormal seria um martírio e não puro entretenimento.

Atividade Paranormal (Paranormal Activity, EUA, 2007) de Oren Peli

POLÍCIA, ADJETIVO

 

Corneliu Poriumboiu sabe usar uma ferramenta tão potente como o cinema para levantar questões. Em Polícia, Adjetivo, o que o diretor pretende é colocar – de forma nada neutra - em pauta temas como lei, dependência de “corporações” e a necessidade de se controlar o usuário de drogas como um meliante ao invés de um dependente numa narrativa oponente à de uma trama policial.

Mas a construção do longa de Poriumboiu é totalmente subjetiva. Suas intenções são impostas em situações cotidianas e tomam corpo em forma de letra de música ou expressões. Na entediante rotina do policial Cristi atrás de um jovem usuário de maconha, o que vemos é pressão para o caso ser concluído e a urgência de mostrar trabalho feito por seus superiores. Poriumboiu deixa explícito que lei, polícia e meliantes formam um sistema funcional, sempre em planos estáticos, sem emoção, apenas, observadores.

Por outro lado, toda essa escassez de ação ou até mesmo de diálogos na maior parte do tempo, criam uma barreira para o espectador -  o filme intercala entre longas cenas que Cristi inconsolávelmente espera o garoto apresentar alguma brecha que o coloque em flagrante e outras que interferem brutalmente o marasmo criado, dominadas por rápidos diálogos repletos de informações.

Sim, Polícia, Adjetivo é um filme que possui irregularidades em seu ritmo e conseqüentemente borra as intenções proferidas em seu texto, porém a discussão levantada por Poriumboiu e sua cena final onde Cristi tem um embate físico com a hipocrisia do sistema representada por um dicionário, já valem o ingresso.

Polícia, Adjetivo (Politist, adj., Romênia, 2009) de Corneliu Porumboiu

ACONTECEU EM WOODSTOCK


A versatilidade de Ang Lee é inegável.  Seja nos Estados Unidos ou em Taiwan, é um diretor de ótimos filmes. E talvez sua mais marcante característica seja que em seus trabalhos, sem exceções, o diretor não subestime seu espectador. Seja traçando o paralelo da morte do “sonho americano” em Tempestade de Gelo ou se afastando da linha que marginaliza a homossexualidade em Brokeback Mountain ou afogando um super-herói em sentimentos em Hulk, Lee estima que seus espectadores criem suas próprias análises sem ganhar conclusões goela abaixo.

Em Aconteceu em Woodstock a história se repete: Lee usa artimanhas do cinemão americano apenas para trazer veracidade à trama.  A aura que cercou o evento é o mais importante para ele, fugindo de personagens que fiquem totalmente presos aos fios narrativos e muito menos romances que começam e terminam junto com o festival. Outra coisa que não deve se esperar na trama é à proporção que o festival tomou para o resto do mundo. A interessante visão de Lee registra o que foi a intensa maratona musical para uma família que vivia em um local pacato e que do dia pra noite recebem um sopro de vida e de liberdade gigantescos.

Interessante também é o lado que dá ao espectador a oportunidade de rotular o filme. Se ele é uma comédia, um drama, musical ou até mesmo um filme sem rótulos, cabe a você. Isso é bem explícito pela forma que o diretor domina a história, que por vezes pode até parecer magra e morna, mas deixa clara a intenção de fugir do que exatamente se espera de um filme sobre o festival mais lisérgico que se tem conhecimento. Essa escolha também amortece o impacto dos conflitos e afasta os personagens do espectador, conseqüentemente afastando o filme junto.

Os bastidores e a dificuldade de transformar o festival em realidade em tão pouco tempo ganham mais atenção que as atrações musicais que são lembradas apenas pelos nomes. Inevitável é falar das drogas ou da tão pregada liberdade, mas Lee é bastante econômico nesses assuntos. A anacronia narrativa totalmente subjetiva que rege Aconteceu em Woodstock rende uma espécie de gangorra de acertos erros, pois se a tendência de Lee é fazer um registro e afastar o espectador de clichês e previsibilidades, ele afasta o mesmo quando não o permite entrar de fato no filme e ser apenas um voyeur.

Aconteceu em Woodstock (Taking Woodstock, EUA, 2009) de Ang Lee

(500) DIAS COM ELA

 

Atualmente o subgênero batizado de “dramédia” - que segue narrativas dinâmicas com pequenas doses de drama - está em total ascensão e dezenas de filmes pipocam nos cinemas com qualidade duvidosa. O que o diretor de clipes Marc Webb faz de seu debut em (500) Dias com Ela é, em partes, subverter as intenções deste gênero, pois o diretor mantém a narrativa de fácil absorção, mas coloca dentro de um enredo romântico uma potência dramática em idéias que transformam o seu filme em uma antítese de como o filme é vendido.

Webb busca o denominador comum entre sentimentos alheios dentro de um texto aparentemente bem pessoal. É interessante ver o lado trágico se sobressaindo ao cômico dentro de um molde mais acessível. O cotidiano de Tom e Summer é fragmentado dentro destes quinhentos dias que dão nome ao filme, mas sem julgá-lo, todo risco e conseqüência vivida pelos protagonistas vêm sempre com a preocupação geral de manter uma equivalência entre o trágico e o ternurente.

É explícita a vontade abrangente de Webb para agradar um leque maior de pessoas quando torna seu texto mais defensivo junto com a ostentação de um estilo de vida que seus personagens adotam, que nada mais é que um espelho de seu público alvo. Mesmo com essa “jogada suja”, o filme tem forças suficientes para mergulhar numa fase crítica da vida de Tom, que é vivido por Joseph Gordon-Levitt com excelência e ao invés de procurar soluções para ele e muito menos fazer que o espectador se sinta aliviado por vê-lo superando obstáculos colocados pelas circunstâncias, Webb foca no o caos sentimental vivido por ele .
(500) Dias com Ela é sobre tempos difíceis e a resposta é que nada como um dia após o outro para superar os problemas, ou para arrumar novos, tudo vai depender de como você vê as coisas. Isso é o que Marc Webb faz questão de deixar bem claro.

(500) Dias com Ela ((500) Days of Summer, EUA, 2009) de Marc Webb

À PROCURA DE ERIC

 

O novo filme de Ken Loach segue duas linhas narrativas para situar o emocional de Eric, um carteiro à beira da aposentadoria, solteiro e que faz papel de pai para dois enteados. A primeira é sua relação com o passado e o trauma do fim de um relacionamento causado por uma espécie de auto-boicote. A outra é o embate com seus enteados que seguem um caminho nada agradável para quem os cria. As mazelas deixadas em Eric são desabrochadas em formas de diálogos com ninguém menos que Eric Cantona, famoso jogador francês que virou herói na Inglaterra por suas jogadas sensacionais no Manchester United. Cantona aparece em momentos de desespero, quando Eric precisa desabafar e quebrar barreiras, necessitando de uma “mãozinha” de seu imaginário para não se sentir ridículo.

Essa brincadeira com o nome do protagonista e do jogador serve para concretizar a dualidade na vida do carteiro, que infelizmente Ken Loach deixa de lado quando foca em uma dessas linhas narrativas. Sempre trabalhando em contrastes na fotografia para reforçar o estado emocional de Eric, Loach acaba desvirtuando sua trama que já fincava seu pé em um drama existencial com boas pitadas de humor – nada insólito, é verdade - para estudar conseqüências que remetem a Sweet Sixteen, outro filme do diretor, quando coloca em cheque a importância da família na construção do caráter de um jovem.

Nessa troca de foco, o ritmo felizmente não é alterado, mas o laço criado entre os dois personagens parece ser esquecido. Outra coisa nítida é a falta de tato do diretor para posicionar esses dois pólos sem que eles se confundam. Talvez uma divisão explícita em capítulos ou uma montagem mais fragmentada alimentaria tal idéia. Felizmente, Cantona volta na melhor seqüência do filme, talvez a única que consiga misturar os dois pólos de uma forma convincente, criando múltiplas emoções na platéia. Esta que mostra Loach seguro e sem se importar com fórmulas e mais interessado em acertar contas de forma áspera e deixa mais claro sobre o que o filme se trata.

 
À Procura de Eric (Looking For Eric, Inglaterra/França/Itália/Bélgica/Espanha, 2009) de Ken Loach

O CAÇADOR

 

Por falta de informações nos minutos iniciais de O Caçador, o debut de Hong-Jin Na na direção de um longa metragem indica que a busca de Eom Joong-Ho, um cafetão por uma garota de programa - que está nas mãos de um assassino serial -  pode tomar qualquer caminho. Mesmo que essa história seja calçada numa trama policial, o que Hong-Jin Na faz é mostrar com naturalidade, sem diálogos ou gestos necessários para mostrar qual é o objetivo de Eom Joong-Ho nesta busca, mesmo colocando sentimentos avessos quando cria uma gangorra no que diz a posição emocional de seus personagens.

Hong-Jin Na estuda claramente o que outros filmes policiais no geral nem gostam de lembrar: Que a lei é burocrática e que o herói também faz coisas ilegais. Joong-Ho tem a tarefa pessoal de achar Mi- Jin Kim, a garota de programa e ao mesmo tempo passar por cima de uma polícia explicitamente despreparada e também por lacunas deixadas pela lei que favorecem Young-min Jee, o assassino serial. As criativas desdramatizações de clichês do gênero como perseguições (os carros são substituídos pelas pernas, por exemplo) e utilizando a linguagem corporal para substituir longos diálogos, mantém um bom ritmo e conseguem fazer uma equivalencia justa do que está por vir no filme, pois Hong-Jin Na se perde justamente quando resolve unir sua trama à poesia em momentos inoportunos.

Essa aposta tira um pouco do ritmo sugerido pela trama, mesmo com uma intenção interessante, ela é deturpada em relação ao resto do texto. Ritmo este que lá pelo fim do filme dá uma arrastada grosseira por se estender demais na resolução dos conflitos de Eom Joong-Ho. Talvez para fugir de uma obviedade de filmes de gênero, tenha sido necessário esticar, mas fica claro que Hong-Jin Na não soube domar lombadas em seu próprio texto.

O Caçador (Chugyeogja, Coréia do Sul, 2008) de Hong-Jin Na

GIALLO - REFÉNS DO MEDO


Ao assistir o novo filme de Dario Argento, Giallo – Reféns do Medo, a sensação é de viver um déjà vu através da tela. O diretor italiano que sempre nos entregou obras intrigantes com uma beleza particular, em seu novo filme parece revive a construção de thrillers de uma maneira mais clássica. Afinal, a palavra “giallo”, em italiano, além de significar amarelo, também remete à livros com capas amareladas que contavam histórias sobre assassinatos, que anos depois também deu nome ao subgênero de filmes policiais, com detetives e assassinos num jogo de gato e rato.

É exatamente isso que vemos no longa. Uma perseguição de um detetive a um serial killer sob uma aura de terror insinuado à todo momento pelo som do filme. Através da montagem e enquadramentos que remetem à Hitchcock, Argento mostra que sabe muito bem o que faz quando une suas características do cinema de horror com os clichês do giallo, que no fim das contas subverte os ideais do suspense que estão incrustados nos dois gêneros quando praticamente impõe a previsibilidade para o espectador.

Dentro deste molde, o diretor acha espaço para questionar a importância da beleza para se conseguir o que deseja atualmente e que talentos e traumas podem ser distorcidos para se fazer o mal, sem exageros dramáticos em sua construção narrativa. Apesar dos acertos, não fica bem claro qual o intuito principal para Argento: Se é a diversão através do sadismo, de subverter gêneros ou simplesmente homenagear um estilo. Cabe ao espectador escolher o caminho que mais lhe agrada.

Giallo - Reféns do Medo (Giallo, EUA/Itália, 2009) de Dario Argento

BASTARDOS INGLÓRIOS

bastardos

Guerra e cinema sempre andaram lado a lado. Foi durante a guerra civil americana que desencadeou uma grande evolução da tecnologia visual, junto com a evolução dos dispositivos de guerra. Elas se desenvolveram juntas e foram usadas nas guerras como balões com câmeras para estudar o território inimigo posteriormente. 

O mestre D.W Griffith fazia planos gerais de campos de batalha em O Nascimento de uma Nação com intuito de propagandear os aliados na guerra. Já na segunda guerra mundial, Adolf Hitler usava o cinema para divulgar suas “boas” intenções através de filmes publicitários. O que Quentin Tarantino faz em Bastardos Inglórios é uma espécie de releitura desses filmes, idealizando uma nova forma para terminar a segunda guerra, sem esquecer a veia panfletária e muitos menos seu lado pop.

Nada mudou. Tarantino continua suas referências (começando pelo nome do longa, “carinhosamente” roubado do filme italiano homônimo de 1978), citações, fetiches, divisão do filme em capítulos, flashbacks, homenagens (em certa cena do filme, fica clara a homenagem à Scarface de Brian De Palma transformando Eli Roth num Al Pacino de segunda), entre outros maneirismos do diretor, a construção de seu novo filme também serve a cartilha que o consagrou, que já na seqüência inicial podemos ver para o que ele veio: Ele desdramatiza toda seqüência que é domada pela tensão com diálogos que fogem totalmente de sua proposta.

O senso rítmico de Tarantino faz Bastardos Inglórios voar como uma das dezenas de balas disparadas no filme. Acompanhamos duas tramas paralelas fincadas na vingança: A do grupo de Aldo Raine (Brad Pitt) e de Shosanna (Mélanie Laurent, brilhante). Se a vingança é outro tema batido pelo cineasta, ele sabe usar de forma coerente e balanceada para que as duas tramas não disputem a empatia do espectador. Tarantino faz a opção de não levar sua trama tão a sério quando exclui cenas de ação para impor seus geniais diálogos, impedido que ela chegue ao seu extremo de forma banal.

Tarantino afirma de uma maneira irônica que o filme é sua obra-prima. Isso só o tempo nos dirá, mas é certo que o filme tem potencial e mérito suficiente para ganhar tal status. O cineasta não perdeu a forma que o tornou um dos maiores diretores do cinema contemporâneo, mesmo tropeçando em pequenos momentos no próprio ego (que ele vem fazendo desde À Prova de Morte), os acertos de Tarantino são tão geniais que suas gafes passam em branco.

Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, EUA/Alemanha, 2009) de Quentin Tarantino

DANÇANDO COM O DIABO

O vencedor do Oscar de melhor documentário por Anne Frank Remembered, Jon Blair coloca a cabeça do espectador como um liquidificador em seu novo filme. Dançando com o diabo foi muito comentado antes mesmo de ser exibido no Festival do Rio por simplesmente não ter uma posição incrustada em suas imagens. Blair mostra, sem intenções sensacionalistas, o dia a dia de chefes do tráfico, policiais e um pastor, que é a única autoridade entre os bandidos e que pode transitar livre e ousadamente pelas comunidades com intuito de salvar vidas já condenadas pelo tráfico e salvar a vida dos traficantes, espiritualmente falando.

Ao se infiltrar no dia a dia do tráfico e apresentar à intimidade de nomes como Tola e Aranha, Blair nos mostra uma nova imagem para um estereótipo criado pelas situações extremas de violência nas grandes metrópoles. Em geral, eles gostariam de se livrar dessa vida. Os policiais, talvez por ordens superiores, gastam o tempo com inutilidades que os “funcionários” do tráfico resolverão em poucos minutos. A tensão dos policiais é imensa e a sensação é de ter a morte caminhando ao seu lado diariamente, como um deles diz em certo momento do filme.

Blair acerta por desconstruir esses personagens através dos dias e nos mostra que atrás de poses, armas, complexidades, contradições e medalhas, existe um sonho de mudança usando um ponto em comum nos três pólos estudados: A fé. O pastor Dione tem a missão de mudar a vida dos traficantes através da palavra de Deus. Foi bem sucedido em algumas obras e conseguiu selar a paz entre algumas comunidades, mas ainda tem o dever de salvar vidas que anteriormente teriam um final trágico, que agora a partir de um acordo com Aranha, chegam à igreja gravemente feridos, mas com uma segunda chance: a de achar um novo caminho para viver. Os policiais, apesar da dedicação e da adrenalina, tem a grande mancha criada pela má índole de alguns companheiros. Fora a obrigação de manter a segurança e a paz em locais perigosos, a luta também é para reverter um quadro criado pela sociedade. 

Os traficantes lembrarm que fazem parte de uma indústria, que cria empregos para pessoas que não tiveram oportunidades e suporte do governo, que segundo eles, também está interessado no dinheiro gerado pela venda de drogas quando investem em armas, carros blindados e deixam pessoas morrendo nos hospitais. Eles, se pudessem, sairiam dessa vida, apesar da estabilidade financeira. O preço da liberdade para eles é alto e o risco de perder a vida a qualquer momento os coloca em um estado de alerta e tensão eterno.

Apesar de um fechamento pessimista, o que vale no trabalho de Blair, é  a nova proposta para mostrar o terror na cidade do Rio de Janeiro por quem está no meio dele, sem acusações ou estudos maiores sobre a falta de recursos e ajudas governamentais. Cada um, a sua maneira, ajuda a manter a paz nas comunidades, com intenções distintas. As conseqüências são mostradas por Blair em seus minutos finais. O espectador, leva consigo uma mente borbulhando com questões existenciais e sociais.

Dançando com o diabo (Dancing with the devil, Inglaterra, 2009) de Jon Blair

CORAÇÕES EM CONFLITO


 Lukas Moodysson pincela problemas contemporâneos sem criar ou se afundar um dramalhão em Corações em Conflito, filme que mostra a vida moderna como uma faca de dois gumes.  O sentimento guia do filme de Moodysson é a insatisfação e talvez, a insegurança. Insatisfação que todos os humanos contemplam em algum momento da vida: quem trabalha, quer o tédio. Quem vive entediado, quer trabalhar. Quem tem pouco, quer ter muito. Quem tem muito, quer viver de maneira mais simples.

Leo, vivido por Gael Garcia Bernal mostra o lado fácil de enriquecer com pouco trabalho, através da tecnologia e novas dependências dos humanos. Num choque de culturas, Moodysson faz uma espécie de Babel, menos politizado e mais humano. O diretor vai dos Estados Unidos até as Filipinas para mostrar um outro extremo e ligando as realidades através do afeto e com uma bela metáfora através de um elefante. A necessidade de tal sentimento é o laço entre os dois pólos, mas que claramente se ligam através dos interesses financeiros, pois o emocional, é apenas uma forma de se manter empregado, com salário em dia.

Entre crises de insônia e noites exaustivas de trabalho de Ellen, esposa de Leo, vivida pela excelente Michelle Williams, nos perguntamos se é realmente válido e necessário se desgastar tanto para ter uma boa renda, se não tem tempo e saúde para aproveitar a vida e nem ver os filhos crescerem. Nas Filipinas, vemos o lado inverso. Chances são quase nulas e as saídas podem ser radicais. A modernidade por Moodysson é colocada de uma maneira interessante, mas não menos reflexiva e serve como um grande alerta para uma mudança, apesar do lamentável tropeço nos minutos finais.


Corações em Conflito (Mammoth, Suécia/Dinamarca/Alemanha, 2009) de Lukas Moodysson

AQUÁRIO



No subúrbio inglês, a diretora Andrea Arnold mostra que a influencia direta da mídia pode causar danos irreversíveis, enquanto desconstrói um sentimento claustrofóbico que faz uma clara metáfora com o título do filme. O sentimento vem de Mia, menina de quinze anos que faz as decepções rotineiras evaporarem pelos poros através da dança.

Mia é fruto de um lar disfuncional. Claramente criada pela TV e pela música, ela e sua irmã trocam farpas e xingamentos por motivos banais diariamente. Os valores distorcidos já são aparentes desde o início do filme. Ela se comporta como adulta.  Entre cenas de brigas e uso de drogas, o cinema de Larry Clark é lembrado, mas a comparação se esvairece em poucos minutos. Enquanto as meninas crescem rápido demais, a mãe faz o caminho inverso; faz festa diariamente, não procura as filhas e está mais interessada em garotos. Este amadurecimento de Mia talvez seja um simples instinto para não seguir o exemplo dado em casa, até mesmo para tratar o novo namorado de sua mãe, mas sua imaturidade é exaltada em momentos extremos.

Mia desce a ladeira na busca de uma saída, mesmo que possa parecer errado, o que importa é sair deste aquário, onde ela parece viver numa competição onde o ego é o ponto de largada. Andrea Arnold nos dá a sensação de acompanharmos a história pelas costas da garota, correndo junto com a menina com o exacerbado uso de steady cam e em overshoulder, mas principalmente quando as silhuetas dominam a tela.

A sensação que transparece é que tudo que Mia toca, morre. O sentimento pela família, pelos amigos, os sonhos e até mesmo por um indefeso cavalo, terminam de forma trágica. Quando se depara pela tão almejada vida adulta, ela percebe o quão nova é nessa altura que o aquário pode ter o seu valor ou realmente esquecido. Insegurança essa que a diretora também carrega em si para construir o seu filme quando se estende em detalhes já captados pelo público.

Aquário (Fish Tank, Inglaterra, 2009) de Andrea Arnold

MARADONA


 O diretor sérvio Emir Kusturica acerta quando escolhe estudar o lado mais obscuro do maior ídolo argentino, o ex-jogador Diego Armando Maradona. Quando digo “obscuro”, não me refiro aos escândalos envolvendo os vícios e brigas do ex-jogador, mas por tocar em assuntos esquecidos pela mídia e fazer o jogador refletir sobre sua vida numa espécie de análise itinerante.

Seria óbvio demais – mas não menos interessante – fazer um documentário contando a história do jogador com intuito de colocá-lo em uma posição que ele nunca saiu: a de herói. Kusturica compara sua carreira de diretor e métodos de filmagens com o comportamento de Maradona. Seja pelas inseguranças e os prós e contras de ser um documentarista ou através de metáforas, o diretor mostra suas identificações com o seu personagem principal. Segundo o diretor, se Dieguito não fosse um craque dos gramados, seria um grande revolucionário. A sede de justiça e senso político do ex-jogador parece ser o novo guia de sua vida. Ele afirma que pequenos países podem se vingar de tantas injustiças através dos esportes e lembra a incrível vitória da Argentina contra a Inglaterra durante a copa do mundo de 1986, que serve como alvo para Kusturica abrir diversos assuntos sobre a vida do jogador e suas reflexões.

Pela voz-off, Kusturica conta suas conclusões sobre esta figura peculiar que até uma igreja ganhou. O casamento pela igreja “Maradoniana” é surreal. Mesmo com esta forma interessante, o filme dá alguns tropeços por largar cenas avulsas, sem um norte para o público ter como guia, nem posição emocional, nada. As cansativas inserções de animação de Maradona fazendo justiça com os próprios pés também tiram o bom ritmo do filme, que busca apenas mostrar como Maradona é, sem procurar respostas e muito menos motivos para atitudes e escolhas do jogador. Maradona abaixa sua faixa de ídolo para mostrar que é feito de carne e osso, que tem fraquezas e que também erra por escolha própria, sem sensacionalismos maiores.

 
Maradona (Maradona by Kusturica, Espanha/França, 2008) de Emir Kusturica

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