Sessão de Infinito Ábaco no ECRÃ |
Na última semana foi divulgada a informação que o Estação Botafogo, no Rio, foi o cinema que mais levou público ao cinema durante o Festival Varilux. Concomitantemente acontecia a sexta edição do Festival ECRÃ no mesmo complexo de salas. Esta foi a primeira vez que o ECRÃ ocupava a sala do Estação Botafogo 3 e pude nestes dez dias observar com certa intensidade como se desenha a ida ao cinema nos dias de hoje. E, obviamente, não é um retrato definitivo ou uma generalização do público, mas uma simples contemplação ambígua sob as ramificações que este ato implica atualmente.
Este
rascunho leva em consideração uma série de códigos antropológicos e que
envolvem a comodidade, o streaming, os torrents, o valor do ingresso e a
pré-definição do gosto e visto que não há uma receita certa para
mobilizar o público, com a exceção aos filmes de herói, talvez seja um
afago no bolso do espectador - o único grande sucesso a notar no sorriso
das pessoas era quando ouvia-se que a entrada para o ECRÃ era gratuita. Assim, os mais interessados viam um filme do Varilux e caiam num filme em 3D de Ken Jacobs. Complemento com a complexidade de modulação psicossocial do público a partir do engajamento e que sempre dependerá da situação econômica e do trabalho de programação das salas.
Não há qualquer intenção e nem faz sentido comparar os dois eventos visto que são dois festivais com intenções muito diferentes e suportes totalmente distintos, financeiramente e filosoficamente falando. Nos corredores do Estação foi possível notar como a ida ao cinema escapa por completo de um programa com fim definitivo para o espectador encontradiço. O que antes partiria da proximidade geográfica para ida ao cinema, o valor do ingresso ou apreço por algum realizador ou ator e por último o país de origem do filme hoje é trocada por informações curiosas como a duração do filme e certeza de estar fazendo algo produtivo com o dia de folga, independente de qual filme esteja vendo. Por outro lado, a informação "cinema francês" para o frequentador de uma sala de arte continua como um grande chamariz a julgar as reações daqueles que perguntavam qual filme estava passando naquele momento na sala do ECRÃ. Vale dizer que com eventos em dois extremos, para aqueles mais interessados em se arriscar ou aqueles que abominam o que é diferente, ambos saem ganhando.
A análise de Comolli entre cinema e a máquina social envolvendo poder, comportamento e um imaginário da experiencia completa segue firme. Me chamou muito atenção como o espectador neste momento pós-pandêmico (se é que se pode chamar assim) continua refém de jogadas abatidas como a opinião alheia e as estrelas do filme. Também os interessa o que está disponível para o agora, o que é uma construção dos nossos tempos: a próxima sessão e a sala mais próxima, ainda que muitos não saibam exatamente onde estão e perguntam com frequência se estão no Estação Botafogo. E foi bom para notar os horários mais movimentados da sala. Geralmente apostamos em sessões noturnas, mas o público cativo, o de senhores mais idosos, prefere o combo café/filme à tarde - mais uma ideia da relação com a cartilha de uma experiência básica. Este contrassenso no sentido de um programa lentamente programado - e consequente valoração do filme visto - foi bastante visto nestes dez dias. Se entra de supetão ao cinema como uma decisão-relâmpago, porém, aprecia-se os rituais como tomar um café ou escolher a sua poltrona com muita calma.
O hábito de buscar um filme e um evento que talvez grandes festivais como o Festival do Rio e Mostra de São Paulo cultivem parece distante em períodos mais calmos. O risco não parece bem-vindo e isso é independente à faixa etária de público. Quando se pensa nos frequentadores pela proximidade do local e pelo tempo livre (seja pelo desemprego, pela aposentadoria, etc.), este tipo de exigência parece menor. A relação está ligada ao espaço e a experiência e não à obrigação de gostar ou não de algo, embora exista sim limites bem definidos para arriscar-se ou não neste escapismo de duas horas em uma sala escura.
Como um caminho possível, penso que aglutinar estes extremos levará um tempo, porém será recompensador. Reconquistar o gosto de um programa e uni-lo à experiência de descobertas e saber que o cinema, neste momento, diante de grandes adversários, não é um programa autônomo e que estará em constante reformulação. Vejo as ações que Cavi Borges tem feito como um bom emblema deste momento de dupla-ação e que tem feito bastante sucesso. Com diferentes elementos e com propriedades distintas, ver um filme, arriscar-se ao novo, fará algum sentido e seus efeitos criarão uma relação de proximidade e tensão para uma próxima visita.
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