STROVENGAH


Tema recorrente nos filmes do chamado novíssimo cinema brasileiro, o processo de produção cinematográfica guia a  narrativa de Strovengah, filme de André Sampaio baseado no argumento de Luiz Paulino dos Santos. Livremente, o longa vai da fina ironia contra dogmas religiosos, cartilhas cinematográficas ao eterno conflito entre criador e criatura – no caso o diretor Pedro (Otoniel Serra) e seus personagens, uma espécie de grupo de marionetes bizarros que cooperam e muito para os delírios do protagonista.

Strovengah se configura como uma obra de front – de sua cartela inicial que avisa que o filme não teve ajuda de edital algum ao lamento ao descaso do público a filmes que privilegiam a poesia à narrativa. Sampaio não se limita em criar simbolismos que desconstroem o árduo processo de se fazer cinema. Pedro está no alto de uma serra cercado de personagens (líricos ou não) acompanhado de Marcela (Rose Abdallah), sua esposa. Mesmo fisicamente avulsos do erotismo e pragmatismo religioso que os cerca, ele são alvos de ambos, que remetem à onda de produção de filmes de sexo explícito nas décadas de 70 e 80 que culminaram na extinção de filmes de gênero no Brasil e o fechamento de incontáveis salas de cinema para a construção de igrejas.

De ataques da censura ao fim da autonomia pelos grandes estúdios, André Sampaio aprisiona Pedro, que  é a representação de muitos que tentaram ou que ainda tentam pela marca de autor, autônoma e principalmente pela possibilidade de criar obras relevantes, sem lobotomias, enlatados e obras frouxas.

 ★★★★
Strovengah (Idem, Brasil, 2011) de André Sampaio

CORIOLANO


Coriolano surpreende em diversos aspectos: transpassa de forma sóbria para atualidade a tragédia homônima escrita por William Shakespeare em 1608 mantendo seus diálogos. Ralph Fiennes, em seu debut diretorial, impressiona pela ótica e tendência de cinema de autor, esquivando-se de gêneros e banalidades em um filme que envolve conflitos hoje exaustivamente usados. O diretor (e também protagonista em atuação expressiva) usa este método inusitado para subverter as idéias e colocá-las em seu local de origem. Simples e puro.

Sem destoar do tom trágico e da verborragia comum do autor, a luta de um homem contra sua natureza escorre para o embate com a corrupção de caráter e política – assunto que nunca será obsoleto - e analisa a vaidade como pedra de tropeço para o homem. Ela engole a justiça, os ideais e a paz.

Fiel à obra de inspiração e inteligente em sua adaptação no aspecto visual, Coriolano, ainda que seja prejudicado por conta de um epílogo desritmado e sem freqüência com o resto do longa, possui justificativas necessárias para sustentar sua qualidade até a belíssima sequência final, onde pessimismo e vísceras são colocados em cheque.

★★★
Coriolano (Coriolanus, Reino Unido, 2011) de Ralph Fiennes

O VINGADOR


Na onda do resgate de gêneros, O Vingador utiliza o seu tempo a favor: o clássico modelo do exploitation aqui abraça a tecnologia, onde a definição da imagem pode ser até uma antítese de filmes que eram vendidos justamente pela falta de técnica e qualidade.

O Vingador jorra sangue e anarquia. O preceito está intacto, juntamente com o fiapo de história que engloba gangsters, prostitutas, mendigos e claro, muita violência. No âmago, a discussão sobre a banalização da vida e da imposição do corte na linguagem de cinema imposta pela TV. Mas, o filme que segue a risca o dogma do sleaze e do gore, coloca em seu título (no original Hobo With a Shotgun, algo como “Mendigo com uma Espingarda”) a pretensão em entregar cenas grotescas e igualmente impecáveis com um único motivo: diversão.

O filme de Jason Eisener é um raro caso de amplitude da ótica dentro de um gênero: caso o espectador leve o filme a sério, ele será convencido em poucos minutos a abraçar a idéia que tudo é elevado com justificativas plausíveis. Caso você dê o play disposto a esquecer do mundo, pronto: você fez a escolha certa.

 ★★★★
O Vingador (Hobo With a Shotgun, EUA, 2011) de Jason Eisener

HASTA LA VISTA - VENHA COMO VOCÊ É


Entre a tênue linha que separa dogmas de linguagem e gêneros está a motivação de Goeffrey Enthoven em realizar Hasta La Vista – Venha Como Você É. Subverter questões e quebrar paradigmas parece o foco principal deste road movie com protagonistas que possuem necessidades especiais. Porém, o que vemos é uma versão rasteira e sem inspiração de uma comédia teenager.

Analisar a visão igualmente preconceituosa dos garotos sobre outras pessoas – focada na motorista da van Claude (Isabelle de Hertogh) e necessidades comuns não dão abertura a nenhum tipo de mergulho psicológico para este mundo. O flerte com o melodrama amplifica o tom piegas e a intenção de pegar o público pelas pernas, ou melhor, pelas lágrimas.

Hasta La Vista parte de um vício contemporâneo de apelar para o sentimentalismo em linguagem e a conseqüente identificação ou total compreensão de um grupo ou movimento específico. E abrir mão de seus personagens para sustentar gêneros o afunda por completo.


Hasta La Vista - Venha Como Você É (Hasta La Vista!, Bélgica, 2011) de Goeffrey Enthoven

CINEMA VERITE


Vencedor do Globo de Ouro 2012 de melhor filme feito para TV, Cinema Verite em sua totalidade não possui moldes televisivos. Sua narrativa não encontra espaços para inserções comerciais ou ritmo para a possibilidade de eventuais distrações do espectador durante o filme. Dirigido por Shari Springer Berman e Robert Pulcini, vemos a reconstituição dos bastidores do programa An American Family – destruindo por completo a idéia de perfeição das famílias dos subúrbios americanos futuramente analisados por nomes como Todd Solondz, Sam Mendes e Larry Clark.

Berman e Pulicini são ousados. Não titubeiam para manter-se na superfície mesmo com conflitos profundos que traçariam mais tarde o novo modelo de família para o mundo inteiro. Não há necessidade para análises aqui. Basta olhar para o lado. Portanto, Cinema Verite torna-se um jogo de cena sobre o espetáculo televisivo e a amplificação do drama utilizando a câmera como peça-chave.

Todos são protagonistas e antagonistas – alusão clara, novamente, ao novo modelo de família em todo o mundo: presas à televisão das mais variadas formas e em geral, destruídas e sem comunicação. Porém, para os que pensam que a tragédia rege o longa, ledo engano: os diretores alinham muito bem humor e sabem muito bem para quem vende o seu peixe; encontram o espaço necessário para dialogar, prender e entreter. Como a vilã da história deveria fazer. A TV.

★★★
Cinema Verite (Idem, EUA, 2011) de Shari Springer Berman, Robert Pulcini

FLORES DO ORIENTE


Pela fotografia pálida é possível adornar o clima de fraqueza que circunda Flores do Oriente. Zhang Yimou (O Clã das Adagas Voadoras, Uma Mulher, Uma Arma e uma Loja de Macarrão) transforma seu filme numa incessante subversão de valores, os separando calmamente por tópicos ao agrupar dentro de uma igreja católica cercada pelos destroços do massacre de Nanquim um coveiro disfarçado de padre (Christian Bale), um grupo de coroinhas e prostitutas recém abrigadas.

Megalomaníaco, Yimou procura sua tradicional beleza estética e poesia em cada plano e movimento de câmera; paralelamente, estão os conflitos previsíveis entre os grupos de ideais completamente diferentes que se espelham no terror da guerra entre Chineses e Japoneses. Submissão, corrupção, violência e honra são alguns dos assuntos envernizados e discutidos. Flores do Oriente ganha bons momentos justamente quando o diretor repele o espetáculo e abraça a simplicidade com representações óbvias e ainda funcionais como mensagem de pacificação e solidariedade.

Fica claro que desde a primeira e apoteótica sequência do filme é necessário subverter suas regras para um primeiro passo. Um longa cru, pungente e que fuja do viés melodramático – aqui presente em excesso. Caro leitor, Yimou não precisa virar polivalente como Takashi Miike (Ichi – O Assassino); é um raciocínio diferente. Trata-se de um pedido de reinvenção, mudança de cartilha ou ótica sem perder a assinatura. A obviedade narrativa e sua metodologia sugam a obra.

 ★★
Flores do Oriente (Jin Líng Shi San Chai, China/Hong Kong, 2011) de Zhang Yimou

Entrevista: Petrus Cariry

Em seu segundo filme, Petrus Cariry já coleciona prêmios. O mais recente, do festival de cinema do Uruguai por Mãe e Filha, obra-prima remetente aos filmes de Aleksandr Sokurov e Béla Tarr. O filme entra em cartaz nesta sexta-feira (18) via Lume Filmes. O Cinemaorama bateu um papo com o diretor.

01) As locações de "Mãe e Filha" surgiram das filmagens do curta "Dos Restos e das Solidões".  Qual foi a influência destas locações na produção do roteiro do filme?

A cidade de Cococi teve uma influencia muito grande na forma como escrevi esse roteiro em parceria com o Firmino Holanda e o Rosemberg Cariry. Eu já conhecia bem as locações por conta do curta “Dos restos e das Solidões”. A partir de várias discursões sobre o argumento original, chegamos à forma final do roteiro de “Mãe e Filha”, um filme que versa sobre a morte e sobre o fim das coisas. Hoje eu posso afirmar que o filme não teria a mesma força se não tivesse sido feito em Cococi, uma cidade fantasma real que chegou ao fim e que teve uma história feita de violência e sangue.

02) O isolamento vindo daquela cidade fantasma cria uma relação metafórica e igualmente direta com a morte. A cidade é o complemento do simbolismo que "Mãe e Filha" carrega?
As próprias ruínas já indicam a impermanência das coisas, o fim. A Mãe espera um marido que partiu há dezenas de anos. A Mãe projeta no neto morto todos os seus amores, esperanças e desejos que foram amputados pela vida. O conflito entre a Mãe e a Filha se dá porque uma quer que o “morto” viva novamente, e a outra quer que o “morto” seja enterrado e esquecido, para que a vida siga o seu ciclo natural e cósmico. As ruínas da cidade, nas lonjuras do sertão, são também habitadas por fantasmas ancestrais, que são as sombras da alma.

03) O longa é absolutamente sensorial. Como foi o processo de pós-produção para amplificar esta idéia?
Eu sempre dei uma atenção muito grande para os aspectos técnicos da pós-produção, mas no caso do filme “Mãe e Filha” eu fiz pessoalmente um trabalho de correção de cor, para realçar a fotografia que eu queria, que seria a diminuição da saturação, com aumento dos tons cinzas e o aumento do contraste das zonas escuras. Mas o grande desafio que tivemos foi no som (edição, mixagem e desenho de som), foram meses de trabalho exaustivo e muita pesquisa em busca do “clima sensorial” que era exigido pela película. O meu grande parceiro neste trabalho foi o Érico Paiva (Sapão) que fez a engenharia de áudio e contribui-o de forma decisiva nas questões criativas.


04) "Mãe e Filha" tem um embate direto com a dimensão do tempo. Em dias tão urgentes no qual a vida passa com muita velocidade, como o fascínio por tal consumação se dá no roteiro?
O uso dos tempos distendidos e da contemplação, não me diz muita coisa, se não houver o intuito de se narrar uma estória. A minha relação com o tempo no “Mãe e Filha”  é justamente buscar criar uma atmosfera de imersão e uma sensação real que o tempo escorre pela tela. O dispositivo narrativo não pode ser dissociado do conteúdo, ou melhor, até pode para poder gerar fissões.

05) Você acredita que o cinema nacional passa por um processo de "indiscriminilização" ou o aumento  de venda de ingressos de filmes brasileiros apetecem apenas os filmes de divulgação em massa?

Da minha parte não existe uma negação do cinema “blockbuster” exibido nos grandes circuitos brasileiros. Porém, é preciso que esse tipo de “cinema” não seja tão sufocante que impeça o realizador que busca um cinema mais autoral, de conseguir rodar e distribuir o seu filme com um mínimo de dignidade.

06) "Mãe e Filha" ganhou prêmios internacionais também. Existe previsão de distribuição internacional?

Recentemente ganhamos o prêmio de “Melhor Filme” no Festival Internacional de Cinema do Uruguay e isso é bom, porque de certa forma temos mais visibilidade para o filme. Existem várias propostas de distribuição que estão sendo analisadas, inclusive em países da América do Sul, como Argentina e Uruguai. Temos planos também para distribuir na Europa, principalmente em Bluray e DVD, vamos à luta.

Leia a crítica de MÃE E FILHA

MÃE E FILHA


Um exercício contemplativo intercedido por representações enigmáticas e metáforas. Mãe e Filha expurga da relação distante de duas mulheres a dor do passado, a ambigüidade do presente e o ilusionismo do futuro no silencioso sertão do Ceará. As memórias ganham vida e se transformam em pesadelo e alívio com a mudança de ótica de cada personagem.

Dirigido por Petrus Cariry (O Grão), Mãe e Filha se atém à ambigüidade quando desconstrói a pureza de vida e morte e sua carga espiritual amplificada pelas ruínas das locações e a beleza da natural que envolve este silencioso caos emocional regido por um tempo abstrato, que não se tem certeza que acontecera. A distância física (capital/sertão) e filosófica (vida/morte e passado/futuro) posiciona a relação de duas mulheres à margem do amor fraterno.

Instigante, o longa de Cariry aborda mundos distintos; aqui, o impacto simbolizado por uma criança leva ao desnorteamento pelo lado inesperado. A filha, sã, resolve então tornar a realidade mais forte numa das cenas mais bonitas do filme. Mas aprende que sem a fantasia (ou espiritualidade) nada tem sentido.

★★★★★
Mãe e Filha (Idem, Brasil, 2011) de Petrus Cariry

AMOR E DOR


Se há alguma virtude em Amor e Dor, ela está no sufocante espaço cênico que moldura a intensa relação de impulsividade e submissão de Hua (Corinne Yam) e Matthieu (Tahar Rarim). A câmera nauseante de Lou Ye enverniza a idéia de caos e claustrofobia estética como reflexo de situações empíricas e inexplicáveis de uma paixão.

De fios narrativos soltos, Ye intenciona a dinâmica do julgamento – quem é vilão nesta história, afinal? Personagens vêm e vão com única razão ilustrativa: seja pelo caminho da violência ou do desejo, a impunidade parece inerente ao casal e aos que estão ao redor. E o mistério da conduta de Hua e Matthieu é a imagem principal do filme, que não se sustenta nem mesmo com cenas expressivas onde sexo e violência se misturam.

Ye, como sempre, coloca o dedo nas feridas, mas não se preocupa em criar laços com nada, nem com Paris ou Pequim, locais por onde Hua desenha locais de vivência e fuga, respectivamente. Um frio reflexo dos dias atuais, onde não se pertence a nada e ninguém, nem que ambos te espanquem de forma literal e figurada.

★★
Amor e Dor (Love and Bruises, França/China, 2011) de Lou Ye

PARAÍSOS ARTIFICIAIS


Adulterar a realidade não é dos mais novos hábitos da sociedade. A visão glamourosa dada às viagens lisérgicas através da literatura e música nos anos 60 em especial alinhavam estética e existência. Não é o caso de Paraíso Artificiais, debut de Marcos Prado na direção de ficções: seu filme carece de expressão das mais variadas formas.

Em Paraísos Artificiais a estética é fetiche: o horizonte de neon, os corpos definidos, a bagunça de um apartamento da zona sul carioca ou a beleza de Amsterdam compõem um deleite visual que não tem a mesma freqüência da história de desencontros que guia a narrativa apoiada no uso e tráfico de drogas sintéticas ligado diretamente a estereótipos.

A visão do consumidor de drogas na cena de música eletrônica nascida nos anos 90 na Europa – que teve reflexos em raves em locais desertos no Brasil – em poucos momentos equivale consciência à ação do filme. O drama é o cerne da história e por vezes tem o desfoque de causa e conseqüência, sem simbologias ou metáforas. Tudo é direto e reto. Ou rápido e raso. Paraísos Artificiais se sustenta pela montagem, onde flashbacks impõem o choque à história e, claro, ao espectador. Basta saber quais foram pegos pela previsibilidade.

★★
Paraísos Artificiais (Idem, Brasil, 2012) de Marcos Prado

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