Eis um filme de reflexos constantes. Tropykaos encena,
a cada sequência, a ideia de isolamento, de um microcosmo como
comentário direto ao “mundo alheio”. É a analogia mais prática à vida de
um artista no Brasil, principalmente aos que fogem dos padrões impostos
pela indústria. Como um delírio – talvez não exista colocação melhor
para essa escolha -, Guima, poeta assolado pela tempestade solar numa
Salvador prestes a receber o carnaval, precisa de seu ar-condicionado
para trabalhar.
Embora
as abas deste tema sejam infinitas, principalmente as impossibilidades
de realização e a tentativa em vão do diretor Daniel Lisboa de
abraça-las a todo custo, Tropykaos é mais interessante quando
constrói uma neurose descompromissada, apoiada no cotidiano da cidade e
sua cultura incompatível ao gosto e à realidade de Guima. São nesses
momentos que Lisboa remete a filmes-símbolos dessa discordância como SuperOutro de Edgard Navarro (que está presente no filme com três personagens hilários) e Depois de Horas de Martin Scorsese.
À
medida que esse contexto alucinado caminha para soluções assombrosas –
muito utilizadas para justificar a realização possível no Brasil, como
uma ilha de pedras e sem uma saída definida – Guima carrega uma
melancolia, um lamento; desconta em escapismos e na autodestruição que
Lisboa contrasta com a beleza da cidade. São monumentos a serviço do
outro, do folclore e daqueles que compram camarotes e que estragam
aparelhos de ar-condicionado. É desta revolta silenciosa e ao mesmo
tempo impossível que o protagonista toma suas escolhas – encolher-se
como um vampiro ao sol, saber da sua condição de antagonista em sua
própria casa.
Como
um crescente frenesi para lidar com o calor e o quadro de saúde de
Guima, da luta contra a “ultra violência solar” e sua incompatibilidade
aos padrões de uma cidade “solar” vem a solução: se influenciar pela
urgência serve como a saída crítica mais palpável. É a forma de unificar
tantos problemas a citar – em certos momentos Tropykaos parece
mais um conjunto de alegorias que um discurso sobre o que exibe – e
criar assim a noção de uma jornada. A noção de identidade do outro,
sobretudo àqueles que não se adequam às regras básicas de sociabilidade e
até mesmo artísticas – produzir com as amarras do governo é um ótimo
exemplo.
É importante lembrar que Tropykaos é
o registro de uma circunstância histórica acima de qualquer jogo
delirante; mesmo que desequilibrado pela mesma urgência registrada (que o
faz correr atrás de inúmeras justificativas). É do impossível que
Lisboa tira sua melhor saída, uma contestação tão pertinente quanto
infantil. É importante ser infantil neste momento, a não ser esquecida
pelo seu lado inusitado e inconsequente. É da imprevisibilidade que o
filme grita sua revolta e diagnostica o país do samba, suor e feridas.
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