Via Crucis no Primeiro Testamento
O título, apesar da ligação direta, é uma provocação; o filme homônimo de D.W. Griffith de 1915 é baseado em "The Clansman: An Historical Romance of the Ku Klux Klan" de Thomas Dixon Jr. O filme de Nate Parker, não. É resumidamente uma gigantesca falha em impor o ponto de vista sobre o material. E para encerrar qualquer tipo de comparação entre os dois filmes, vamos a mais importante delas: o filme de Griffith, ainda com suas brechas às questões sobre ser um manifesto racista, é distante de seus personagens, sem intenções maniqueístas sobre eles e mais interessado em fazer um registro histórico. Já as intenções de Parker são básicas como peças de marketing e não como plausível resistência.
O Nascimento de uma Nação do ator e
agora diretor Nate Parker se passa no início do século XIX e acompanha o
escravo Nat Turner e suas relações dicotômicas com absolutamente tudo que há ao
seu redor. Esta é a única base do filme. E dela Parker faz o que pode com os maneirismos
e olhar retido do melodrama, sem inspiração entre tantos blocos de
plano/contra-plano/plano geral. Para Nat Turner, o mundo é mínimo e suficiente
para refletir a hipocrisia em cada fresta de tempo e silêncio com a cínica
intenção de reverberar o presente.
Da
relação com os patrões, talvez o ponto mais interessante do filme por ser o
mais adormecido por Parker, à interpretação da palavra de Deus, Nat é como
Cristo no tempo de guerra e ira. Nat é testemunha e vítima do mal diariamente,
ainda que ele possua diversas facetas e em certos momentos seja difícil de
identifica-los. E se O Nascimento de uma
Nação é a representação geral do evangelho, o filme também serve como a
compreensão ideológica da religião e da retribuição violenta como partes que se
completam.
Ao
contrário da posição de um Cristo de ágape, Nate Parker circula Nat com
seu ego. O
Nascimento de Uma Nação é o que se espera de um "rebelde
hollywoodiano" e que levanta naturalmente a questão sobre o que é, afinal,
o filme. Sobre Parker ou sobre Turner. Até o filme se encontrar com a
rápida perspectiva sobre o embrião da milícia negra como resposta à opressão, o
que se vê é uma teorização básica e rasa sobre as saídas e o sofrimento - ainda
que toda sua ação seja reforçada pela fé. Portanto, Cristo está, de verdade,
enfim, no sangue e entranhas das minorias. Partindo desse olhar, o filme de
Parker é um chute certeiro na cabeça de um defunto, pois não é feito para
provocar e afirma o que é óbvio.
*texto
originalmente publicado no Cineplayers.
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