Texto escrito para o catálogo online da Mostra 1999 que aconteceu em Agosto de 2019.
Corpos em crise
Em 1999 o realizador britânico Mike Leigh chega ao apogeu de seus métodos: como diretor de cinema e de teatro, Leigh concatena conflitos e corpos com o espaço munido de olhar cirúrgico. Também costuma ornamentar, em filmes específicos, o mundo de um olhar barroco. Topsy-Turvy (1999) é uma espécie de alicerce geral de sua filmografia. Daí a importância de se considerar o filme numa retrospectiva de filmes do último ano do século.
Em Topsy-Turvy, estes corpos que mais parecem perdidos em seu espaço cênico têm funções distintas: há, para Leigh, um peso fundamental no pensamento da autoria – o diretor e o compositor como opositores e também como duplos em prol do funcionamento de um mundo impossível – aqui numa bizarra leitura ocidental sobre o oriente. É dela que o suporte maior do filme reside.
Topsy-Turvy é um desencadeamento monocórdico de eventos ao redor do mundo do teatro, mas que engloba tantas outras artes que entroniza o cinema
como a única possível de uni-las de forma orgânica, capaz de oferecer unidade às informações visuais, o segundo grande eixo da filmografia de Leigh. Ao cinema também é dado o poder de pontuar, desta vez de forma mais complexa, de um sintoma geral que possui estes corpos a caminhar, ensaiar e ansiar pela realização. Gerar, para Leigh, é o norte, a espinha-dorsal deste mundo sempre abraçado por quatro paredes, que curiosamente é respeitado à risca como no cinema clássico. A câmera nunca será maior que seus objetos de estudo e tampouco de sua matéria-prima.
Portanto, este encontro do formalismo e do objeto, ou seja, de dois efeitos notáveis do cinema e do teatro, respectivamente, é um sinal muito particular para Leigh; dele que se justifica a observação feroz dos gestos e dos anseios como um anticlímax geral e contraste às cartilhas narrativas do cinema dito de “grande alcance”, no qual Leigh se encontrava pela sequência notável de filmes feita na década de 90 com títulos como Segredos e Mentiras (1996), Naked (1993), A Vida é Doce (1990), entre outros.
Há de se notar que os dois métodos utilizados por Leigh foram afiados com o tempo e assim continuam até o momento. Exemplos recentes como Mr. Turner (2014) e Another Year (2010) exibem estas diferentes vertentes que tem como encontro destacado justamente em Topsy-Turvy. É uma espécie de celebração das escolas adotadas por Leigh como autor. O controle do espaço e da força visual, e há de se notar o talento de Leigh para as duas bordas – e Topsy-Turvy sempre será a definição principal.
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