Armadilha (M. Night Shyamalan, 2024)

 

Arrisco dizer que Shyamalan amplia sua relação com o ilusionismo, o mistério e a farsa em “Armadilha". Trata-se de jogar o público para um lado, construir uma relação de tensão - principalmente de forma gráfica - e depois jogá-lo para o outro lado, como se estivéssemos em um novo filme. É reaproveitar a metodologia hitchcockiana com pistas, aliadas à modernidade, e depois escondê-las em um thriller que usa caminhos simbólicos para construir uma fuga cerebral entre a urgência e a memória. Eu também arriscaria dizer que a espinha dorsal de tudo isso é o sarcasmo, o que pode parecer incoerente para um filme de suspense em diversas frentes, mas Shyamalan já mostrou antes que seu efeito não se limita a uma sequência final e através dessas lacunas ele mostra os pontos fortes e fragilidades dos personagens, principalmente do protagonista, Cooper, assustador do início ao fim.

A Traveler's Needs (Hong Sang-Soo, 2024)

 


Há uma cena em A Traveler's Needs que abre um fluxo de relações nos filmes de Sang-soo, especialmente nos filmes a partir de HaHaHa em diante. Há um corpo que a câmera filma e ao voltar ao ponto inicial, este corpo não está mais lá. Uma magia infantil que desbloqueia os códigos de linguagem que é o mote da trama e que pode ser uma barreira para os personagens em como a comunicação cria ruídos, mas na verdade, é uma travessia direta para a relação de um mundo particular, um conto de fadas que vemos e revemos pelo menos duas vezes por ano.  Desta vez não há soju ou gatos, mas há bebida probiótica e um cachorro - dono de um dos pouquíssimos "zooms" do filme -, motos que ocupam o centro da cena durante performance de Huppert e um homem que ignora a presença de uma mulher em cena, o que subverte a lógica e cerne de boa parte dos filmes de Sang-soo e, o que é ainda mais engraçado, é que ela garante suas vantagens no flerte. Um divertido jogo de subversões da própria forma.

Hitman (Richard Linklater, 2023)

Este é um filme que coloca Linklater mais próximo de Woody Allen do que um escultor do tempo em sua extensa filmografia e muito interessante notar que há um interesse em quebrar a própria chave de autoria, de execrar este olhar inclinado às assinaturas e nas réplicas construir um filme que se trata justamente do falso, do absurdo, do fantasioso. O espetáculo da mentira é triplo, dos protagonistas, coadjuvantes e do próprio Linklater que falseia a linguagem através de um "filme americano" de reconstruções de planos e movimentos de câmera ou, falando da trama em si,  da composição de um projeto perfeito que sempre será atravessado pela ideia de fac-símile. Se "Hitman" é, antes de tudo, um filme-réplica, Linklater por vezes emula mesmo Allen, dos principais nomes que pouco mudou de seus formalismos artesanais - curiosamente quando fez filmes de suspense - e nos leva para um lugar muito prazeroso que é o de revisitar, redescobrir ou apaixonar-nos novamente pelo cinema.

Love Lies Bleeding (Rose Glass, 2024)


Longe de suas sacadas de marketing, Love Lies Bleeding é um filme de intensa construção de ganchos e sugestões para um clima tenso entre caçadas e acerto de contas e que é o que realmente funciona aqui. O filme se aproxima, neste sentido, a um thriller noventista barato cheio de figuras caricatas que Rose Glass condensa muito bem em seus símbolos necessários para um filme relativo às emulsões entre amor e violência. Já a criação de analogias envolvendo corpos e seus valores, capacidades e as exortações eróticas não oferecem grande valor neste caso, ainda que funcionem como grande atração. Glass, deste modo, brinca com o crescendo de suas representações corpóreas e vai para o mundo fantástico com desejos de criar um aporte extremo em seu discurso - o que, na verdade, está mais para uma equação rasa, afinal ela ignora as diversas camadas existenciais para dialogar com o prazer - ou choque - visual de forma que a vulgaridade que seu thriller entregara anteriormente.

Armadilha (M. Night Shyamalan, 2024)

  Arrisco dizer que Shyamalan amplia sua relação com o ilusionismo, o mistério e a farsa em “Armadilha". Trata-se de jogar o público pa...