MEU MUNDO EM PERIGO


Situações inerentes ao ser humano; a duplicidade existente em qualquer tipo de sentimento. Meu Mundo em Perigo, ovacionado no Festival de Cinema de Brasília de 2007, chega aos cinemas com atraso de três anos. Mas o tempo pouco importa quando José Eduardo Belmonte nos sufoca não só com planos demasiadamente fechados. O diretor enaltece o extremo para o alcance da liberdade, seja ela almejada em silêncio ou explicitamente, ambas representadas através de personagens.

Sem refinamentos técnicos e guiado por câmeras instáveis, o longa que a priori se desenvolve moldes de thriller psicológico logo se entrega ao drama existencial incrustado no caos das ruas paulistanas.  Como consequência, seus personagens se refugiam em bares, hotéis baratos e vagam pelas ruas à procura de uma solução, ou apenas uma nova chance, tema também retratado no posterior e já consagrado Se Nada Mais Der Certo.

A estética proposta por Belmonte casa bem com a obscuridade e pessimismo do filme, que no epílogo abandona a dinâmica calçada na identificação e agarra a redundância para reforçar a idéia de contemporaneidade do texto e se arrasta, até encontrar seu cerne, a unidade que habita entre a sanidade e a loucura, para a brilhante conclusão.

★★★
Meu Mundo em Perigo (Idem, Brasil, 2007) de José Eduardo Belmonte

AS MELHORES CENAS DO CINEMA EM 2010

Técnica,  impacto visual ou simplesmente pela exclusiva representação da trama. São os paramêtros para  analisarmos e  por quê não, arquivarmos  inconscientemente estas cenas. Listei algumas sequências/cenas de filmes exibidos por aqui em 2010 e que podem entrar neste extenso arquivo (ou não), dependendo do seu gosto, mas com toda certeza carregam potência narrativa para seus filmes.

A perseguição no estádio de futebol em O Segredo dos Seus Olhos

Hit Girl decapitando capangas em Kick-Ass – Quebrando Tudo

O Bar Mitzvah em Um Homem Sério

Promessas para uma nova vida em A Vida Durante a Guerra

Os papéis de O Escritor Fantasma

A tensão no aterro sanitário em Toy Story 3

A estagiária construindo um sonho em A Origem

Shame on you! de The Killer Inside Me

Um passeio pela cidade de Cópia Fiel

A sequência de acidentes de Abutres

Os filmes estão selecionados em ordem aleatória. Gostaram da seleção? Faltou alguma? Deixe seu comentário para aumentarmos esta lista!

MACHETE


Nascido de um trailer falso produzido para Grindhouse (filme em conjunto dirigido por Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, que pelo fracasso comercial nos EUA culminou no lançamento separado de À Prova de Morte e Planeta Terror no resto do Mundo), Machete exala diversão por ser fiel à proposta do projeto em que foi criado. O lado trash - que nunca pareceu tão pop - se une ao subtexto engajado para justificar a sanguinaria desenfreada.

Robert Rodriguez faz questão de refinar o seu humor à frente da tosqueira que o filme pede. Brinca com o improvável, até quando a violência parece saturada. Quando o filme parece afundar de vez, lá vai Rodriguez e tira o coelho da cartola com uma sequência de arrancar o fôlego. Pena que elas são rápidas demais. Portanto, o maior trunfo do filme é escrachar a visão política sobre a relação entre Estados Unidos e imigrantes mexicanos.

Machete tropeça no desenvolvimento narrativo. Tudo é redondo demais para um longa proposto a louvar o absurdo, até o epílogo, quando Rodriguez parece jogar seus personagens (clichezentos e maravilhosos) para escanteio com o propósito de achar um sentido para a história além subtexto e tudo parece mal resolvido. A excitação que antes fora pelo grotesco vira um conto anti-maniqueista - por colocar todos elenco na posição de bad ass - e político, com problemas de ritmo conclusão abrupta. Diverte, mas para a dimensão que Machete tomara em seu início, não acaba tão bem assim.


Machete (Idem, EUA, 2010) de Robert Rodriguez e Ethan Maniquis

O PEQUENO NICOLAU


Junte o espírito de coletividade de Os Batutinhas à sapiência de O Menino Maluquinho e algum filme de Charlotte Sachs Bostrup e teremos algo bem próximo da fórmula de O Pequeno Nicolau. O filme que ao mesmo tempo chega às prateleiras das locadoras e ainda goza de uma ótima bilheteria nos cinemas do país tem motivos de sobra para ser aclamado pela crítica e pelo público: em sua narrativa envolve diversas referências do cinema dito cult ao desenvolvimento leve e divertido que o tema pede.

Para os mais velhos, o longa de Laurent Tirard carrega um tom nostálgico. Não espere os personagens possuindo telefones celulares, Ipods e afins. Os garotos (cada um com o estereótipo clássico de nossos amigos de colégio – que também remetem aos personagens de Menino Maluquinho) formam um clube para ajudar o pequeno Nicolas, aterrorizado pela suposta chegada de um irmãozinho que consequentemente expulsará Nicolas de sua casa para viver na floresta. Para os mais novos, é a chance de conhecer, de forma fiel, um mundo deixado para trás, onde as relações eram formadas pelo convívio.

E nas enrascadas que os amigos passam para agradar os pais de Nicolas que o filme representa cada fragmento do imaginário do mundo infantil. A inocência, o desconforto de estarem perto das meninas, os problemas no colégio e claro, a amizade, que é saboreada a cada segundo. Adicione a essa fórmula a direção segura de Tirard que não omite suas intenções ilustrativas dessa fase e a trilha sonora cool o bastante para colocar O Pequeno Nicolau como uma das pequenas pérolas deste ano.

O Pequeno Nicolau (Le Petit Nicolas, França/Bélgica, 2009) de Laurent Tirard

TETRO


Dentro de diversas possibilidades para contar a densa história de Angelo Tetro, Francis Ford Coppola utiliza dois métodos de linguagem cinematográfica e os separa sem muitos rodeios. Tetro é uma silenciosa busca por redenção do personagem vivido por Vincent Gallo. De tão quieto, é preciso que seu irmão Benjamin desbrave a mente do ex-escritor e lhe dê um novo sopro de vida.

Nos momentos em que apresenta seus personagens e conflitos, Coppola usa a câmera como uma acompanhante, uma mera espectadora, que por diversas vezes transforma-se nos personagens através do uso da câmera subjetiva ou de overshoulder. Angelo vive sobre o peso do passado. São diversos traumas que o diretor reconstitui invertendo uma tradição para situar o presente e o passado dentro de roteiros de cinema.

Quando uma simples história de família disfuncional vira uma complexa comparação entre vida e arte entrelaçada ao conflito direto de Angelo e seu passado, Coppola põe os dois pés no cinema clássico. Não há uma só sequência que o diretor não use o básico plano e contra plano. Há espaço para o diretor usufruir bem da luz e de sombras enquanto a vida do protagonista entra em colapso.

A história de Tetro não esbanja inovações, pelo contrário, ela é de fácil assimilação e desconstrução, mas justifica a magia do cinema, que é a possibilidade de contar uma mesma história de diversas maneiras, de inúmeros pontos de vista e sugerindo novas reflexões e idéias.

Tetro (Idem, EUA/Argentina/Espanha/Itália, 2009) de Francis Ford Coppola

ENTERRADO VIVO


Todo suspense insinuado nos créditos iniciais de Enterrado Vivo termina na trilha sonora de Victor Reyes inspirada em Alfred Hitchcock. O longa do espanhol Rodrigo Cortés é um original protesto contra a postura comodista do governo americano no período pós-guerra, que se importa em enaltecer suas glórias e manter a boa reputação ao invés de reconhecer seus erros e consertá-los.

O filme mostra os sufocantes momentos em que Paul Conroy, prestador de serviços da companhia CRT foi sequestrado por terroristas iraquianos e enterrado vivo. Dentro do caixão, estão alguns acessórios. Entre eles, um celular com pouco sinal e bateria acabando. Em busca de socorro, Conroy esbarra na burocracia americana para sair vivo desta armadilha.

O sufoco dá lugar a revolta, já que Conroy (Ryan Reynolds, sempre ótimo) acha um vilão superior aos iraquianos rapidamente. É justamente neste ponto que a trama ganha o espectador. Cobras, a falta de ar ou a areia que em algum momento dominaria o caixão ficam para segundo plano. Cortés tem um alvo e o acerta em cheio. Ou quase isso.

Infelizmente Cortés tropeça diversas vezes em sentimentalismos baratos, talvez com a intenção de amenizar o seu discurso. Já tecnicamente, Enterrado Vivo é claustrofóbico como a cartilha pede, com planos fechados e etc. Entretanto, deixa a sensação de que o diretor não explora por inteiro às possibilidades de se filmar em uma locação apenas.  Cortés prefere a licença poética para utilizar diversos movimentos de câmera que não caberiam filmar dentro de um caixão.

Enterrado Vivo (Buried, Espanha/Estados Unidos, 2010) de Rodrigo Cortés

A REDE SOCIAL


Contar a história do Facebook talvez não seja a mais interessante e ousada aposta de David Fincher, entretanto vemos uma obra arrivista em relação ao futuro, sempre embutido em um imaginário que entroniza a tecnologia, vantajosa e promissora. O filme é comportado até demais dentro dessa temática, o que surpreende positivamente.

A teia psicológica que Fincher costura em A Rede Social leva seus efeitos até onde é possível. Coloca em medidas diversos gêneros dentro da trama, sem distorcer nada que o roteiro (baseado no livro “Bilionários por Acidente” de Ben Mezrich) lhe oferece. Por sinal, o diretor parece muito à vontade com o texto e menos preocupado com aspectos estéticos. A narrativa, sempre em flashbacks, permite que seus personagens sejam estereotipados, talvez para melhor assimilação das idas e vindas do tempo, que divide a história em si e os julgamentos por qual Mark Zuckerberg, o fundador do site passou por ser “espertinho”, digamos assim.

Fincher dispensa qualquer bandeira ou panfletagem em relação a comportamentos e ideais. Mesmo com todas suas limitações (convenhamos que é uma história que só tem seu charme por se tratar de um site que todo mundo utiliza), o cerne maior de A Rede Social é explorar como a ambição cresce conforme o ego e o status e, a análise batida, porém sempre necessária de que certas coisas o dinheiro não pode comprar.

A Rede Social (The Social Network, EUA, 2010) de David Fincher

O GAROTO DE LIVERPOOL


Longe de ser a cinebiografia definitiva de um dos maiores ídolos da música, O Garoto de Liverpool não ignora a importância do rock and roll para a vida e construção do caráter de John Lennon, mas tem foco em um período específico da vida do músico, para entendermos melhor como John transportava sentimentos em melodias e nas letras.

Em sua juventude, John foi exposto a disfuncionalidade de sua família, até então desconhecida e ofuscada por conta da presença de seu amado tio George. Ao mesmo tempo, o garoto conhecia o rock. Esta turbulenta época registrada pelas lentes de Sam Taylor Wood ganha uma potência absurda pelas atuações. Na mais simples sequência, é possível sentir que seu elenco parece cru o bastante para soar genuíno. Aaron Johnson mostra que pode viver a antítese do bobalhão vivido em Kick-Ass – Quebrando Tudo; Kristin Scott Thomas na pele da severa e protetora Mimi consegue explorar a dicotomica personalidade de sua personagem e parece domar a platéia a cada reação; Annie-Marie Duff poderia (ou deveria) ganhar indicações por melhor atriz coadjuvante como a “mãe” de Lennon.

Por esse período de descobertas e principalmente de escolhas, Taylor Wood ignora sensacionalismos e amarras em sua trama. No segundo ato fica bem claro que a intenção maior do diretor é deixar que o público crie as molduras de cada sequência, numa metáfora aos sentimentos e pensamentos do músico. Mesmo esbarrando em momentos rasos – e na insistência de mostrar toda insegurança de Lennon na pose de garoto malvado -, O Garoto de Liverpool rende cenas belas e arrasadoras enquanto apresenta o embrião dos Beatles.


O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy, Reino Unido/Canadá, 2009) de Sam Taylor Wood

VOCÊ VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS


Em perspectiva, o novo filme de Woody Allen parece uma releitura de Maridos e Esposas, aclamado filme do diretor nova-iorquino realizado em 1992. Você vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos celebra ironicamente o lado trágico das relações amorosas remetendo à época que o diretor usava as ruas de Manhattan como locações de seus filmes.

Com ajuda de elementos off-screen que o consagrou, Allen constrói um mosaico de situações contemporâneas – que ofuscam o choque do inusitado - para interligar personagens através de elementos tragicômicos ao contrário do drama de 92. Sem tropeços narrativos ou complexidades para representar diversas personalidades de seus personagens, o longa tem desenvolvimento fugaz e dinâmico. E lá estão todas as características que o diretor sustenta nos últimos anos, como o narrador, a presença de mágicos e videntes (O Escorpião de Jade e Scoop – O Grande Furo são alguns exemplos), a diferença de idade gritante entre os protagonistas (Tudo Pode Dar Certo) e o latente pessimismo que cerca toda a narrativa (O Sonho de Cassandra, Match Point).

Você vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos explora vias dicotômicas ao ser uma prazerosa comédia que se desenvolve muito bem com o conjunto de características que culminam no dito cinema autoral. Neste caso nada mais é o ato de identificar macetes da direção de Woody Allen, que não faz questão de se esquivar deste diagnóstico: desde os créditos iniciais até o fim do filme, nós sabemos exatamente o que vamos ver (e vemos há 45 anos) e saímos do cinema com a sensação de frescor, uma das grandes qualidades do cinema de Allen.

Você vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, EUA/Inglaterra/Espanha, 2010) de Woody Allen

MINHAS MÃES E MEU PAI


Assistir ao novo filme de Lisa Cholodenko (Arte e Amor) é uma constante no que diz respeito à identificação da intenção e pretensão. Ao desenvolver a história com personagens já moldados, estereotipados e levá-los a força à trivial humanização, a diretora tropeça muito mais nas pretensões.

São muitos clichês para serem adaptados ao retratar um casal homossexual bem sucedido que entram em crise ao conhecer o doador de sêmen de seus já crescidos filhos, estes que só acrescentam conflitos saturados ao roteiro de Minhas Mães e Meu Pai, mesmo representando o núcleo mais interessante da trama.

Agarrado a momentos de humor e na silenciosa e constante tensão sexual de seus personagens – realçada pelas ótimas atuações de Julianne Moore, Mark Ruffalo e Josh Hutscherson -, o desenvolvimento narrativo é funcional; entretém mesmo esbarrando nos almejos revolucionários (atrasados, convenhamos) da diretora.

Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, EUA, 2010) de Lisa Cholodenko

JACKASS 3D


Se existe um bom motivo para assistir a sequência de quadros com as tradicionais bizarrices do grupo Jackass (com boa parte formada por dublês ou artistas de circo) no cinema é como o diretor Jeff Tremaine resolve utilizar a “moderna” inserção do 3D no filme para chocar ainda mais o seu público. Mas no geral, Jackass 3D é uma versão requentada, sem tanta criatividade para passar dos limites do ridículo dos outros dois "filmes" do grupo.

A temática da adaptação da série exibida na MTV na última década já justifica a inserção ao absurdo através do 3D. Pode imaginar qualquer coisa (eu disse qualquer coisa!) voando pela tela e passando bem perto de seus olhos. Por outro lado, falta imaginação e criatividade na criação desses quadros. Já vimos Steve-O passando por, digamos, situações fisiologicamente grotescas e Johnny Knoxville sendo literalmente atropelado por um touro furioso. A graça acaba.

Em poucos momentos o grupo sabe brincar com a mesmice. Reconhece a saturação da fórmula e adapta suas velhas saídas para o riso. Funciona. Mas, desde sua ascensão nas MTV, Jackass só agrada um pequeno nicho. Tudo vai depender do seu gosto, paciência e estômago para ver o filme até o fim.


Jackass 3D (Idem, EUA, 2010) de Jeff Tremaine

SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO


As críticas a adaptação cinematográfica da HQ Scott Pilgrim contra o Mundo falam sobre o poço de referências e o culto a cultura geek, mas notei que poucos citaram como a transposição da identidade visual de pilares deste nicho como os videogames, programas de TV e os quadrinhos foram idealizados e construídos pelo diretor Edgar Wright. O filme tem a força da genuinidade por justamente se assumir como um conjunto de retalhos e criando, assim, uma nova identidade para uma história simples e uma divertida imersão num de jogo de adivinhação de onde cada tirada do filme vem.

Wright vai além dos enquadramentos e a divisão da tela para remeter às histórias em quadrinhos. Seus movimentos de câmera dão impressão de estarmos com a mesma noção de profundidade que temos ao ver/ler um gibi e no momento certo, manipula, inverte tudo que havia construído. Contemporâneo e peculiar, Scott Pilgrim parece voar e acontecer na velocidade que seu público responde mensagens via celular ao mesmo tempo em que capta a bagagem pop que o filme possui.

E o grande êxito de Scott Pilgrim é que nada é feito com o propósito de criar uma obra/produto com identidade a partir influências incrustadas, e sim criá-la baseada em pilares ou ícones de possível assimilação e reconhecimento do nicho, digamos, “homenageado”. E assim, Edgar Wright acerta mais uma vez e cria nova dimensão e interpretação da linguagem cinematográfica. Mesmo que crie barrigas no andamento do filme ao saturar a fórmula, ver o baixista nerd Pilgrim derrotar os ex-namorados de sua amada é divertidíssimo.

 
Scott Pilgrim contra o Mundo (Scott Pilgrim vs. the World, EUA/Canadá/Inglaterra, 2010) de Edgar Wright

ONDINE


Ondine é o paralelo entre a magia da infância e o pesadelo da vida adulta. Neil Jordan chega a arriscar algumas inserções de seu cinema, mas fica mesmo na cartilha batida de elementos que constroem um cenário fantástico. O filme conta a história do pescador Circus, que literalmente pesca a garota Ondine. A filha do pescador acredita que se trata de uma criatura do mar dando margem para criar alusões sobre a distância entre sonho e realidade.

Jordan conduz esse paralelo delicadamente por boa parte do longa, tanto que traça um limite claro para não ser ultrapassado, motivado pela abrangência de idade do público alvo que Ondine tem. Numa mesma sequência o diretor põe assuntos ditos delicados – com inteligência - como alcoolismo e sexo no mesmo patamar que contos de fadas e o imaginário infantil.

Às vezes essa tendência parece irregular e não é congruente ao ritmo do longa, que em seus minutos finais parece virar ao avesso para justificar uma saída mais real, reflexiva, mesmo que isso corra o risco de destruir toda aura fantástica do filme. Mas Jordan consegue contornar com clichês que nunca pareceram tão compatíveis com um roteiro.


Ondine (Idem, Irlanda/EUA, 2009) de Neil Jordan

MINHA TERRA, ÁFRICA


 Maria (Claire Denis) mora em um local devastado pela guerra civil. Em qualquer esquina, é possível ver rastros de violência. Ela tem uma plantação de café e se  mudar está fora de cogitação, pois alega ter laços sentimentais com o local. O café produzido por Maria, segundo os locais, não é consumido por eles. Esta é a saída para distorcer a visão sob a tensão racial em Minha Terra, África.

 O único canal que assume a voz dos “rebeldes” é uma estação de rádio que toca música jamaicana e assume postura radical sobre os conflitos. Maria e sua família, composta apenas por brancos podem atrair a segurança e reiniciar o banho de sangue. Maria representa a coragem. André, seu ex-marido, a submissão. O filho deles, a personificação da situação por completo. A linguagem cinematográfica de Claire Denis parece empacotada na plástica, mas não é. A câmera na mão seria uma saída fácil para aumentar essa tensão, mas nas mãos da diretora, o dispositivo serve para captar uma silenciosa catarse.

 Nas brechas é que a diretora constrói o emocional dos personagens e no último ato solta o pino da granada. Imprevisível e sem um senso de justiça – como a vida é – Denis explora os dois extremos da moeda. Não existe bandido e mocinho. Muito menos o que é certo e errado numa guerra onde a tensão racial está acima de qualquer ato. Ordinário apenas na casca e por alimentar uma narrativa linear, o longa guarda em muitas sequências sugestões para bons e longos momentos contemplativos.

 
Minha Terra, África (White Material, França, 2009) de Claire Denis

OS AMORES DE UM ZUMBI


Pouquíssimos são os filmes produzidos no Haiti. Chegar por aqui é quase um milagre. Os Amores de um Zumbi comprova tal fato, com salas lotadas nas exibições na 34ª Mostra de Cinema de São Paulo. E o diretor Arnold Antonin parece correr contra o tempo e utilizar o dispositivo para fazer um afobado panorama sobre o país.

Com pouquíssima infra-estrutura, o longa elimina a decupagem e trabalho de câmera. O que dá pra fazer, Antonin executa. Só que é muito importante para o andamento do filme saber se o diretor está levando sua história a sério. E parece uma arma do diretor brincar com essas intenções. Dentro da história de amor regido por um zumbi e uma mulher que vive em dúvida entre seus desejos ou a doutrina religiosa, Antonin vai do protesto político ao completo deboche com sua falta de estrutura e seus atores totalmente despreparados.

Nesta dicotomia, o Haiti é desconstruído através de hábitos e tramóias de políticos, sem deixar que a bizarra historinha de amor seja deixada em segundo plano. É uma pena, já que essa ausência de preparo da equipe só impede que o filme se desenvolva sem tantos problemas de ritmo. Em certa altura, fica mais interessante saber se Os Amores de um Zumbi é uma bobagem gigantesca ou um pequeno achado.

Os Amores de um Zumbi (Les Amours D'Un Zumbi, Haiti, 2009) de Arnold Antonin

Weapons (Zach Cregger, 2025)

Não demora muito pra Weapons assumir-se como um comentário político e menos ainda para jogar às claras que se trata de um jogo semiótico p...