Começa nesta quinta-feira (27) a maratona para os fãs de cinema do Rio de Janeiro. Entre os 400 filmes selecionados para o Festival do Rio, apenas seis fizeram parte da seleção oficial de Cannes - fato proveniente do ineditismo da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que impossibilita a exibição de filmes nos dois eventos. Com destaque para Pietá, de Kim-Ki Duk (vencedor do Festival de Veneza), Moonrise Kingdom, de Wes Anderson (filme de abertura de Cannes), César Deve Morrer de Paolo e Vittorio Taviani (Urso de Ouro no Festival de Berlim) e Indomável Sonhadora (vencedor do Festival de Sundance), para citar alguns, o Festival do Rio estará em cartaz até o dia 11 de outubro. E nós já vimos alguns filmes da programação. Confira os comentários:
WOODY ALLEN – UM DOCUMENTÁRIO (Woody Allen – A Documentary, EUA, 2011) de Robert B. Weide
Através do modelo documental televisivo, Weide tenta ao máximo aproximar o diretor neurótico ao público que o adora; o esforço é nítido e isso logo se transforma no êxito do longa. Acompanhamos filme a filme – sem muitos detalhes por parte de Allen, há não ser, claro, o autodepreciamento – a ascensão de um comediante a mito cinematográfico. Pela longa duração e a mesmice metodológica, o documentário não escapa do atrofiamento rítmico.
★★★
ELETRICK CHILDREN (Idem, EUA, 2012) de Rebbeca Thomas
De conceito híbrido, Rebbeca Thomas une os dois extremos pelo tom fabuloso para resgatar o espírito de liberdade oitentista/noventista e a necessidade da quebra de paradigmas. A sensibilidade barroca de Thomas joga a favor do registro de uma época. Funciona em boa parte do tempo, mas não foge da redundância.
★★★
MOONRISE KINGDOM (Idem, EUA, 2012) de Wes Anderson
Envolto da estética característica dos filmes de Wes Anderson - muitas cores, ligação direta à maquetes e desenhos animados aliados à persona caricatada de personagens, Moonrise Kingdom faz o paralelo do sonho juvenil ao pesadelo da vida adulta através do sonho de casamento de jovens que vivem o primeiro amor, daqueles puros e simples. O longa é encantador em todos os aspectos, mas não foge da mesmice e deixa claro que Wes Anderson necessita de renovação para filmes vindouros.
★★★
O SEGREDO DA CABANA (The Cabin in the Woods, EUA, 2012) de Drew Goddard
Toda polêmica que ronda o longa de Drew Goddard vem do clássico do "ame ou odeie". O Segredo da Cabana aos poucos se revela como um filme sobre o gênero ao invés de ser mais um na lista de filmes de terror. E lá estão referências de filmes, personagens, diretores, eixos básicos narrativos como o azar, o sadismo ou a dor e, claro o perfil do público. O mais delicioso é como Goddard abraça um dos maiores pilares do gênero - o humor - e deixa o ar de dúvida se devemos realmente levar o quebra-cabeças a sério. Independente de sua decisão, verá um filme e tanto.
★★★★
TWIXT (Idem, França, 2011) de Francis Ford Coppola
O que surpreende em Twixt é como Coppola não se intimida com o tom fabuloso para homenagear Edgar Allan Poe. Extremista, tudo pode soar de gosto duvidoso no filme - inclusive o argumento -, mas é simples entrar na dança sugerida pelo diretor: use a noção de espectador para o lado leitor e vice-versa. E assim, narrativa e estética farão sentido.
★★★
UM HOMEM ADORÁVEL (Lovely Man, Indonésia, 2011) de Teddy Soeriaatmadja
Transpassando o clássico conflito paternal/maternal para os dias de hoje, Teddy Soeriaatmadja usa a pensão e um pai travesti que se prostitui para pagar as contas da filha como catalisadores. Preso aos diálogos, muitos deles em forma de pregação, a noite que desenvolve o filme se esmaece conforme cresce a previsibilidade na relação entre pai e filha. Ambos possuem características marginais em extremos e comportamentos opostos, porém, de forma particular, não escondem a dor do cotidiano.
★★
LEÕES (Leones, Argentina/França/Holanda, 2012) de Jazmín Lopez
Onírico e construído em boa parte por lentos planos-sequência, Leões guarda a angústia adolescente ao largar literalmente seus personagens numa floresta, local próximo a um acidente automobilístico. Lá, estão os mistérios da vida adulta, os excessos da juventude e as brincadeiras da infância. Remetente aos conflitos à forma de Vittorio de Sica – monstro em forma de lentidão -, Jazmín Lopez mostra potencial para abordagens transgressoras ao senso dramático e desenvolvimento narrativo principalmente por conta dos limites do tempo e espaço em cena, privilegiando a atmosfera, a intensidade e a experiência sensorial.
★★★
O LIVRO DO APOCALIPSE (Nryu Myeongmang Bogoseo, Coréia do Sul, 2012) de Kim Jee-Woon e Yim Pil-sung
Cristo, Buda e alienígenas servem de suporte para o exercício da fina ironia dentro do estudo sobre o fim dos tempos. Pragas, a doentia relação do homem com as máquinas (criador vs. criatura) e, claro, o terror declarado sobre o fim do mundo, aonde nenhum deus chegará e sim uma bola de sinuca gigante. Por ser dividido em três capítulos diferentes, o longa não escapa da redundância do assunto, mas garante boas alusões.
★★★
CÉSAR DEVE MORRER (Cesare Deve Morire, Itália, 2012) de Paolo e Vittorio Taviani
Na encenação de Júlio Cesar de Shakespeare com detentos de uma penitenciária de Roma, Paolo e Vittorio Taviani estudam a gênese da direção de atores e da mise en scene e as diversas facetas históricas da Itália. A entrega dos detentos, a mudança do cotidiano e a colisão natural e densamente dramática entre realidade e ficção potencializada pelo método documental, de cortes bruscos e inserções poéticas com mudanças entre cor e preto e branco e diálogos direcionados à câmera fazem deste exercício uma experiência singular. Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim.
★★★★★
Remetente à aura anárquica dos primeiros longas de Pedro Almodóvar, Los Chidos também abraça os cenários coloridos e lisérgicos para abordar com humor negro a relação entre México e Estados Unidos. O filme de Omar o coloca direto no posto de novo autor que passeia por gêneros e mostra abrangência em sua ótica em comparação ao esquizofrênico O Assassino Sentimental de Máquinas. Los Chidos nada mais é que o reforço de sua identidade latina ante a força americana imposta pela cultura capitalista.
★★★
Realizador desde os 14 anos de idade, com diversos projetos ambiciosos para os padrões do cinema independente e conhecido pelo projeto A Trick of Light ao lado de Wim Wenders, Veit Helmer faz de Baikonur um filme sem norte. Fora a referência do abismo existente entre o avanço da Rússia e a estagnação do Cazaquistão (foguetes e camelos), o filme de Helmer é a tentativa de unir romance aos nuances de ficção e história sem êxito. Perde em ritmo e conteúdo.
★
A ÚLTIMA VEZ QUE VI MACAO (Idem, Portugal, 2012) de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
Do conceito oriundo da videoarte e de instalações, o filme-documento que aborda o fim da identidade numa cidade que sofre catarses diárias como Macao, que foi colônia portuguesa e hoje pouco traz do país dos realizadores prende-se ao papel do narrador como maior justificativa para trazer o sentimento de nostalgia, espiritualidade e antes de tudo, urgência para um país superpovoado e que cresce de forma incontrolável. A idéia, porém, não sustenta a sequência de simbolismos e alusões políticas e poéticas.
★★
OVO E PEDRA (Jidan He Shitou, China, 2012) de Huang Ji
A tragédia anunciada na primeira cena de Ovo e Pedra serve de trampolim para a desconstrução poética envolvendo conflitos de uma jovem num país que ainda sofre consequências de um regime ditatorial. A superpopulação exige o aborto, a religião (homens?) a condena e aponta o pecado; o dinheiro é preciso, a família não; lá está o peso da necessidade de fugir para a cidade e trabalhar ou reiniciar tudo. A diretora Huang Li, 28 anos, abraça a escuridão e silhuetas e coloca sua protagonista, Honggui, como representação de uma cultura. Ou melhor, vítima de uma cultura.
★★★★
NÓS E EU (The We and The I, EUA, 2012) de Michel Gondry
O que a priori aparenta ser o resgate da aura abandonada por Spike Lee nos idos dos anos 90 aos poucos se revela como a desconstrução plurilateral do cotidiano da juventude do Bronx, representada por imigrantes e negros. Usando um ônibus como espaço de ação, Gondry coloca a insegurança e a inconsequência juvenil no mesmo patamar para análise envolta de muito bom humor.
★★★★
UM POUCO ZOMBIE (A Little Bit Zombie, EUA, 2012) de Casey Walker
Tudo o que um terrir deve ter o filme de Casey Walker têm: péssimas atuações, argumento ruim e exageros. Porém, Um Pouco Zumbi também possui algo que estraga qualquer filme: roteiro previsível. E quando se trata de um escracho total - a transformação de um homem em zumbi que entra em conflito existencial - de um gênero, faltam referências e acima de tudo, ousadia.
★★
ALÉM DOS MUROS (Hors Les Murs, Bélgica/Canadá/França, 2012) de David Lambert
O debut de David Lambert (conhecido pelo roteiro de A Regata) consiste nos sintomas comuns de uma relação através do ponto de vista pessimista. Rejeição e arrependimento espelham a relação de Paulo e Illir, que, em tempos diferentes, tiveram que renunciar a antiga vida para continuar, sem se importar com a sintonia – seja afetiva ou narrativa por se abster da câmera como pilar linguístico.
★★
EU TAMBÉM (Ja Tozhe Hochu, Rússia, 2012) de Alexey Balabanov
O papel de um dos cineastas que mais provocam e instigam a audiência russa continua vivo para Alexey Balabanov. Dessa vez, o longa - uma gigantesca metáfora sobre o purgatório - pauta a incansável busca pela felicidade, a submissão ao pessimismo e como o ego pode destruir a vida de uma pessoa. Pinceladas de humor e tom fantástico dão ao filme o humanismo necessário para um realizador acostumado a ser cru.
★★★★
Ótima cobertura! Me fez ficar com ainda mais vontade de morar no Rio de Janeiro. Abraços!
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