Festival do Rio (Parte 3)

Na correria entre um filme e outro - e ainda trabalhar -, o melhor dos tempos de Festival do Rio é encontrar os amigos e discutir, mesmo que rapidamente, os filmes vistos. A lista abaixo de certa forma reflete estes comentários. Para quem não leu as outras duas partes, clique aqui.

Viagens Noturnas com Jim Jarmusch (Travelling at Night With Jim Jarmusch, França/Marrocos, 2014) de Léa Rinaldi

Léa Rinaldi acompanha o processo de filmagem de Only Lovers Left Alive, último filme de Jim Jarmusch e no geral amplia a impressão de metodologia e ideologia do diretor. Vemos através da relação do diretor com seus atores um tipo de segurança no diálogo do filme com o espectador através da simplicidade, e assim se dá o documentário de Rinaldi. Observacional, distante e como contraponto, emula a aura de intimidade que o set noturno traz para a equipe.

O Fim de Uma Era (Idem, Brasil, 2014) de Bruno Safadi e Ricardo Pretti

Celebração máxima à Belair. Se Uivo da Gaita e O Rio Nos Pertence pareciam tributos em diferentes formas à produtora de Bressane e Sganzerla, este é uma declaração de amor - e com todos seus conflitos - ao período particular para o cinema nacional. Entregue à montagem, feito de recortes de making of dos dois filmes citados, O Fim de Uma Era ecoa os princípios básicos de seus homenageados.

O Presidente (President, Geórgia, 2014) de Mohsen Makhmalbaf

Makhmalbaf recorta O Presidente de forma que torna este o seu filme mais acessível dos últimos anos. Entre a ironia e a tragédia, o processo de conscientização de um ditador tem dupla função ao expor seu personagem às mazelas sociais embutidas em uma trama de fuga que vaga pela ternura e o discurso social.  Como o filme está apoiado nos contratempos desta fuga, em alguns pontos há a tendência de se inclinar a certos personagens como forma de marcar a trajetória do protagonista. Elas servem mais como respiro em sua totalidade para um assunto tão pesado.

O Cheiro da Gente (The Smell of Us, França, 2014) de Larry Clark

Ainda que o filme se encaixe na ideia de cinema-fetiche de Larry Clark com jovens skatistas, drogas e sexo, O Cheiro da Gente é o mais próximo de uma epítome da carreira do diretor, aglutinando vídeos de skate, fotografia, punk rock, desfiles de moda e claro, a subversão adolescente, sem preocupação em seguir uma linha narrativa.

Mommy (Idem, Canadá, 2014) de Xavier Dolan

A preocupação de Xavier Dolan em Mommy é criar ápices baseados em supostos estados de espírito - boa parte deles numa espécie de gangorra emocional. O diretor os equivale a suspiros em uma trama de microescala, em ambientes fechados, reforçando a pobre metáfora da janela de exibição "1:1" para salientar à asfixia. Portanto, Mommy se resume às superficiais explosões emocionais - repito, ou se está na cova ou no céu - com "alívios" justificados por canções que parecem deslocar os personagens do mundo hostil em que vivem.

Casa Grande (Idem, Brasil, 2014) de Fellipe Barbosa

O filme de Fellipe Barbosa é uma aula de organicidade na análise social com questões existenciais a partir do escopo juvenil.  Tudo aqui parte da insuficiência - de manter o alto nível de vida após a falência da família em diversos aspectos, de se tornar um homem, se expressar e de ser amado, novamente, em diversos aspectos. Em outro extremo, Fellipe Barbosa coloca a relação empregado/patrão como base para o desenvolvimento de todo arco dramático do filme.  O encontro destes dois extremos compõe uma das cenas mais bonitas do ano.

Cavalo Dinheiro (Idem, Portugal, 2014) de Pedro Costa

O velho Ventura de Juventude em Marcha e Doce Exorcismo serve novamente como catalisador e narrador de um tempo de injustiças. Através da segunda morte (o encontro do passado com o presente), levando o protagonista a uma espécie de purgatório onde a - também tradicional - penumbra e as lembranças o atordoam como demônios. Cavalo Dinheiro é um filme muito simbólico para o cinema de Pedro Costa e o terreno a ser percorrido futuramente, principalmente sobre a fluidez e construção do raciocínio político, tão pertinente e que nunca tira (ou tirou) os pés do campo artístico.

O Preço da Glória (La Rançon de la Gloire, França, 2014) de Xavier Beauvois

Beauvois larga seus princípios básicos de dramaturgia e entrega um filme agridoce sobre personagens típicos de uma comédia de erros que fazem o contraponto de uma jornada que se inicia na morte. O morto, no caso, Charles Chaplin, será o salvador para diversas histórias que tem o fim iminente. E assim Beauvois faz um filme muito prático sobre o desespero que a crise, independente do país e do tempo, emula com a moral.

Listen Up, Philip (Idem, EUA, 2014) de Alex Ross Perry

À priori este parece uma evolução comum de The Color Wheel, filme anterior de Alex Ross  Perry, principalmente por subverter a noção da vida dos personagens no andamento do filme. Porém a maneira que se apresentam e principalmente se desenvolvem extermina qualquer possibilidade de entretenimento e força o público a tomar outra postura referente ao filme. Ou você o boicota - conforme Philip faz com a vida - ou tenta absorver este mundo regido por utopias e asfixiado por longos closes.

Infância (Idem, Brasil, 2014) de Domingos Oliveira

Domingos faz um baluarte de sua infância em um retrato afetivo feito em monocórdio, já que as falhas da família são fadadas ao esquecimento e os conflitos devem ser logo exterminados. Quando enfim quebra a quarta parede, o filme mostra então um norte que seria a compreensão do "além câmera" e aí sim uma relação mágica com a nostalgia. Mas estamos nos créditos finais.

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