Ventos de Agosto (Gabriel Mascaro, 2014)



A relação a partir de extremos na filmografia de Gabriel Mascaro que se aproximam a cada filme – ainda que Doméstica (2013) ofereça espaços para se discutir o oposto – chega ao seu limite em Ventos de Agosto. A noção que se ultrapassa fronteiras entre o caráter documental e a ficção em seu feitio não é novidade desde Avenida Brasília Formosa (2010), mas a maneira com que Ventos de Agosto dialoga com a forma de produção é interessante; narrar o falso e observar a verdade com o que se encontra pelo caminho, como Eduardo Coutinho fez, integralmente verdadeiro, em O Fim e o Princípio (2005). 

Há em cada quadro do filme a consciência que os limites entre qualquer consideração envolvendo o moderno e o primitivo devem ser colocados abaixo. Na mesma maneira há a imposição de um olhar que construa um macrocosmo a partir das motivações e pensamentos exibidos. O que se apresenta rapidamente é uma rotina pacata que evoca o conformismo em diálogos curtos (o embate entre avó e neta sobre seus destinos, por exemplo) ou a sensação de dever comprido após um dia de trabalho. Ao redor do paraíso há a dor pulsante e o silencio que corta para os que almejam ir para o outro extremo do caos. 

Ventos de Agosto parte de dicotomias muito simples que exigem a interpretação do micro como eixo de expansão de um sentimento mútuo, ainda que seja de um mundo particular, muito afastado, onde nem a polícia consegue chegar. Shirley cuida da vida, se preocupa com o que há lá fora em momentos de extrema contemplação, com seu corpo e com uma suposta carreira de tatuadora. Jeison está em fuga, sempre embaixo d’água ou concentrado com seu trabalho. Os extremos se encontram literalmente dentro da maior fonte de renda do vilarejo: os cocos. 

A presença de Gabriel Mascaro como personagem e catalisador destes extremos serve como fina ironia – ele é o que expõe o diálogo com o “acaso”, no qual o personagem se relaciona com moradores do vilarejo, vê e ouve a ação da natureza e causa estranheza por sua profissão de “captador do vento”. A presença do captador de ventos dá o sentido de preservação de Shirley, que se amplifica a cada quadro em que Jeison é protagonista. Ele está obcecado pelo que é estabelecido, pela necessidade de cumprir sua tarefa, de realizar um dever subentendido como seu. Há nesta obsessão o espaço suficiente para discutir a invasão do pensamento urbano acerca dos deveres de cidadania e o fim de uma cultura de entrega às divindades, ainda que se mostre presente, mas prestes a diluir. 

Shirley é o desejo oposto; não se conforma, usa a imaginação e os porcos como cobaias para alçar voo, claro, sem nunca sair do lugar. Se o vento serve de catapulta para a exposição de desejos e da opressão, Mascaro faz questão de mostrar que redemoinhos sempre se formarão, mesmo quando o limite é ultrapassado, quando as montanhas ao redor são vencidas, ou até mesmo quando a morte insiste em aparecer. Se faz desta maneira um conto muito singelo sobre conformismo e resistência, onde o vazio e o silêncio servem de amplificadores para um grito que somente fones de ouvido podem captar. 

Ventos de Agosto (Idem, Brasil, 2014) de Gabriel Mascaro

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