A relação a partir de extremos na filmografia de Gabriel Mascaro
que se aproximam a cada filme – ainda que Doméstica (2013) ofereça
espaços para se discutir o oposto – chega ao seu limite em Ventos de Agosto.
A noção que se ultrapassa fronteiras entre o caráter documental e a ficção em
seu feitio não é novidade desde Avenida Brasília Formosa (2010), mas a
maneira com que Ventos de Agosto dialoga com a forma de produção é
interessante; narrar o falso e observar a verdade com o que se encontra pelo
caminho, como Eduardo Coutinho fez, integralmente verdadeiro, em O Fim e o
Princípio (2005).
Há em cada quadro do filme a consciência que os limites entre
qualquer consideração envolvendo o moderno e o primitivo devem ser colocados
abaixo. Na mesma maneira há a imposição de um olhar que construa um macrocosmo
a partir das motivações e pensamentos exibidos. O que se apresenta rapidamente
é uma rotina pacata que evoca o conformismo em diálogos curtos (o embate entre
avó e neta sobre seus destinos, por exemplo) ou a sensação de dever comprido
após um dia de trabalho. Ao redor do paraíso há a dor pulsante e o silencio que
corta para os que almejam ir para o outro extremo do caos.
Ventos de Agosto
parte de dicotomias muito simples que exigem a interpretação do micro como eixo
de expansão de um sentimento mútuo, ainda que seja de um mundo particular,
muito afastado, onde nem a polícia consegue chegar. Shirley cuida da vida, se
preocupa com o que há lá fora em momentos de extrema contemplação, com seu
corpo e com uma suposta carreira de tatuadora. Jeison está em fuga, sempre
embaixo d’água ou concentrado com seu trabalho. Os extremos se encontram
literalmente dentro da maior fonte de renda do vilarejo: os cocos.
A presença de Gabriel Mascaro como personagem e catalisador
destes extremos serve como fina ironia – ele é o que expõe o diálogo com o
“acaso”, no qual o personagem se relaciona com moradores do vilarejo, vê e ouve
a ação da natureza e causa estranheza por sua profissão de “captador do vento”.
A presença do captador de ventos dá o sentido de preservação de Shirley, que se
amplifica a cada quadro em que Jeison é protagonista. Ele está obcecado pelo
que é estabelecido, pela necessidade de cumprir sua tarefa, de realizar um
dever subentendido como seu. Há nesta obsessão o espaço suficiente para
discutir a invasão do pensamento urbano acerca dos deveres de cidadania e o fim
de uma cultura de entrega às divindades, ainda que se mostre presente, mas
prestes a diluir.
Shirley é o desejo oposto; não se conforma, usa a imaginação e
os porcos como cobaias para alçar voo, claro, sem nunca sair do lugar. Se o
vento serve de catapulta para a exposição de desejos e da opressão, Mascaro faz
questão de mostrar que redemoinhos sempre se formarão, mesmo quando o limite é
ultrapassado, quando as montanhas ao redor são vencidas, ou até mesmo quando a
morte insiste em aparecer. Se faz desta maneira um conto muito singelo sobre
conformismo e resistência, onde o vazio e o silêncio servem de amplificadores
para um grito que somente fones de ouvido podem captar.
Ventos de Agosto
(Idem, Brasil, 2014) de Gabriel Mascaro
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