A escritora e cineasta Susan Sontag (1933-2004) afirmou àqueles que não tinham problemas com as telas menores que seria possível resgatar a história do cinema e que a cinefilia um dia viveria sem a dependência do sistema de distribuição de filmes. É possível o encontro genuíno com o cinema através da tela pequena. Hoje, a plataforma de Video On Demand encurtou o caminho entre o espectador e a obra - e traz consequências boas e ruins, bom lembrar - e possibilita o lançamento de muitos filmes que não chegariam aos cinemas por seu conteúdo ou por problemas crônicos na distribuição e exibição de filmes no Brasil.
Comentários sobre os principais lançamentos em V.O.D no Brasil recentemente:
O debut diretorial de Jason Bateman em longas-metragens utiliza criatividade para representar a necessidade da figura paterna para uma criança. Por outro lado, faz da gratuidade que rege a vida do protagonista a escada para o humor, que rapidamente se satura sem grandes momentos.
Predestinação (Predestination, EUA, 2014) de Michael e Peter Spierig
Em fórmulas opostas os irmãos Spierig adaptam "All You Zombies" de Robert Heinlein em duas partes; a primeira metade é um bom exemplar de como cercar um gênero com uma matemática simples (planos, contra-planos, planos gerais) e a narrativa em retrospecto. A segunda, o filme enfim se torna o gênero em questão: um thriller futurístico que pauta a ação do tempo e a noção de existência/consciência com a nítida preocupação da função de cada meandro da mensagem, mas sem qualquer pudor sobre sua feitura. Plano ousado que exige certa passividade do espectador.
Operação Invasão 2 (The Raid 2, , 2014) de Gareth Evans
A ousadia de Gareth Evans no primeiro Operação Invasão com sequências intermináveis de ação privilegiando a câmera e coreografia traz neste segundo filme uma mudança drástica no arquétipo. As longas sequências continuam, desta vez dando o pedestal à trama e em seguida, aos personagens. Evans sai do posto de maior comandante, dando o lugar ao seu protagonista. Pela longa duração, o filme se esvazia na busca de referências ao cinema de ação - perseguições de carro, brigas em cozinhas, etc.
Éden (Idem, Brasil, 2012) de Bruno Safadi
Filme de proposta ambivalente, Éden se opõe à lucidez, seja pela representação e exposição de emoções através de cultos na igreja protestante que batiza o filme ou no conflito vivido por Karine (Leandra Leal), grávida e destinada a viver sem o pai de seu filho. Neste campo, Bruno Safadi evita sensibilidades – rumo comum nesta temática -, mas não cria norte para a trama; Éden deixa de ser narrativa para ser a desconstrução de momentos de fuga, da catarse emocional de Karine, sempre rodeada de incertezas, pois o que se vê é o terror, ao contrário da esperança pregada pelo pastor Naldo (João Miguel). Pela postura social da igreja do Éden e seu plano de resgate e reconstrução de famílias, o filme de Safadi, apesar de sua postura imageticamente existencialista – e intensamente dogmática -, em nenhum momento questiona os paradigmas da justiça, centro da discussão do filme, pois seja na comunidade ou na igreja, de forma dicotômica, é nela que muitos se apoiam para almejar o futuro .
Estação Liberdade (Idem, Brasil, 2013) de Caíto Ortiz
Exemplar de inibição de ação e tempo na tentativa de fazer um filme mais sensorial que sugestivo. O filme de Caíto Ortiz de nada parece com seu prólogo frenético que esbarra em um video clipe. A jornada de redescoberta que se refere à lisergia de Millenium Mambo (Hou Hsiao-Hsien, 2001) está sempre em declínio e sem um fim definido. Antes que o fundo do poço alcance o protagonista, chega, enfim, o maior acerto do filme - a média entre drama e a insinuação de um mundo devastado.
Desejos da Tarde (Afternoon Delight, EUA, 2013) de Jill Soloway
O clássico conflito envolvendo o encontro de personagens marginais a núcleos supostamente misciveis desta vez vem na figura de uma prostituta freelancer que trabalha de babá para um casal modernoso com a vida sexual dormente. O filme de Soloway entrega sequências constrangedoras por seguir uma fórmula - ilustrar a insatisfação de todas as maneiras possíveis pela ótica da esposa Rachel (Kathryn Hahn), esquecendo diversas vezes da figura da "antagonista".
Busca Alucinante (Pawn Shop Chronicles, EUA, 2013) de Wayne Kramer
Busca Alucinante passou anos nas mãos de Fred Durst (A Educação de Charlie Banks ou se preferir, vocalista do Limp Bizkit) até que saísse do papel com Wayne Kramer (No Rastro da Bala) na direção. Este tempo justifica como o filme está datado à estirpe da década passada, com humor tendencioso e violento para estudar a ainda pungente cultura white trash americana e narrado através de uma cadeia de encontros e desencontros. Apoiado em estereótipos e estética tão saturada quanto sua forma, a impressão é que Busca Alucinante não passa de um pastiche de segunda categoria.
Detalhes (The Details, EUA, 2013) de Jacob Aaron Estes
Jacob Aaron Estes, que outrora fez o ótimo Meancreek, faz o paralelo sutil com a sociedade americana através do conto de um homem consciente de seus atos e principalmente das consequências e com certa ansiedade de que a justiça seja feita - ou anseio pelo autoboicote e o caminho para um recomeço puro.
Sabotagem (Sabotage, EUA, 2014) de David Ayer
Sabotagem se resume a um descontrole completo de David Ayer na forma e resolução de um filme que acaba num protótipo de resgate das carreiras de Schwarzenegger, Sam Worthington e Terrence Howard sem a mesma maestria e humor de Stallone e cia. em Os Mercenários, em especial o segundo filme. Sabotagem se leva a sério demais em uma trama mínima - que raramente é lembrada e encostada na suposta força dos personagens - e na justaposição das sequências de ação que surpreendentemente são mínimas.
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