Aconteceu na
última semana na sala 4 do Espaço Itaú de Cinema do Rio de Janeiro a oitava
edição da Semana dos Realizadores. Sempre relevante na função de traçar um
panorama do cinema contemporâneo brasileiro e a formação de um olhar através de
debates e retrospectivas, deste ano dedicadas ao Cachoeira.Doc e à cineasta
Marília Rocha. O prêmio de melhor filme deste ano foi para o curta-metragem Estado Itinerante de Ana Carolina Soares
e o prêmio especial do júri para Elon Não
Acredita na Morte de Ricardo Alves Jr.
Comentários sobre
os longas-metragens vistos na Semana:
ARACATI (Julia De
Simone e Aline Portugal)
Aracati
nos primeiros momentos parece como um filme de James Benning, propenso à
catalogação do tempo e imagem, porém toma proporções gigantescas ao investigar
o que há por trás de cada quadro e com a permissão gradual da palavra. Em
momentos remete a O Fim e o Princípio
de Eduardo Coutinho pelas interferências do acaso e da força dos depoimentos e
pela latente presença do luto numa espécie de regresso ao que lhe é posterior;
uma antevisita ao apocalipse.
BEDUINO (Julio
Bressane)
Entre Educação Sentimental e Memórias de um Estrangulador de Loiras
(este, literalmente), Bressane faz um filme de (re) imaginação, de entranhas,
um segundo filme sexual. Alessandra Negrini (esplêndida) e Fernando Eiras
servem de eixo sobre a culpa, poder, submissão e liberdade - esta que reflete
em Bressane que vai do cinema clássico ao experimental, das colagens à
narrativa sempre inclinado à força da
mise en scène.
CARNÍVORA (Arthur
Tuoto)
O filme americano
de Tuoto. Ficção científica que incita o poder da palavra e da imagem separadamente
e como elas podem ter significados tão distintos quando se juntam - por se
tratar de um filme de apropriação e remontagem trata-se sobre uma discussão
sobre o seu entorno - o cinema.
A CIDADE ONDE
ENVELHEÇO (Marília Rocha)
Filme que
transpassa os alicerces de A Falta que me
Faz (2009) para a ficção - a relação com o lugar que se vive e as
rachaduras em relações interpessoais baseadas no cotidiano. O tempo,
talvez a mais importante coluna do filme, revela em paralelo, sem espaço para dramaticidade,
sua condição volátil como molde definitivo para a vida. Impressiona a
direção de atores e controle narrativo por parte de Marília Rocha.
ELON NÃO ACREDITA
NA MORTE (Ricardo Alves Jr.)
Filme ideal para
sessão dupla com "Rifle" de Davi Pretto. Suspenso pela forma de
composição moderna, o longa tenciona à instabilidade - emocional e social - num
jogo sensorial, mais inclinado a este estado que às respostas que um roteiro
clássico exigiria. Eis um doloroso processo
de desaparecimento em que boa parte do tempo Ricardo Alves Jr. despudoradamente
exibe o fim do túnel.
GUERRA DO PARAGUAY
(Luiz Rosemberg Filho)
Rosemberg segue o
caminho tomado no seu retorno aos longas em Dois
Casamento$ (2014). Guerra do Paraguay
mostra Rosemberg mais incisivo e verborrágico, inclinado à dramaturgia para
seguir o panfleto crítico e pessimista sobre a sociedade, desta vez expostos
por um criativo encontro atemporal entre guerra e arte.
MUITO ROMÂNTICO
(Gustavo Jahn e Melissa Dullius)
Inventivo catálogo
de sensações sobre uma crise matrimonial. Por se tratar de um filme dirigido por
atores, surpreende o fato da frouxidão dada às atuações e a palavra, entregando
o filme aos gestos e performances extraordinárias ao cinema.
OS PÁSSAROS ESTÃO
DISTRAÍDOS (Diogo Oliveira e João Vieira Torres)
Um grande
exercício de quebra de convenções de linguagem feito na base da repetição -
planos, métodos, conversas. O filme carrega uma dose forte de empatia que ao
encontro dessas intenções e alegorias cinematográficas produzidas por Diogo
Oliveira e João Vieira Torres cria uma espécie de fábula dentro da tortuosa
rotina.
RIFLE (Davi
Pretto)
Exercício de
tensão sob um arquétipo moderno, com um jogo de planos gerais e closes, tempos
mortos e guiado pela paranoia. A imersão sugerida por Davi Pretto acerca da
dualidade entre rural e urbano, identidade e território parte também de um
extremo: enquanto seu discurso é incisivo como aura, o filme esmaece a cada
insistência.
SUTIS
INTERFERÊNCIAS (Paula Gaitán)
Um filme No Wave
para Arto Lindsay. E nada mais adequado que isso. Uma espécie de Blank Generation (Amos Poe, 1976)
avant-garde. Dissonante jam visual que cria uma bolha de atmosfera com
surpreendente controle por parte de Gaitán. Um filme de arte e entranhas.
TAEGO ÃWA
(Henrique e Marcela Borela)
Se em Conversas no Maranhão (1983) Andrea
Tonacci entregou o filme à linguagem que os índios Timbira escolheram para
o momento - uma conversa, depoimentos, o
cotidiano ou momentos de crise da tribo, Taego Ãwa é o complemento ideal ao filme de Tonacci. Os
índios que batizam o filme também dominam o dispositivo na forma de resgate,
afirmação e legado com sensibilidade por parte de Henrique e Marcela Borela,
que usam imagens de arquivo, do tempo dos diretores na aldeia e breves
depoimentos para sintetizar que nada mudou em relação à Funai e suas duvidosas
manobras.
O ÚLTIMO TRAGO
(Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Pedro Diogenes)
O Anti-Western
Alumbramento. Um filme de comunidade que se passa em um bar que John Wayne
reinaria e faria suas vítimas ao redor. E são dessas vítimas que o filme se
trata e dá a salvação: índios, negros e principalmente mulheres são catalisadores
de uma revolução, enquanto os Pretti e Diogenes os colocam como protagonistas
em um gesto muito claro sobre o que e para quem é o filme.