Sleep
Has Her House abre com o aviso que é necessária
completa escuridão para acompanhar o filme. Não se trata de um pedido e sim de
uma imposição. Ela vai de encontro às condições que os filmes são vistos hoje,
muitas vezes amputada por um aviso do telefone celular, desconexa e
desconcentrada. A experiência necessita desta condição extratela. Tal aviso se
completa com a cartela que norteará o filme dirigido por Scott Barley: a
relação com ilusão e desaparecimento. O que está por vir é uma viagem sensorial
com diálogo pré-estabelecido com uma espécie de mundo reconhecível e com
diálogo direto com o cinema digital.
São paisagens, mas
antes de tudo, formas. Elas ganham novas proporções e significados conforme
passam pelo processo de mutação. São montanhas, mas podem ser fantasmas. O tom
onírico dessas paisagens elevam a sensação de desespero e significado do espaço
filmado/criado. Assim como James Benning, Jem Cohen e Nikolaus Geyrhalter, para
citar alguns nomes, Scott Barley faz da observação seu gatilho para remodelação
de espaço e tempo. Sleep Has Her House
é um jogo perverso de criação e manipulação de certezas, usando o cinema como
grande hipnose.
Da bonança à
tempestade, onde jogamos a trama de Cavalo
de Turim de Béla Tarr fora e ficamos apenas com as sensações angustiantes,
principalmente em seu último ato, Sleep
Has Her House brinca com duplicidades a todo instante; céu e inferno, vida
e morte, proximidade e distância. Há em cada sequência um diálogo direto com a
sensação de estar vivo e o terror que isso trás; perseguidos pelo exagero, pela
escuridão, pelo vento. São essas as conexões do filme, que explora o princípio
básico do cinema - o corte -, usando-o para o início e fim de cada história e
de cada intenção.
Assim como a vida, no
filme há o senso de unidade sem que tudo pareça utópico, cristalino, perfeito.
Abstração neste caso é o caminho acertado; tão acertado que não poderia
ilustrar melhor este híbrido de sensações. É a ilusão que toca o céu, este que
também é ceifado por um raio; o sonho de pegar o vento com as mãos e fugir do
escuro à espera de um grito que há de surgir. Tudo está em função da
fantasmagoria dos códigos que a imagem impõe e seus questionamentos levantados
pela manipulação.
É o que segura Sleep Has Her House ante à superfície: a
certeza que sempre surgirá a saída entre tantos horrores. Este o maior diálogo
com o seu espectador sem que precise da perversidade, sem que necessite de uma
grossa camada de pessimismo e razão. Pois apesar da afirmação de um mundo
onírico, sempre haverá a duvida que este é sim um pesadelo, um filme de terror,
enfim, cinema. E neste gesto Barley entroniza o corte e as sensações utilizando
suas antíteses: os planos fixos e sequenciais, sempre a lembrar que cinema é
sonho. E pesadelo.
ENGLISH
VERSION
Sleep
Has Her House opens with notice that complete
darkness is required to accompany the movie. It is not a request but an
imposition. It goes against the conditions that movies are seen today, often
amputated by a cell phone warning, disconnected and deconcentrated. Experience
needs this condition extratela. Such a warning is completed with the card that
will guide the film directed by Scott Barley: the relationship with illusion
and disappearance. What is to come is a sensory journey with pre-established
dialogue with a kind of recognizable world and direct dialogue with digital
cinema.
They are landscapes,
but above all, forms. They gain new proportions and meanings as they go through
the process of mutation. They are mountains, but they can be ghosts. The dreamy
tone of these landscapes heightens the sense of despair and meaning of the
filmed / created space. Like James Benning, Jem Cohen and Nikolaus Geyrhalter,
to name a few, Scott Barley makes observation his trigger for space and time
remodeling. Sleep Has Her House is a
perverse game of creation and manipulation of certainties, using the cinema as
great hypnosis.
From the bonanza to the
storm, where we played the plot of Béla Tarr's Turin Horse and left us with only the distressing sensations, especially
in its last act, Sleep Has Her House plays with duplicities every moment;
Heaven and hell, life and death, closeness and distance. There is in every
sequence a direct dialogue with the feeling of being alive and the terror it
brings; Persecuted by the exaggeration, by the darkness, by the wind. These are
the connections of the film, which explores the basic principle of cinema - the
cut - using it to the beginning and end of each story and every intention.
Just like life, in the
film there is the sense of unity without everything looking utopian,
crystalline, perfect. Abstraction in this case is the right path; So successful
that it could not better illustrate this hybrid of sensations. It is the
illusion that touches the sky, which is also reaped by lightning; The dream of
catching the wind with his hands and running away from the dark waiting for a
cry to come. Everything is due to the phantasmagoria of the codes that the
image imposes and its questions raised by the manipulation.
It is what holds Sleep
Has Her House to the surface: sure that there will always be the way out of
such horrors. This is the greatest dialogue with your viewer without needing
the perversity, without needing a thick layer of pessimism and reason. For
despite the affirmation of a dream world, there will always be the doubt that
this is rather a nightmare, a horror film, in short, cinema. And in this
gesture Barley enthroned the cut and the sensations using its antithesis: the
fixed and sequential plans, always remembering that cinema is dream. And
nightmare.
Versão
em inglês traduzida pelo diretor Scott Barley. Versão em português
originalmente publicada no Cineplayers.
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