Em 1924, Dziga Vertov,
através do "cine-olho", fez uma síntese entre o filme científico e a
crônica cinematográfica, uma "experiência de registro" e de
"interpretação cinematográfica da vida cotidiana", da "vida
captada de improviso" (Jean Rouch, 1968). Estas afirmações de Jean Rouch
acerca dos pensamentos e obra de Vertov resvalam em Vermelho Russo, novo
longa-metragem dirigido por Charly Braun (Além da Estrada, 2010).
O filme, uma espécie de
quebra-cabeça de métodos cinematográficos, tem em dois conceitos seus
principais pilares: díspares, um está em função da dramaturgia. O outro, de uma
possível ideia do real e do improviso. São operações que mais parecem
simultâneas pela escolha de montagem, como um real jogo de encaixes. Onde há
espaços e significados, lá Charly Braun coloca suas peças. Vermelho Russo narra
o tempo das amigas Marta e Manu na Rússia entre o tom institucional -
paisagens, festejos, as declarações de admiração ao país - e a pauta do
verdadeiro significado da dramaticidade. Entre as aulas de teatro baseadas em
Stanislavski e o cotidiano das amigas, ora registradas pelas lentes de um amigo
- justificando um possível documentário - e ora por este suposto
"improviso", pela busca de uma leveza nos atos (mise en scène) das
amigas que justifique o que é captado "de fato", como o "real
cinema".
É um filme que
lentamente entrega suas peças e intenções. Os conflitos estão lá, mas longe da
estrutura clássica de roteiro. São propositalmente adormecidos, expostos onde o
cotidiano deveria nortear a situação. Como em Moscou (Eduardo Coutinho, 2009),
a experiência em Vermelho Russo parte da simples percepção. Através do jogo de
"imagens atrás de imagens", conforme cita Paulo Viveiros em seu texto
"Espaços Densos" (Imagem Contemporânea, Beatriz Furtado, Org, 2009).
Um jogo simples, montado de maneira que se forme a crônica do outro. O outro
que legitima o "eu". E desta forma, Charly Braun está em cada quadro
do filme, deixando que suas peças sejam reveladas sequencialmente, como forma
de mediar e representar uma transparência emocional oscilante.
Em miúdos, a retórica
de Vermelho Russo está na externalidade. Pois o filme é sucinto, sem excessos e
ironicamente desequilibrado - já que o encaixar das cenas parece como
peça-chave para exibir sua mensagem principal: a extensão da alma, resignificar
a presença de corpos e de um local em específico; buscar a essência na
simplicidade enquanto se evoca a maior das representações (teatro). Este exílio
russo, ou melhor, o dúbio exílio de produção de imagens, vem como a imagem
produzida por terceiros (supostamente). O olhar do outro - outros diretores -,
a entrega da história para este crepúsculo como forma de composição de uma
autobiografia, ou ao menos a tentativa de um restauro emocional, uma jornada de
redescoberta espiritual.
Texto
originalmente publicado no Cineplayers.
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