Questionada sobre a forma que
gerou o filme Jeanne Dielman, a cineasta Chantal Akerman respondeu: "(...)
Para evitar cortar a mulher em cem pedaços, (...) cortar a ação em cem lugares,
para olhar cuidadosamente e com respeito". A resposta registrada no livro
"Nada Acontece" de Ivone Margulies, resvala em devidas proporções,
obviamente, no princípio básico de John
Wick: Um Novo Dia Para Matar. O filme de Chad Stahelski parte de um
microcosmo para justificá-lo com muito cuidado e assim inibe diálogos com o
contracampo.
O irônico fiapo de história que
guiou a primeira saga de John Wick em De
Volta ao Jogo desta vez é um pouco mais complexo, ainda que facilmente
digestivo dentro da liturgia do gênero. Tudo parece se resolver no primeiro ato
do filme, clareando as intenções de Stahelski: há mais desdobramentos à serviço
da construção de um submundo mais perceptível ao espectador, com ênfase na
noção da força da máfia em uma metrópole como Nova Iorque ou Roma e como elas
são interligadas.
Do primeiro filme há muitos
pontos positivos mantidos, em principal a fotografia baseada na mesma cartela
de cores. Também vale citar a persona monossilábica de Wick, que é o
contraponto à histeria causada pelo aumento de sequências de tiroteio, essas
que possuem uma relação intrínseca ao espaço filmado, assim como os filmes de
Johnnie To. De um galpão a uma sala de espelhos, numa singela referência a
Orson Welles, Stahelski assim questiona a alma de Wick e de todos que o cercam
com armas: como é a alma da máfia? Com toda frieza de locais em que não se vê
uma viatura policial, como tiranos que pedem ajuda e clemência podem deitar
seus inimigos sem que a consciência pese? De certo que tantos outros filmes já
trataram deste assunto e continuam como referência para a segunda saga de John
Wick como Abel Ferrara, Walter Hill, John Woo e o próprio Johnnie To.
Desta vez, a postura bad ass de
Wick é questionada: o tabuleiro é enorme para que Wick não seja só mais uma
peça. Porém, o escopo é mínimo. Há respeito à trama e suas colunas. Sem espaço
para momentos contemplativos ou contato com o mundo externo (extracampo), o
filme é um diálogo contínuo entre os dois eixos alojados em um só extremo, ao
contrário do recente Noite Sem Fim
(Jaume Collet-Serra, 2015), para exemplificar. Se há a posição de um bom homem
é porque a câmera assim escolhe; como a simples ilusão de um jogo de espelhos.
Este é um dos códigos formais que John Wick: Um Novo Dia Para Matar subverte
dentro da inerente expectativa de um filme de ação.
Pois, se não há espaço para
compreensão do que há do lado oposto, Stahelski o desenha dentro do que se vê.
John Wick é um homem inconsolável, ainda que os sentimentos pareçam dormentes
entre tantos tiros; o mundo fantástico que embala o frenesi tem um lugar a
chegar. Um lugar outrora seguro, mais que um hotel cinco estrelas que Wick
tanto visita. Mas o mundo de Stahelski é feito de espectros, invisíveis à
sociedade, e ainda há muito o que ser dito sobre isso. Portanto, que venha o terceiro
filme.
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