Em
entrevista ao site A.V. Club em 2015, na ocasião do relançamento de Halloween, o mestre John Carpenter
afirmava que um bom filme de terror tinha que ser...assustador. Perguntado se o
filme deveria ser assustador para ele, Carpenter respondeu que não, que o filme
deveria ser assustador para o público. Pois ele estava fazendo filmes para as
pessoas e que o público faria a carreira ou destruiria o produto final – e logo
depois relacionaria a perspectiva da plateia com o sucesso de Halloween.
Perspectiva essa que, em devidas proporções é usada em Bingo – O Rei das Manhãs.
A
fina ironia de Bingo – O Rei das Manhãs
não está na história de ascensão e queda de Augusto Mendes como o palhaço mais
querido do Brasil. Ela está na dicotomia de como Daniel Rezende rege seu
primeiro longa-metragem como diretor: uma história de perda de controle
produzida com o maior controle possível. E pela bagagem construída como editor
de filmes como A Árvore da Vida, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
e diversos trabalhos de Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha,
Daniel Rezende fez um filme de cadências.
Bingo – O Rei das Manhãs começa como um bem humorado tributo aos
anos 80 e sua estética, produtos e cultura televisiva enquanto apresenta
personagens e narra o início da saga de Augusto. Tudo até então parece um
compêndio de surpresas sobre a década. Com o reforço da fotografia de Lula
Carvalho, Rezende vai além dos estigmas e, claro, com extremo controle, muda
frequências e peças conforme a música exige.
Logo
a tão famosa histeria e perda de controle de Augusto (ou Arlindo Barreto, na
vida real, interpretado por Vladimir Brichta) regada a bebidas e drogas ganha
contornos dramáticos e valores estabelecidos que vão de encontro à persona de
Bingo. Como parte do controle de Daniel Rezende, o filme compõe seus quadros
sempre no campo da realização e não no da intenção. É possível considerar a
ausência de intenções e afirmar que Bingo
é um filme essencialmente de demarcações que nunca são invadidas – do vício aos
conflitos familiares e profissionais, é nítida a cartilha a seguir e que esses
nichos nunca poderão tomar o espaço do outro quando a câmera manda.
Suficiente
para o processo de composição pela câmera e não pelas palavras, o grande
estudo, portanto, fica a cargo da estética. Dos contrastes às cores e
composições de planos e movimentos de câmera, é um filme muito eficiente.
Quando ensaia a sugestão de um personagem solitário e problemático, o que
sobrepõe ainda é a imagem. Não se trata de um paradoxo e sim uma opção
consciente de onde chegar e para quem chegar. É um filme sobre o domínio do
ecrã, sobre o que está em campo e como ele é impregnado por informações a todo
o momento – como uma metáfora à televisão e seus abismos, intensamente
construídos e descontruídos durante o filme.
E
se não há riscos para exibir o grande risco que foi o tempo de Augusto à frente
de um programa de TV infantil, o abismo se resume na inclinação deste
equilíbrio sugerido por Rezende – dois exemplos são o plano-sequência que vai
de um apartamento a um hospital passando pela cidade de São Paulo e a discussão
de Augusto com a diretora Lúcia (Leandra Leal) sobre sua “casca” durante um
jantar. Duas das incontáveis amostras sobre quem era Bingo, afinal: imagem. Uma
bela e (des)controlada imagem.
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