Bingo - O Rei das Manhãs (Daniel Rezende, 2017)




Em entrevista ao site A.V. Club em 2015, na ocasião do relançamento de Halloween, o mestre John Carpenter afirmava que um bom filme de terror tinha que ser...assustador. Perguntado se o filme deveria ser assustador para ele, Carpenter respondeu que não, que o filme deveria ser assustador para o público. Pois ele estava fazendo filmes para as pessoas e que o público faria a carreira ou destruiria o produto final – e logo depois relacionaria a perspectiva da plateia com o sucesso de Halloween. Perspectiva essa que, em devidas proporções é usada em Bingo – O Rei das Manhãs

A fina ironia de Bingo – O Rei das Manhãs não está na história de ascensão e queda de Augusto Mendes como o palhaço mais querido do Brasil. Ela está na dicotomia de como Daniel Rezende rege seu primeiro longa-metragem como diretor: uma história de perda de controle produzida com o maior controle possível. E pela bagagem construída como editor de filmes como A Árvore da Vida, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias e diversos trabalhos de Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha, Daniel Rezende fez um filme de cadências.

Bingo – O Rei das Manhãs começa como um bem humorado tributo aos anos 80 e sua estética, produtos e cultura televisiva enquanto apresenta personagens e narra o início da saga de Augusto. Tudo até então parece um compêndio de surpresas sobre a década. Com o reforço da fotografia de Lula Carvalho, Rezende vai além dos estigmas e, claro, com extremo controle, muda frequências e peças conforme a música exige.

Logo a tão famosa histeria e perda de controle de Augusto (ou Arlindo Barreto, na vida real, interpretado por Vladimir Brichta) regada a bebidas e drogas ganha contornos dramáticos e valores estabelecidos que vão de encontro à persona de Bingo. Como parte do controle de Daniel Rezende, o filme compõe seus quadros sempre no campo da realização e não no da intenção. É possível considerar a ausência de intenções e afirmar que Bingo é um filme essencialmente de demarcações que nunca são invadidas – do vício aos conflitos familiares e profissionais, é nítida a cartilha a seguir e que esses nichos nunca poderão tomar o espaço do outro quando a câmera manda.

Suficiente para o processo de composição pela câmera e não pelas palavras, o grande estudo, portanto, fica a cargo da estética. Dos contrastes às cores e composições de planos e movimentos de câmera, é um filme muito eficiente. Quando ensaia a sugestão de um personagem solitário e problemático, o que sobrepõe ainda é a imagem. Não se trata de um paradoxo e sim uma opção consciente de onde chegar e para quem chegar. É um filme sobre o domínio do ecrã, sobre o que está em campo e como ele é impregnado por informações a todo o momento – como uma metáfora à televisão e seus abismos, intensamente construídos e descontruídos durante o filme.

E se não há riscos para exibir o grande risco que foi o tempo de Augusto à frente de um programa de TV infantil, o abismo se resume na inclinação deste equilíbrio sugerido por Rezende – dois exemplos são o plano-sequência que vai de um apartamento a um hospital passando pela cidade de São Paulo e a discussão de Augusto com a diretora Lúcia (Leandra Leal) sobre sua “casca” durante um jantar. Duas das incontáveis amostras sobre quem era Bingo, afinal: imagem. Uma bela e (des)controlada imagem.

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