Senhora Fang (Wang Bing, 2017)




Conhecido pela captação da instabilidade pelo o que é estável – a câmera, o tempo, o espaço -, Wang Bing também é acompanhado pelos efeitos de seus filmes, em boa parte composto por horas de duração e de contemplação desafiadora. Ironicamente, quando Bing se aproxima de seus personagens – no sentido dramático -, seus filmes tendem a se encurtar, como é o caso de Três Irmãs (2014) e Senhora Fang, vencedor do último Festival de Locarno.

Senhora Fang se resume à espera. Uma espera dolorosa por parte dos parentes de Fang, que é vítima de Alzheimer. O poder de síntese da vida da senhora Fang cabe em um único plano para Bing, tão acostumado a planos elásticos. Deste plano em diante, o que se vê dentro da casa no qual Bing filma é o tilintar do relógio ao encontro da esperada partida da protagonista. 

Ao redor, há vida. Esta aliança entre vida e morte se dá na transformação de Bing em testemunha – praxe de seus filmes – do cotidiano de pescadores locais. Eles jogam, conversam e trabalham muito próximos ao local onde a senhora Fang passa seus últimos dias de vida. Cabe o pensamento da cartilha de injustiças da vida e do pesar, onde os familiares, timidamente, torcem pelo fim desta espera. Nitidamente, um esforço grande por parte de Wang Bing é o da não generalização do sofrimento e talvez numa contradição proposital, a intensificação do ato observacional está no extremo posto dos momentos que Fang é a protagonista. 

Se cabe apenas lamentar e esperar, o filme se faz ríspido, duro e escolhe outro cenário para a melancolia – nem sempre funcionais. O rio, o encontro de amigos, a vida que segue. Um paradoxo cabível ao que está por vir. E quando o inevitável vem à tela, Bing exorta o deslocamento das emoções mais óbvias: escolhe o homem que anda pela casa em direção ao quintal ao invés daqueles que debruçam no precipício do sofrimento. 

Esta aposta que os efeitos são reverberados em outras camadas do filme é feliz. Também é acertada a aposta de Bing em resumir a via crucis de Fang a 86 minutos, pois é cabível e antes de tudo, para um realizador acostumado ao poder do olhar, saber que existem coisas que são insuportáveis ao coração e neste caso a imposição da câmera pautaria questões que estão muito abaixo da qualidade do cinema de Wang Bing.

Visto no Festival do Rio 2017.

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