RIO CONGELADO

 
Nos minutos iniciais de Rio Congelado, o que podemos tirar deles é a imagem da decadência. Essa que está nas entrelinhas que correm por todo o filme. Pela objetiva direção de Courtney Hunt, a bruta edição e pela (quase total) ausência de trilha sonora, o filme sugere uma intensa reflexão.Perto da fronteira dos Estados Unidos com o Canadá e próxima do território dos índios Mohawk é onde Ray Eddy (Melissa Leo) mora com seus dois filhos. 

Recém abandonada pelo marido viciado em jogos, que fugiu com o dinheiro que faltava para pagar a última parcela de uma nova casa, ela se vê sem saída. É algo que estamos acostumados a ver no cinema nacional, elevado a centésima potência dramática, recheado de lágrimas ou tiros. Aqui vemos o oposto, mesmo que Ray tenha que partir para uma atividade ilegal para manter suas contas pagas, por acidente.

Enquanto a decadência continua a seguir toda aura do filme, atormentada pelas pressões diárias e do risco de suas atividades junto com a índia Lila (Misty Upham) em uma relação de ódio e interesse, a vida segue. No silêncio, o constrangimento realçado pelas brilhantes atuações. O constrangimento é onipresente, pelas obrigações do cotidiano e pelas regras de sobrevivência criadas.

O natal se aproxima e mais obrigações familiares estão por vir, Ray necessita de dinheiro e de mais riscos. Aos poucos a relação com Lila é retalhada pela submissão das necessidades. Rio Congelado é nada mais que a decadência pela luta de uma sobrevivência que vai contra qualquer comodidade, que surge apenas quando o sonho imposto é realizado.
Ray e Lila por mais que mantenham a distância entre dois abismos na relação, possuem algo em comum, o que é o suficiente para uma identificação e para uma ajuda, mas que parece uma grande falha no roteiro, que foi escrito também pela diretora. Esta que mantém sua objetiva direção por todo o filme, mas que mostra uma falta de ousadia para se alongar em planos ou de movimentar sua câmera.

Fica para o espectador o ato de julgar, já que todos os fatos e lados são mostrados pela diretora sem colocar os personagens em alguma posição fixa. Rio Congelado é um filme que funciona que tem seu roteiro realçado por boas atuações – ambas as atrizes foram indicada ao Oscar – mesmo com pequenas falhas e a falta de ousadia, ele faz o que é mais importante para o cinema: Sugere uma reflexão durante e após o filme.

★★
Rio Congelado (Frozen River, EUA, 2008) de Courtney Hunt

O CASAMENTO DE RACHEL


Pelo figurino de Kym, vivido por Anne Hathaway, temos certeza que ela é a ovelha negra da família. E sua volta para o Casamento de Rachel, sua irmã, causa uma incômoda sensação pela casa, intensificada pelas atuações de um elenco afiado e pelo foco de ação e reação das emoções de cada personagem.

Kym está em sua casa por poucos dias, pois terá que voltar para a clínica de reabilitação onde está internada. Mas a volta da irmã trás fantasmas do passado para a convivência familiar, o que causam momentos embaraçosos e conflitos diretos entre Kym e Rachel. A tensão é tão grande que fica impossível criar uma imagem sólida de vilã e mocinha nesta relação. Entre este conflito repleto de remorso, inveja e traumas, estão os pais, separados, mas que servem como peças importantes para o filme.

A direção de Jonathan Demme é peculiar, pois, ao mesmo tempo em que parece ser bastante inspirado pelo Dogma 95, no aspecto dos movimentos de câmera – que chegam a ser nauseantes por vezes – ausência de trilha e também por acusar uma história parecida - nas devidas proporções - com Festa de Família de Thomas Vinterberg em seus primeiros minutos, ele também não abre mão de uma infra estrutura que não opta pelo acaso. O que é desfavorável, pois ficar em cima do muro não dá razão para justificar certas escolhas estéticas.

Em situações específicas Kym tira seu manto pesado e parece ser aceita pela sua família em suas festividades. Mas não consegue fugir da sua eterna culpa e de criar momentos de intenso constrangimento que vão desdobrando assuntos pesadíssimos. O que parecia não ter fim acaba por ter uma saída brusca, mudando o filme de ritmo por completo em seu epílogo, prolongando informações sem muita utilidade para a trama e uma resolução morna, que infelizmente tira algo positivo que o filme havia carregando desde o seu início.

No mais o filme garante bons momentos de aflição durante um possível acerto de contas por um meio trágico guiado por traumas, mas que escorrega ao apostar em saídas mais sóbrias, carregado pelas boas atuações, tanto que Hathaway foi indicada ao Oscar deste ano por sua atuação.


O Casamento de Rachel (Rachel Getting Married, EUA 2008) de Jonathan Demme

O LUTADOR


Construído com incrível competência técnica, o novo filme do diretor Darren Aronofsky, mostra um diretor menos ousado mas tão brilhante como em seus trabalhos anteriores, O Lutador reinventa Mickey Rourke - que levou o Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar por esse papel - para a mídia em um papel brilhante, mas que possui similaridade com um famoso personagem do cinema. Explico a seguir.

Randy “The Ram” Robinson foi um famoso lutador de telecatch durante a década de 80 e agora totalmente esquecido, Randy luta no circuito underground para poucas pessoas. Com a saúde debilitada e com a situação financeira instável, o lutador sustenta seus vícios, noitadas e mal consegue pagar o aluguel de seu pequeno apartamento, onde vive sozinho.

A exposição da vida de Randy é explícita e obscura, sem restrições dramáticas para mostrar um solitário homem em crise, o fiel retrato da decadência de um homem. O prestígio do personagem de Rourke é menor, mas existe uma proximidade clara com Rocky Balboa,  este que também reinventou Stallone, que vinha de uma seqüência de fiascos ao contrário de Rourke que fez filmes bem sucedidos como Sin City e Chamas da Vingança, mas não obteve reconhecimento como coadjuvante. E não pelo fato dos personagens de Rourke e Stallone usarem o ringue como fonte de renda, existe nas entrelinhas uma proximidade maior. Os problemas são similares e como eles são colocados pelo roteiro e a partir da atuação de Rourke, mas como disse antes, os de Randy são mais densos e explícitos. A história de superação sobre os fantasmas do passado, o lado familiar e profissional, colocado em devidas proporções, liga a saga dos personagens, mas isso tudo deve ser visto de forma positiva em relação a este dejá vu “Stallonesco”.

Rico nos diálogos e bastante humano, o filme convida ao mergulho completo e com sucesso, mantendo uma simplicidade narrativa, linear, porém denso e emotivo, com a ajuda de Rourke e Marisa Tomei e um diretor inspirado pelos irmãos Dardenne, segundo o próprio Aronofsky. E com sua segurança habitual que ele comanda o drama, sempre incrível que nos proporciona um belo espetáculo visual.

A fotografia traz uma textura e um jogo de cores bonitas. É de fato, impossível não se envolver neste drama tão humano, construído com tanto talento, porém peca pela falta de originalidade.

O longa estréia no Brasil nesta sexta-feira, dia 13 de Fevereiro.

O LUTADOR (The Wrestler, EUA/França, 2008) de Darren Aronofsky

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