SIMPLESMENTE FELIZ


 
A escolha de Mike Leigh de seguir o cotidiano da professora Poppy em Simplesmente Feliz e não usar uma história fechada é o tiro no alvo para o filme não cair em clichês de comédias contemporâneas não só da terra do Tio Sam, mas como das comédias da terra da Rainha também, mas que também não garante um envolvimento total do espectador, que a certa altura do filme acaba virando um caso redundante.
 
Poppy, como diz o título, está sempre de alto astral. Nem mesmo quando sua bicicleta é roubada ou encontra um atendente grosso, ela deixa que isso estrague o seu dia. Aliás, isso é o que guia a narrativa do filme, os conflitos rotineiros que uma pessoa que nada contra a maré encontra, pois Poppy é uma pessoa que cativa os amigos, não está estressada e não está preocupada com as contas, nem com sua solteirice e totalmente levada pela esperança e vivendo bons momentos e com a ótima atuação de Sally Hawkins. Ela consegue dar um tom caricato, mas sem perder a rédea, deixando o personagem com os dois pés na terra.

E na rotina da professora que as barreiras criadas por pessoas vão aparecendo e são nestes conflitos que o filme garante seus bons momentos, quando Poppy enfrenta pessoas totalmente insatisfeitas e que escondem isso em suas personalidades, elevando ainda mais o grau de insatisfação quando se deparam com a alegria “irritante” de Poppy. O professor de direção “pseudo-satanista” (interpretado por Eddie Marsan, excelente!) de Poppy garante os melhores momentos do filme, fazendo das aulas uma intensa guerra. E também proporcionando o melhor momento do filme e provavelmente o único em que Poppy deixa seu sorriso de lado, questionando se o mundo é realmente demais para uma pessoa otimista.

Mas depois de que tudo é apresentado para o espectador, não podemos esperar nada novo, pois é, mesmo, uma rotina. Se você se pegar perguntando “Ué, de novo?” inconscientemente, provavelmente uma estrutura clássica de roteiro te fez criar raízes ao cinemão, tente o desapego. É difícil, mas é possível. E pode cansar.

O filme serve como alerta para como levamos a vida atualmente. Sempre com pressa, irritados, sem nos socializar, preocupados e sem tempo para aproveitar o que a vida nos oferece. E com esse otimismo que Poppy faz que sua vida melhore e lembrando aos espectadores que é melhor rir que chorar algo que parece ser imposto pelos padrões e regras da sociedade.
★★★
Simplesmente Feliz (Happy-go-lucky, Inglaterra 2008) de Mike Leigh

THE SPIRIT - O FILME

Frank Miller zomba dos super-heróis. Frank Miller zomba de si próprio. Frank Miller eleva o status de herói ao ridículo e zomba da ambição dos mesmos. Será que Frank Miller fez The Spirit apenas para zombar dos outros? Não.

Cercado pelo absurdo e pelo exagero do início ao fim, The Spirit vem com a atmosfera noir já esperada e pelo uso do já consagrado uso do preto, branco e vermelho, que foi usado na outra adaptação da obra de Miller, Sin City. Não há algum esforço para entregar a história do Spirit mastigada ao espectador não familiarizado com os quadrinhos, que deverá captar as informações cena a cena pela verborragia encorpada pela grave voz do herói.

É engraçado que Miller mesmo apostando pelo vômito sarcástico e não por uma metalinguagem mais elegante para criticar, ele também aposta por um modelo de roteiro moldado, com a historinha de amor entrelaçada ao conflito do personagem principal, que é o óbvio mocinho/bandido e a esperança da salvação do mundo. Coube a Miller em seu debut oficial como diretor, fazer algo diferente ao estilo de Sin City e também não encaixá-lo ao ‘cinemão blockbuster’ liderado por Homem Aranha e afins e logicamente fazendo um contra-peso. E fez bem.

Inserido no contexto natural de uma história de herói, ele questiona a boa índole de alguém que serve de bom exemplo e possui poderes especiais com humor inocente. Tão inocente que arranca sonoras gargalhadas do público. E não é usado para ‘quebrar’ a tensão do filme, pois tudo é dosado com inteligência, apesar da confusa seqüência inicial e da visível dificuldade de manter a condução do longa. A ambição de poder e força do ser humano é a aposta mais sensata de Miller, que rende a melhor cena do filme, elevando ao nível do absurdo com Samuel L. Jackson inspiradíssimo.

The Spirit não se esforça para agradar. Não tenta ser pop e não tenta ser aquilo que todos esperam de um filme desse porte após O Cavaleiro das Trevas. E talvez seja este o grande pulo do gato vindo de Frank Miller. Ele levanta o dedo do meio e diz “É assim, se você não gostou....” e consegue superar suas dificuldades.

★★★★
The Spirit - O Filme (The Spirit, EUA 2008) de Frank Miller

GRAN TORINO

Dirty Harry está de volta. Não tem como não se lembrar dele. A semelhança de Walt, personagem vivido por Clint Eastwood em Gran Torino com o personagem que o consagrou como ator é realmente muito grande. Mas quem se importa com isso quando temos uma trama muito mais interessante que uma ‘mera’ semelhança? Para contar e desenvolver a história batizada por um carro, o trauma de um homem é o que serve como ponto de partida em Gran Torino. Walt participou da guerra da Coréia, onde tirou a vida de alguns soldados adversários. Também trabalhou para a Ford por cinqüenta anos, onde se apaixonou pelos automóveis.

A frieza dada por Eastwood ao seu personagem é impressionante. Consegue ir do amável ao total descaso sem mover os olhos. E desta frieza que Walt cria sua conduta para sobreviver. Agora viúvo, ele passa os seus dias junto com sua cachorra e suas latas de cerveja em frente a sua casa e se irritando com pequenas demonstrações de amor vindas de seus filhos e do padre do bairro. Mas o ex-soldado vive em um bairro hoje completamente tomado por imigrantes asiáticos e são estes que mais sofrem com as grosserias vindas do xenófobo Dirt...ops, Walt.

O seu amado carro Gran Torino - e toda bajulação em torno deste - é nada mais que um pequeno coadjuvante para um homem que reaprende a ter carinho e esquecer o que a vida o empurrou goela abaixo. Walt aos poucos com boas ações, luta por uma justiça que é cega, não apenas para o submundo no qual Walt agora é espectador, mas a mesma que ele viveu no passado, com atitudes completamente violentas e típicas de um justiceiro, mas sim, que escolhe algo novo para abastecê-lo com vida.

É sim uma trama sobre mudança e busca de paz. Seja no bairro - repleto de indiferenças - ou a paz interior. Eastwood aposta numa direção mais direta, se concentrando mais nas entrelinhas do roteiro, registrando um cotidiano que pode ser considerado como paraíso para uns, mas que também pode ser o completo inferno para outros. E Walt escolheu o que era para ele e também quem merecia a paz.
★★★★
Gran Torino (Idem, EUA 2008) de Clint Eastwood

O VISITANTE

O cinema independente americano parece sofrer de uma síndrome nos últimos anos: Grande parte deles explora – muitos calçados em traumas do passado – as histórias acentuando sua carga dramática apenas através da montagem. No caso de O Visitante, os cortes bruscos ganham a companhia do excesso do plano detalhe e a inserção da trilha sonora, que por vezes é justificada em cena, usada como grande elo do professor Walter Vale e do imigrante Tarek Khalil.
 
Walter carrega sua cruz por ser viúvo, não estar satisfeito com seu trabalho de professor na Universidade de Connecticut e não se esforça muito em criar laços de amizade com a amargura usada como barreira.

Mesmo com essa linha de montagem, a narrativa em uso é a clássica, dando tudo mastigado para o espectador. Mas não faz que o roteiro perca sua potência, para mostrar que as oportunidades estão onde a sua esperança está instalada. O amor pela música une Walter e Tarek, este que parou no antigo apartamento de Walter, que indo para Nova York a trabalho, se depara com Tarek e sua namorada Zainab morando em seu apartamento. Eles estão em situação ilegal nos Estados Unidos, mas nem isso é motivo de preocupação para eles, que trouxeram nas bagagens sonhos maiores.

O filme divide os dois mundos: O do privilegiado e de quem busca a chance. Em pólos diferentes e oportunidades distintas. Mas uma segurança selada pela paz nasce ao encontro desses pólos. Enquanto em suas entranhas, o filme trata o assunto da ilegalidade, a necessidade do Green Card para viver na “terra das oportunidades” e a perda do valor da vida embutido pelo governo americano após os ataques de 11 de setembro, somos testemunhas de uma nova brisa para a vida de Walter.

Thomas McCarthy (diretor do ótimo O Agente da Estação) sabe dosar muito bem a clareza das mudanças na vida do professor Walter e o que está inserido no subtexto baseado na atuação magnífica de Richard Jenkins (que recebeu uma indicação ao Oscar pelo seu trabalho), que carrega o filme nas costas e pela previsível tragédia, consegue fazer que isso passe batido na trama, dando espaço para conflitos e satisfações maiores em um mundo que parece estar cego para novas chances. O filme estréia hoje nos cinemas.

★★★
O Visitante (The Visitor, EUA 2008) de Thomas McCarthy

GLÓRIA AO CINEASTA!

Da “cabeça quebrada” de Takeshi Kitano surge Glória ao Cineasta, um surreal ode e também uma grande sátira ao cinema, que não são de fácil absorção, mas são geniais neste filme que passa do físico apenas, do óbvio e vai também para as sensações e reflexões e está em cartaz em poucos cinemas pelo país.

Tudo começa quando o diretor Takeshi Kitano – sem mudar de expressão facial por quase todo o filme - cansa de fazer filmes de gangster e procura um novo projeto, algo que faça sucesso de público e crítica, já que apenas um, de seus doze filmes fez sucesso, sempre acompanhado de seu “dublê”, importantíssimo para as analogias da trama. A partir daí, Kitano tenta vários gêneros e épocas diferentes para achar o seu hit, como filmes de terror (com remake em Hollywood), romances, filmes de ninja e de época, com um deboche claro, mas questionando a versatilidade de um diretor... Ou seria uma limitação? Takeshi debocha de si.
Quando o diretor acha uma nova saída para sua glória, o que vemos é uma sucessão surrealista de fatos referentes ao cinema. Tanto do que acontece na tela ou fora dela, como a obediência dos espectadores ao diretor, o tempo perdido pelos espectadores quando assistem algo ruim e o do diretor por ter feito, o dinheiro, a encenação, enfim, se trata mesmo de uma obra-prima.

Kitano comanda essa loucura toda com maestria, fotografia linda, direção de arte e figurino absurdos, mas nem isso o diretor poupa, quando temos a seqüência do trem, onde ele mostra que para tudo há um jeitinho. Um jeito de enganar. Outros aspectos como o ego e a culpa do diretor também são tratadas, todas elas de forma bastante bem humorada, muitas situações chegam ao limite do absurdo, sobrando até mesmo para o jogador Zidane vestindo o uniforme da seleção francesa (ou seria para a França, onde o cinema nasceu?) na mesma cena que o filme Matrix é lembrado e levado por um humor que acompanha efeitos sonoros e personagens caricatos.

Para quem está familiarizado com a obra do diretor, irá saborear Glória ao Cineasta de forma diferente e ainda melhor. Kitano faz questão de mostrar o diretor com fragilidade, um ser inseguro e que aceita opiniões. Mas como toda história tem um vilão, neste também não é diferente, representado aqui como um proto-vilão por um professor hilário, que também representa os erros de gravação e o merchandising em filmes. Esta tudo ali basta querer e ser. Glória ao Cineasta é debochado e debocha de si, já sabendo que não será exibido no grande circuito e não será sucesso de público, mas merecia. E muito.

★★★★
Glória ao Cineasta (Kantoku-Banzai!, Japão 2007) de Takeshi Kitano

FIM DOS TEMPOS

Não é a toa que M. Night Shyamalan escolheu os Estados Unidos para testemunhar a história de Fim dos Tempos. Não é a toa que muitas pessoas que acompanharam o filme como uma trama direta e sem profundidade tenham odiado tanto. Fim dos Tempos é sim um alerta, mas também um espelho para a sociedade. Uma espécie de “tome, olhe como você é ridículo”. 
 
Com tantos medos criados, o terror psicológico impera e logicamente as conseqüências são graves, como a grande analogia alavancada por uma arma. Mas o que é grave de verdade é chorar quando o leite já foi derramado. Ainda temos tempo. De mudar o que fazemos com nossa própria casa, nosso próprio quintal e como podemos fazer com que esse mundo siga outra trilha. Frank Darabont usou o terror com criaturas, mas utilizando da natureza como um grande aviso em O Nevoeiro. Shyamalan usou a natureza também, mas como um grande pai. Que precisa colocar de castigo seus filhos para que eles não voltem a errar. 

Sim, tudo é construído pelo método clássico de um filme suspense. O que pode decepcionar bastante. Mas o que vem neste filme são analogias e metáforas há todo o momento. Pessoas entregando a própria vida em cenas que não poupam o espectador com a ausência do corte é de fato algo chocante. Fim dos Tempos segue algo que A Vila fez, não deve ser interpretado pelo que se vê, mas para o que se vive por quem assiste. 

O filme possui falhas, por vezes não convence e informações parecem fantasiosas demais e algumas interpretações são de fato sofríveis, como a de Zooey Deschanel, por exemplo. Mas fica a sensação de que o trabalho foi feito e com sucesso, pois a mensagem foi passada e com muita clareza, basta você querer ver.

★★
Fim dos Tempos (The Hapenning, EUA 2008) de M.Night Shyamalan

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