ROMANCE


O espetáculo que é o amor. Tragédia, comédia, seja lá o que for, é uma necessidade para cada ser humano. E assim, Guel Arraes utiliza o romance de Tristão e Isolda como referência e guia de seu longa Romance estrelado por Wagner Moura e Letícia Sabatella.

Na inconstante e instável dicotomia de gêneros e colocando as artes em um patamar de igualdade (leia-se TV, teatro e cinema) o filme não se insere explicitamente em nenhum deles na verdade. Se ele vive no núcleo mais descontraído – e ousado por criticar métodos televisivos, com a ajuda de Jorge Furtado - liderado pela ótima Andrea Beltrão, Wladimir Brichta e reforçado por Marco Nanini ou se apóia no drama guiado pela peça de teatro em que Pedro (Wagner Moura, excelente) e Ana (Letícia Sabatella, forçada até quando finge interpretar) produzem para o estopim de uma relação cheia de inseguranças e uma paixão desenfreada que fica por trás das cortinas do teatro.

E pelo sucesso de Ana, que vira uma celebridade graças a TV e a escolha mais radical de Pedro, que os dois se separam e colocam a questão do amor em cheque. O sofrimento, a felicidade, o tédio. Tudo é colocado em pauta, de uma forma peculiar e inteligente, que foge do convencional, mas consegue inserir todos os clichês possíveis de um romance, sem apelos.

Por outro lado, a veia cômica parece ser avulsa e consegue levar o filme a um patamar completamente inesperado, com as já citadas críticas que na verdade não convencem, mas como piadas servem muito bem entre diálogos rápidos e impactantes, essa quebra de narrativa do filme não fica bem clara.

Arraes tenta fugir do convencional e consegue, mas não justifica bem o seu objetivo, se por ousadia, crítica a métodos prontos ou se é, apenas, um conto de amor, com a clássica "pitada brasileira".

 
Romance (Idem, Brasil 2008) de Guel Arraes

LEONERA


A constituição familiar dentro de uma cadeia. Pablo Trapero consegue carregar de detalhes em pequenos planos e também em diálogos soltos para futuros ganchos em Leonera, filme que tem sua força concentrada nas reviravoltas do roteiro em um mundo exclusivamente feminino.

Quando Julia é condenada por um crime de precedentes duvidosos e vai parar na cadeia de uma maneira apática. Lá, ela desarma os dias a espera de seu filho, conseqüência de uma relação também duvidosa. O que pode ser o retrato de uma vida sem futuro tem sua chama acesa quando o pequeno Tomás vem ao mundo. A partir daí o que se vê é o amadurecimento de uma mulher, jorrando instinto e a necessidade materna de criar seu filho, com a atriz Martina Gusman brilhando, num filme que é apenas seu.

Mas Leonera parece ser uma história de lacunas. Julia tem grandes buracos em seu peito quando se relaciona com a mãe e com Ramiro, amante de seu ex-namorado, motivo para sua ida a cadeia. Estes buracos que ela reservou para ser preenchido pelo pequeno Tomás e mais ninguém. Um mundo que ela planejou apenas para os dois. Alimenta-se do vazio para se colocar no passado e de um possível trauma retratado no cotidiano do sistema carcerário.

Trapero acerta em manter-se longe de uma óbvia vulgaridade na necessidade da sobrevivência e colocando o sistema carcerário apenas como pano de fundo para problemas e relações mesmo que seja em extremos e saídas que podem custar caro para a narrativa, fazendo que o filme perca sua força em certos momentos, ela ainda soa coerente.


Leonera (Idem, Argentina/Coréia do Sul/Brasil, 2008) de Pablo Trapero

DE REPENTE, CALIFÓRNIA


Marcado pela morna relação entre o texto e os conflitos para não cair na obviedade do assunto, o filme de estréia de Jonah Markowitz, De Repente, Califórnia ser torna em um filme singelo, com a estética de um seriado de TV.

Tal proximidade dos seriados é pelo visual e takes que favorecem a fotografia do longa, que seriados como The O.C e outros apresentam, acompanhado de uma trilha sonora propícia e elenco vindo de seriados. A proximidade também acontece na faixa etária de seus personagens, que além de mostrarem um pouco mais de maturidade, se colocam em uma posição importante na vida, em momentos de decisão.

Markowitz se limita para não afetar seus protagonistas com a reação óbvia que nós estamos acostumados a ver e sim, colocar a relação de Zach e Shaun em um patamar diferenciado,não apenas a tais reações à descoberta sexual , mas também da posição de homens perante suas famílias. O longa é um conto de amor, sem características que poderiam elevar (ou apelar) para alcançar um patamar diferente.

E dessa escolha pela simplicidade que o filme ganha seus pontos por se aproximar do espectador, que assim como Ang Lee em Brokeback Mountain, não necessita de levantar uma bandeira ou investir no exagero da pretensão e da urgência, mas sim na posição de humanos e não de objeto de estudo.

★★

De Repente, Califórnia (Shelter, EUA, 2007) de Jonah Markowitz

DEIXA ELA ENTRAR


Numa época que vampiros estão em alta com o sucesso de Crepúsculo, a comparação imediata com o suéco Deixa Ela Entrar fica para trás em poucos minutos de filme. Não é para pouco. Contado de uma maneira mais introspectiva, mas não menos ágil, Tomas Alfredson consegue dosar com perfeição a ternura e o horror e ainda tem a técnica a seu favor, pois o filme é construído com a ajuda de Hoyte Van Hoytema, deixando o filme esteticamente perfeito com sua direção fotográfica.

Baseado no livro de John Ajvide Lindqvist e com o roteiro escrito pelo próprio, os recados políticos ou sociais ficam de fora. Temos aqui uma genuína trama vampiresca, envolvida num romance, sem aquela papagaiada que alavancou a carreira de Catherine Hardwick no fim do ano passado e consegue passar imune a todos os obstáculos criados por tramas deste gênero.

O que torna Deixa Ela Entrar mais envolvente é o fato de eliminar o suspense por total e deixar a narrativa mais próxima de um drama. Assim, nosso envolvimento com o menino Oskar, reprimido no colégio e solitário é contaminado pela ternura e assim também pela garota Eli, uma vampira que o dá a oportunidade de socializar e crescer. A trama de vingança seria a mais óbvia. Alfredson consegue inserir a vingança sem que ela se torne o prato principal deste roteiro.

Todo o clima soturno é imposto com sabedoria e sempre justificada. Deixa Ela Entrar é um filme que se preserva, não cai no gratuito e no apelo, o que seria algo perdoável. Mesmo assim, a narrativa é para nos envolver e descobrirmos os sentimentos dos personagens para atos posteriores e uma rápida reflexão.

 ★★★★
Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, Suécia 2008) de Tomas Alfredson

A FESTA DA MENINA MORTA


Até onde os seus hábitos são certos e os meus são errados? O que uma doutrina e valores impostos e até mesmo criados podem fazer pelo escape de tamanha dor e vazio sob um povo sofrido? A Festa da Menina Morta do estreante na direção Matheus Nachtergaele vai além de um retrato sofrido da população brasileira e os embala sob questões espirituais e da necessidade de se apoiar em algo e alguém.

É um filme que também faz pesar a quem está assistindo. Matheus usa as duas pontas de uma gangorra na mesma cena por diversas vezes e coloca o espectador em cheque para qual lado seguir, dando a opção de você ser um sádico ou não. Se estamos sob a manta espiritual que guia o filme ou pela carne, aumentando nossas dúvidas sobre a conduta de Santinho, vivido pelo excepcional Daniel de Oliveira.

Sob um jogo de câmera esplendido, tão delicado e faz o espectador se mover e por vezes sob um nauseante estado de espírito, o filme consegue passar pelo que modelo de desdramatização ala Tchekov, mas também, vai além e utiliza de metáforas nada agradáveis aos olhos e um lado introspectivo, criado por sua construção narrativa.

A Festa da Menina Morta no fim das contas é o canto de desespero por uma vida melhor, pois sem opções, quem não olharia para o passado ou quem não inventaria histórias? É um retrato de um país tão perdido como o nosso, mas que precisa ter provações a todo o momento.

Mesmo que passe pela excentricidade e pelo exagero diversas vezes, o filme tem uma peculiaridade e ele não passa dos limites no que é mais valioso pro filme: A fidelidade com os costumes do povo.  Debaixo de uma direção coesa e almejando um futuro como diretor, Nachtergaele nos brinda como um filme mais do que necessário para o cinema nacional, indo além de um padrão e de uma linguagem já saturada.
 
★★★★
 A Festa da Menina Morta (Idem, Brasil, 2008) de Matheus Nachtergaele

APENAS O FIM


Talvez pela ousadia, coragem e toda história que o cerca tenha levado o longa do estreante Matheus Souza a entrar no circuito de festivais com a tendência de cair no gosto do público. E assim foi feito. Apenas o Fim levou o Prêmio do Júri Popular no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo. Matheus fez seu filme em poucos dias, com ajuda de sua faculdade onde estuda cinema e que também serviu de locação do filme.

Mas na verdade o filme oscila bastante e deixa claro: É um filme de apostas. Aposta na estética, nos movimentos de câmera e no roteiro atrapalhadamente simples, preso aos diálogos. Matheus deixa grosseiros rastros de sua vida no roteiro de maneira explícita e sem muita elegância para contar a história de Adriana, que decide abandonar a rotina e seu namorado, dando apenas uma hora para Antônio se despedir e de alguma forma desencadeia os motivos para a fuga de Adriana de uma maneira bem humorada e registrando o mundo dos jovens da zona sul carioca de uma forma tão particular e peculiar que pode distanciar quem não está familiarizado com os hábitos dos estudantes da PUC.

Fora os rastros deixados no roteiro, ele é pontuado por diálogos que Gregório Duvivier consegue tirar água de pedra, transformando a pretensão em gargalhadas, mesmo com todas as forçadas referências típicas de um diretor de cinema, o que soa forçado e pretensioso demais. Tais referências vão além dos diálogos e ficam mais claros com o andar do filme virando uma grande senilidade.

Podemos passear pela universidade com movimentos de câmera acertados. Seqüências coerentes e planos criativos acentuam as confusões na mente de Antônio. Infelizmente existem buracos bem claros tampados pela pós-produção, mas nessa altura Adriana e Antônio já nos conquistaram e isso não vira um grande problema.
Apenas o Fim é um filme de diálogos, dirigido por alguém que vive tal realidade e a identificação pode ser imediata ou com uma breve estranheza. Mostra uma geração com influência direta da TV e filmes e com bons e singelos momentos, mas tropeça por sonhar alto demais e parecer algo que poderia passar longe de ser.

★★
Apenas o Fim (Idem, Brasil 2008) de Matheus Souza

DUPLICIDADE


Em seu segundo filme na direção, Tony Gilroy (mais conhecido por seu trabalho como roteirista) mostra versatilidade em Duplicidade, uma trama de investigação que cerca, na verdade, uma história de amor entre dois espiões. Através da narrativa não linear acompanhamos como Ray Koval (Clive Owen) e Claire Stenwick (Julia Roberts) se conheceram e como mantém a relação através dos anos, enquanto o trabalho corrupto dos dois impede uma relação comum.

É interessante como Gilroy liga os fatos, principalmente pela relação do casal com o trabalho, que envolve sabotagens de informações secretas de grandes empresas. A química entre Owen e Roberts é perfeita. Como se não bastasse, Gilroy tem a seu favor o sempre ótimo Paul Giamatti e Tom Wilkinson, como chefes de grandes empresas, que em filmes como esse, ganham mais destaque.
Nessa multiplicidade de fatos, Gilroy nos remete a Onze Homens e Um Segredo, Snatch – Porcos e Diamantes pela junção da trama de investigação com toques de humor e Sr. & Sra. Smith pelo relacionamento e posição do casal, que obviamente, em algum momento da trama, teriam uma colisão profissional.

Gilroy também se comunica com os elementos de cena, com a luz e locação para refletir o emocional e posição de cada personagem. Mas no meio de tantas informações dadas pela trama, isso acaba ficando em segundo plano. Assim como em seu primeiro filme Conduta de Risco, Gilroy acaba usando muitas informações para levar a matemática da construção narrativa mais além, junto com o espectador após a exibição.

Mesmo sem fugir da obviedade de filmes do gênero, Gilroy consegue fazer um produto de qualidade, em meio a tantos outros genéricos que respiram ambição e falta de talento.
★★
Duplicidade (Duplicity, EUA 2009) de Tony Gilroy

VOCÊS, OS VIVOS



Depois do insano filme-poema Songs From the Second Floor, Roy Andersson volta à ativa com Vocês, os Vivos, mantendo o poder de suas metáforas e uma construção que oscila entre o abstrato e o bê-a-bá da narrativa e com belíssima fotografia.

Andersson tem uma peculiaridade em suas construções. Os takes são sempre com a câmera parada, personagens sempre apáticos e reações mornas as situações do cotidiano, mas apostando no lado ‘tragicômico’ da coisa. No meio disso, encontramos espaço para uma larga crítica aos “vivos”. Obviamente essa maneira pode criar uma urgente sensação de estranheza ou a revolta pintada de tédio, sensações totalmente previstas pelo diretor que obtém as respostas para elas durante a exibição.

Andersson nos mostra de uma forma que só ele sabe fazer, que nós, os vivos, estamos perdendo nosso tempo com coisas banais, depreciando a vida em momentos que deveríamos aproveitar ou reclamando e cuspindo a falta de compaixão. É engraçado pois o povo sueco salienta tais sensações, logicamente influênciado pelo clima e o natural distanciamento do povo do leste europeu.

Nós, os vivos, precisamos de remédios para viver, deixamos de viver para ver a vida dos outros passarem na nossa frente e pedimos ajuda para reclamarmos depois. Andersson não grita e nem deixa explícito, pelo contrário. Ele prefere uma marchinha de uma banda do exército para nos mostrar quão ridículos nós somos. O filme está em cartaz em alguma salas do Brasil.

★★★★
Vocês, os Vivos (Du Levande, Suécia, 2007) de Roy Andersson

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