Amar, Beber e Cantar (Alain Resnais, 2014)



 

É com certa ironia que Alain Resnais nos deixa com um filme como Amar, Beber e Cantar. Por talvez ser o mais simples e paradoxalmente complexos de sua carreira. A formula de contrastes como sugestão – ou obrigação – como partida para análise de seus filmes, cada um com sua intensidade e particularidade, se repete. Como um complemento à mutação ou breve epílogo que o cinema que o próprio Resnais obrigara a enfrentar. Do olhar frio do início de carreira, aos tempos americanos ao interesse por outras formas de expressão, em especial o teatro popular, Amar, Beber e Cantar de diversas formas é um ríspido retrato da realidade.  Amar, Beber e Cantar é fruto de mais uma parceria do diretor com o dramaturgo Alan Ayckbourn, baseado na peça Life of Riley, de 2010.


O que vemos aqui é a noção simples de um mundo obscuro de Hiroshima Mon Amour ou Ano Passado em Marienbade igualmente fantástico como nos recentes Vocês Ainda Não Viram Nada! ou Beijo na Boca, Não! Na tela, temos a parte que está iluminada e a que está sombreada, como um globo – ou um palco. Nelas Resnais dissolve a função da mise en scène. Afinal, ela é uma grande farsa, assim como o ideal de vida que almejamos e catapulta perfeita para conversão da realidade para um plano fantástico onde tudo se torna duvidoso. O que é real e o que é teatro se divergem sobre o mesmo fundo, com o mesmo olhar, como um eclipse.


Em Amar, Beber e Cantar, Resnais exibe um grupo de amigos, que não são tão amigos e a história deles, que não é sobre eles em momento algum. São todos atores, que vivem o real – sempre em questão -, com o mesmo espaço cênico. E talvez o mais importante elo de um filme denso como este é a forma de um sitcom de quinta categoria. Estas contradições apagam os limites de um desenho profundo sobre a humanidade para enfim levar ao diagnóstico que é melhor ser levado pela correnteza enquanto se vive. É com um olhar extremamente leve que se deve encarar o choque de estar vivo, do mais obscuro desejo às estranhas manias. Deve-se respeitar, admirar e brindar a vida a cada segundo. Resnais nos deixa com otimismo, ainda que transpareça com humor negro o tom de preocupação em uma de suas locações prediletas – o cemitério.

Lançamentos em V.O.D


Comentários sobre filmes lançados diretamente em home video e V.O.D no Brasil:

 
 2013 Menos 1 (Idem, 2013, Brasil) de Vitor Baumgratz

Filme que flerta com o cinema de bordas com abordagem televisiva, como uma mistura bizarra de um filme de Petter Baiestorf com Casseta e Planeta. Para sinalizar a analogia do fim dos tempos e a ilustração como isso se dará (ou daria, pois o filme parte do suposto fim do mundo baseado no calendário maia), Vitor Baumgratz usa o básico de um filme de terrir como tripas, sangue, mal gosto e sexo como apoio maior que a própria história.

Sangue na Veia (In the Blood, 2013, EUA) de John Stockwell

Este é o epítome da carreira de John Stockwell nas últimas décadas. E infelizmente elas foram dedicadas a produzir filmes essencialmente ruins. Sangue na Veia tem o prólogo de um filme de terror - um casal que viaja de lua de mel e é vítima da milícia local - e se desenvolve como um filme de vingança mal orquestrado, inclinado às cenas de ação em boa parte mal desenvolvidas.  
 
Happy Christmas (Idem, EUA, 2014) de Joe Swanberg

Como uma extensão do modelo de Um Brinde à Amizade, último filme de Swanberg, Happy Christmas é um filme ainda mais diluído no cotidiano, nas ações comuns, ainda que o filme comece pela chegada de uma pessoa para a visita do Natal. Ou seja, a ruptura natural da rotina, assim como Cassavetes, não terá importância e sim o desenho dado pelo filme, no qual Swanberg evita julgamentos e foca no que faz de melhor - a construção de um mundo terno e igualmente ordinário. 
 
A Balada do Provisório (Idem, 2012, Brasil) de Felipe Rodrigues

O filme de estreia de Felipe Rodrigues emula referências diversas como a chanchada, o No Wave americano e a Nouvelle Vague em uma história que priva o bom humor com a dormência necessária para que ele não seja levado a sério no mundo modulado por conflitos. É curiosa a equação do filme, basicamente sobre o cotidiano de um malandro carioca que vive em esquinas preso à bifurcação do amadurecimento.

Doce Tentação (About Cherry, EUA, 2012) de Stephen Elliott

Filme sobre a percepção do real na era onde tudo se baseia na superfície. Enquanto se desenvolve como um filme enganosamente ordinário sobre ser alguém e seus subsequentes relacionamentos e distorções de valores, Elliott faz um dos mais rigorosos diagnósticos sobre o desejo agudo de afirmação.

CBGB (Idem, EUA, 2013) de Randal Miller

Se há alguma virtude no filme de Randal Miller é o de ser assumidamente um filme para TV. Portanto, Miller elimina convenções básicas do cinema e se foca na narrativa cosmetizada – que beira o pastiche -   para contar a história do clube seminal para o rock americano, em especial para o punk.

O Exército das Trevas (Frankenstein’s Army, Holanda, 2013) de Richard Raphoorst

O longa de Richard Raphoorts parte do básico preceito de found footage, popularizado no fim da década de 90, e se justifica como um ataque de monstros criados por Hitler como forma extrema de defesa. Do prólogo em diante o que se vê é um simples desenho para favorecer o susto, sem qualquer suporte histórico ou desenvolvimento mais aprofundado. 

Bem-Vindo a Nova York (Abel Ferrara, 2014)




Bem, há muito o que perceber e dizer sobre Bem-Vindo a Nova York, mas em uma primeira visão do filme é notório o caminho contrário de Abel Ferrara na suposição de dirigir um filme-escândalo. Seria, sim um filme de potencial gritante em relação ao tema, o escândalo sexual envolvendo o potencial candidato à presidência da França Dominique Strauss-Kahn. 


Impressiona como Abel Ferrara se apropria das locações registradas, como se fosse dono de um olhar extra ao do que está de fato registrando – a ação. Dele é oriundo o título do filme e a fixação de Ferrara em afirmar que não se trata de um caso e sim, de um filme das mais variadas percepções. Junto a esse registro, Ferrara volta ao domínio do tempo e do espaço como uma reconstituição, sem a preocupação do tempo de corte e sim da precisão de cada ação e da força descomunal que o tempo morto tem em Bem-Vindo a Nova York. Fica claro a partir da primeira sequência que Ferrara tenciona seu conflito ao lado poético como forma de investigação, sem qualquer preocupação acerca de um possível conto moral e de carga sensacionalista.


Afinal, estamos diante de diversos paralelos, o principal deles a questão do que é real, onde Devereaux (Gerard Depardieu) vaga entre a percepção de seus atos como prazer e vício. Cabe ao filme, pela simples escolha de acompanhar o cotidiano do magnata em terras norte-americanas, sob regalias e autoindulgência, analisar a posição do que é, de fato, real. Esta é uma questão que permeia a carreira de Ferrara das mais diversas formas, algumas de forma soturna, outras mais óbvias, mas é evidente que Ferrara volta aos seus alicerces de início de carreira, o lado mais obscuro e que volta à importância a formas difusas de dramaturgia, potencializando pela postura de Ferrara em conceber seu filme pela associação, em primeira instância, ao espectador, como um convite à análise em cada dobra do filme, a cada encontro de Devereaux com uma mulher, para o ambiente que cerca, para o que leva o homem ter atitudes que o incrimina e sua essência real. É como se Ferrara virasse um espelho para a plateia da forma mais cínica possível.


Este tipo de humor negro, sempre presente nos filmes de Ferrara, encontra o lado obscuro que pouca fora exibido nos  últimos filmes do diretor, amplifica a inclinação do diretor, que sim, julga seu personagem com a mesma motivação que filme - através do corte, da manipulação da imagem, da inserção de representações externas. Não há arma melhor.

Bem-Vindo a Nova York (Welcome to New York, EUA, 2014) de Abel Ferrara

Sem Evidências (Atom Egoyan, 2013)



Nos primeiros minutos de Sem Evidências Atom Egoyan surpreende pela possibilidade de resgatar o cerne do cinema noir através do uso de detetives em um mundo corrompido. Logo o filme toma o rumo contrário, da investigação sobre o sensacionalismo e o circo que o sistema judiciário americano se tornou. Baseado em conceitos pré-estabelecidos e na pressa – que pode gerar discussões infinitas sobre a concepção de tempo da justiça do homem e e a justiça divina -, o sistema é o alvo de Egoyan, que confecciona um longa que se divide entre o tradicionalismo de filmes de tribunal e o terror dos arredores de um crime brutal. 


Mesmo com o pano de fundo inóspito que filmes como este exigem, o plano que invariavelmente serve como exumação de um gênero esquecido pelo cinema contemporâneo, em especial o americano, é o que mais interessa. O contraponto  faz ao feitio ao filme, sempre próximo demais dos personagens, muitas vezes sufocante e tão irritante quanto a inclinação ao niilismo social do ambiente retratado. 

Sem Evidências mostra Egoyan mais interessado em ser testemunha de comportamentos extremos e histéricos acima de qualquer hipótese que a trama possa sugerir. É a forma no qual o diretor se camufla na pluralidade de conflitos como um diagnóstico mais simples sobre a corrupção humana e um duelo de forças muito simples, teoricamente sobre quem fala e quem escuta. Egoyan aponta seu alicerce, o investigador vivido por Colin Firth, porém a força está no luto duvidoso da mãe de um dos garotos, vivida por Reese Witherspoon. É a definição do caráter como apenas um primeiro passo, onde a apatia se iguala à representação das locações, tão determinantes para a história americana, assim como para diversos filmes americanos, de A Sangue Frio a Pulp Fiction.

Sem Evidências (Devil's Knot, EUA, 2013) de Atom Egoyan

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