THOR


Kenneth Branagh dirigiu um filme domesticado metido a transgressor. Depois dos fios narrativos sobrepostos à densidade sugeridos por Christopher Nolan (Batman Begins e Batman – O Cavaleiro das Trevas) e Zack Snyder (Watchmen) e o descompromisso de Jon Favreau (Homem de Ferro e Homem de Ferro 2) e Matthew Vaughn (Kick-Ass – Quebrando Tudo), o subgênero que os filmes de heróis se tornou é cercado pela expectativa de abordagens não convencionais.

Thor dá um passo para trás neste aspecto;  Branagh preocupa-se em atolar todas as características que um blockbuster deve ter sob ordinária abordagem: a aproximação da estética ao espetáculo (produzida com excelência), a previsibilidade do texto, o respiro (aqui, transpondo a saga do deus do trovão à contemporaneidade, citando Ipod, Facebook, etc) e o romance, que insinua estranheza da colisão de dois mundos, sem tanto sucesso.

Thor é uma obra que se sustenta exclusivamente pelo visual quase lisérgico do CGI. É, de fato, um belo espetáculo plástico e fiel às origens da HQ da Marvel. Porém, o desenvolvimento é raso, sem articulações para suprir toda desconfiança e saturação às imagens, como disse, domesticadas.


Thor (Idem, EUA, 2011) de Kenneth Branagh

A GAROTA DA CAPA VERMELHA


Um conto em tom sombrio regido por dilemas adolescentes dirigido por Catherine Hardwicke. Não é Crepúsculo, mas uma pseudo-releitura do filme-evento produzido em 2008. A Garota da Capa Vermelha adapta livremente o conto de Chapeuzinho Vermelho regida pela analogia do terror psicológico em uma comunidade dentro de uma floresta.

Catherine Hardwicke insere neste contexto bruxas, lobos, lua cheia, lua sangrenta, padres e um caso de amor. O texto, raso, frágil e previsível torna-se neurastênico em questão de minutos. Basta passar a apresentação de personagens e trama que tudo se torna redundante. Em A Garota da Capa Vermelha tudo parece requentado. Personagens, diálogos, decupagem, roteiro.

É perceptível a motivação da diretora de filmes como Aos Treze e Os Reis de Dogtown em produzir uma obra que cative o fervor adolescente. É notável a despreocupação em contar uma boa história e sim reconstituir, sem plagiar, um conceito fadado ao sucesso por conta da saga de Edward e Bella Swan. Subestimar seu público-alvo talvez não seja uma boa idéia. Só o tempo dirá.


A Garota da Capa Vermelha (Red Riding Hood, EUA/Canadá, 2011) de Catherine Hardwicke

A MINHA VERSÃO DO AMOR


A Minha Versão do Amor, como a maioria das comédias contemporâneas, se atrela a elementos dramáticos como contrapeso do lado cômico do texto para criar identificação maior com os personagens. O longa dirigido por Richard J. Lewis e protagonizado por Paul Giamatti (vencedor do Globo de Ouro deste ano pela atuação) peca justamente na irregularidade dentro da relação entre os gêneros. A imprevisibilidade do amor é o tema que rege a narrativa do longa que acompanha a vida de Barney (Giamatti), um homem vulnerável, casado três vezes – sem sucesso em nenhum deles, todos marcados por experiências traumatizantes.

Em retrospectiva, a vida de Barney toma forma de uma comédia baseada em bons diálogos, cheia de referências (Woody Allen talvez seja a maior delas) e ótimo ritmo. Giamatti rouba a cena e só a divide com Dustin Hoffman, em atuação memorável, vivendo o pai fanfarrão do protagonista.

Na segunda metade, o filme escrito por Michael Konyves baseada na obra de Mordecai Richler torna-se um ensaio dramático, manipulando o envolvimento da platéia. Muda-se a postura, o ritmo, a trilha. Menos a entrega de Giamatti a seu personagem e a eloquência do texto. Como epítome, A Minha Versão do Amor é uma obra irregular, que mantém a platéia atenta graças a seu leve desenvolvimento.

A Minha Versão do Amor (Barney's Version, Canadá/Itália, 2010) de Richard J. Lewis

10 ÓTIMOS FILMES QUE VOCÊ NÃO VERÁ NOS CINEMAS

Agradeça aos festivais, mostras, distribuidoras alternativas ou aos torrents. Só assim eles apareceram (ou aparecerão) por perto.

O ASSASSINO SENTIMENTAL DE MÁQUINAS (The Sentimental Engine Slayer, EUA/México, 2010) de Omar Rodriguez-Lopez

A narrativa de O Assassino Sentimental de Máquinas é fragmentada ao extremo a ponto do último ato completo exija atenção redobrada. Mas não é o aspecto mais importante do debut de Omar Rodriguez-Lopez, líder do grupo The Mars Volta na direção. O Assassino Sentimental de Máquinas é uma experiência sensorial, onde figuras de linguagem, unem-se para criar as possibilidades do sonho e traumas, acopladas a já citada frenética edição transformam a grande crise existencial de Barlam, um jovem que não suporta o peso de uma cartilha comportamental adolescente numa viagem abstrata e extremamente envolvente. [LER RESENHA COMPLETA]


ENTER THE VOID (Idem, França/Alemanha/Itália, 2009) de Gaspar Noé
Belíssimo conceito, idéias abstratas e cinematografia absurda. Uma obra ousada, forte que analisa breve espaço entre a vida e a morte.

CATERPILLAR (Kyatapirâ, Japão, 2010) de Kôji Wakamatsu

A explosiva combinação de vingança e remorso com inteligentes inserções sobre a segunda guerra mundial entrega um filme melancólico que superfície já é chocante, mas em suas entranhas é um contemplativo filme sobre traumas.

ÁGUAS TURVAS (DeUsynlige, Noruega, 2008) de Erik Poppe

A igreja é o palco do encontro para um desenrolar incrivelmente denso. O espectador não sabe quem é vilão e quem é mocinho. Se deve julgar ou ser julgado, o que é certo ou o que é errado. Crie suas respostas após os créditos finais. [LER RESENHA COMPLETA]
DENTE CANINO (Kynodontas, Grécia, 2009) de Giorgios Lanthimos

Talvez pelo fato de ser desconcertante e tocar em assuntos delicados demais, Dente Canino recebeu comparações às obras de Michael Haneke após as exibições no Festival de Cannes (o filme ganhou o prêmio da mostra "Um Certo Olhar"). Mas a experiência de assistir ao filme de Giorgios Lanthimos se iguala mesmo aos de Haneke por utilizar um silêncio incômodo e por dar um passo a mais nas convenções de moral da arte. Recentemente, Dente Canino foi indicado ao Oscar, concorrendo por Melhor Filme Estrangeiro.

RUBBER (Idem, França, 2010) de Quentin Dupieux

A sequência inicial de Rubber já justifica sua existência. O cinema é terreno de todas as possiblidades e da ausência delas também. Quentin Dupieux faz o espectador criar empatia por um pneu assassino para fazer alusões à relação entre filme e espectador. Sempre que possível, debocha de quem está do outro lado da tela, representado por um público esmaecido no meio do deserto. Mas o alvo principal do diretor é o cinema enlatado, em cenas que o surrealismo é gradativo na mesma equivalência que a genialidade.
HAHAHA (HaHaHa, Coréia do Sul, 2010) de Hong Sangsoo 

Sangsoo aborda a inocência e sua ausência em momentos paradoxais. Já e o bastante para o diretor nos remeter à Monty Python, Chaplin e claro, o humor oriental sem cair no ativismo contemporâneo das “homenagens”. A equivalência destas possibilidades surgem sem escadas para o riso por sabedoria de Sangsoo; A câmera é o maior condutor desta linguagem. Ela nos sugere o riso. Seus personagens estão na tela para serem objeto do ridículo, expostos às fraquezas sem pudor. Vencedor do prêmio da mostra "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2010. [LER RESENHA COMPLETA]



KINATAY (Idem, Filipinas/França, 2009) de Brillante Mendoza

Mesmo com uma trama concentrada num brutal crime, a tensão sugerida por Kinatay (filme que deu a Brillante Mendoza o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes em 2009) é absolutamente sensorial graças à ótima direção. Longas sequências, fotografia escura, uma sufocante proximidade do protagonista (que vai de bom moço a vilão em poucos minutos) e a simultânea distância à discussão de motivações para o assassinato realçam esta intenção. A preocupação está em realizar a imersão nas emoções de seu personagem principal, que paga por dizer “sim”. Seja na hora de casar ou de ser espectador de atos perversos. O caos dessa vez é interno, mas pode ser representado igualmente pelo cotidiano sempre captado pelas câmeras de Mendoza.

ESSENTIAL KILLING (Idem, Polônia/Hungria/Irlanda/Noruega, 2010) de Jerzy Skolimowski

O mestre do cinema polonês Jerzy Skolimowski vai no âmago da necessidade instintiva para analisar a relação entre o homem e a religião em Essential Killing. Com pouquíssimos diálogos, o filme destroça em nuances a posição de um terrorista afegão às promessas de uma vida próspera. Ele, alvo do exército americano, passa por situações extremas de sobrevivência em um local desconhecido. [LER RESENHA COMPLETA]
ZONA SUL (Zona Sur, Bolívia, 2009) de Juan Carlos Valdivia

O terreno pelo qual o diretor Juan Carlos Valdivia caminha em Zona Sul é perigoso. Em pouquíssimas variações de movimentos de câmera – em boa parte deles desenhando a mis en scène em todo o cenário lentamente, ele analisa a situação social do país através do cotidiano de uma família rica de La Paz. Aparentemente estereotipados, os personagens, aos poucos, desenvolvem seus conflitos usando a mãe – coluna da casa – como ponto de partida. [LER RESENHA COMPLETA]

HOMENS E DEUSES


Baseado em fatos reais, Homens e Deuses (Grande prêmio do júri no último Festival de Cannes) é uma poderosa análise do sacrifício do homem pela fé sem interferências teológicas ou políticas. Xavier Beauvois constrói nos primeiros minutos de filme o cotidiano de uma aldeia na Argélia que cresceu com ajuda de monges missionários. Quando muçulmanos atacam trabalhadores croatas, os monges franceses logo viram o próximo alvo.

Neste momento, Homens e Deuses deixa de ser uma obra meramente contemplativa para abordar com força extrema – imposto ao subtexto – o conformismo do homem às ordens religiosas e a tendência à manipulação da palavra de Deus e justificá-la com saídas radicais e violentas. Entre o cumprimento de seus chamados ou a preservação, os monges reforçam seus lados afetivos em cenas memoráveis, onde muitas vezes o silêncio substitui um discurso óbvio. Sob raciocínios e motivações diferentes, eles passam pela mesma crise; a de questionar a si e a Deus.

Mesmo com toda força em seu subtexto e muitas vezes utilizando o Evangelho como referência da situação, o diretor se aproxima de cada monge, explorando conflitos e necessidades, frequentemente utilizando a linguagem corporal – uma espécie de represália (in)consciente de homens que a partir da imposição do terror passaram a viver em um paradoxo.


Homens e Deuses (Des Hommes Et Des Dieux, França, 2010) de Xavier Beauvois

AMOR?


Na sustentação da catarse dos depoimentos que formam o novo longa de João Jardim (Lixo Extraordinário), estão cenas onde os personagens de Amor? criam uma peculiar relação com a água. No banho, na piscina ou no mar. De encontro com a dura realidade - o close nas mãos nos dentes serrados, na escolha de não encarar a câmera. Louvada seja a decupagem - está o momento da fuga, do descarrego, do alívio.

Amor? bebe da fonte do diretor Eduardo Coutinho, que por necessidade de se aproximar física e psicologicamente de seus personagens e tornar a entrevista em conversa – método que anos depois o próprio Coutinho subverteu ao escalar atrizes para interpretar suas depoentes em Jogo de Cena –, expunha sua imagem e equipe para os espectadores. Jardim faz o mesmo, unindo as duas metodologias do diretor de Edíficio Master. Amor? aborda contratempos, contrapontos e extremos das relações amorosas com bastante naturalidade – resultado de uma ótima direção de atores. Temas delicados como a violência doméstica, a fuga no uso de entorpecentes e a vida cômoda e submissa são pautados sem rodeios, sempre justificando a escolha de reconstituir com atores os depoimentos dados por pessoas que protegidas pelo anonimato podem expor, com detalhes, suas intimidades.

Por conta de sua forma, o longa pode passar longe da originalidade, mas domina o espectador pela força de seus depoimentos e primorosas atuações. Entre questões freudianas, no amor, sem a interrogação, vivemos em constante identificação, por menor que ela seja. E não seria diferente neste caso, mesmo questionando sua existência.

 
Amor? (Idem, Brasil, 2010) de João Jardim

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