Melhores Filmes de 2014 (1º Semestre)

Filmes lançados no Brasil em circuito, home video ou video on demand no primeiro semestre de 2014. 

Menções: Uma Família em Tóquio (Yôji Yamada), Os Dias Com Ele (Maria Clara Escobar), Gata Velha Ainda Mia (Rafael Primot), O Congresso Futurista (Ari Folman) e Nebraska (Alexander Payne).

 
10. A Imagem que Falta (Rithy Panh)
  Ode ao cinema. Lamento aos homens.

09. Sem Escalas (Jaume Collet-Serra)
 Arritmias no cinema de ação ao encontro do teatro do absurdo.

08. Avanti Popolo (Michael Wahrmann)
Política e cinema em "desenvolvimento".

07. A Primeira Missa (Ana Carolina)
Fazer e viver de cinema no Brasil.

06. Cortinas Fechadas (Jafar Panahi)
Um filme de terror sem sangue e fantasmas.

05. O Menino e o Mundo (Alê Abreu)
Caracteres moldados à solidão.

04. As Senhoras de Salem (Rob Zombie)
Emulando Ken Russel e Stanley Kubrick.

03. O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira)
A idade adulta do teatro.

02. A Grande Noite (Benoît Delépine, Gustave De Kervern)
Manifesto performático sobre a vida moderna e a (in)sanidade.

01. Cães Errantes (Tsai Ming-Liang)
Mundo em ruínas. Olhar para o futuro é sofrer.

Jersey Boys (Clint Eastwood, 2014)

 

É curioso ler a crítica americana diminuindo o filme de Eastwood o chamando de burocrático e cansativo quando seu entorno é dos mais interessantes desde Invictus (2009). Não há grandes amarras para perceber que Jersey Boys é, na verdade, um filme de máfia. Inclusive suas primeiras sequências circulam este tema e toda ambientação sugere esta interpretação. Pode se esperar um musical enfadonho assim que a primeira nota musical é tocada, mas ela subverte a leitura básica de dois sub-gêneros do cinema.

Eastwood avança pela Nova Jersey dos ítalo-americanos dos anos cinquenta e narra a ascensão e queda de um quarteto musical que atravessa os EUA - os Four Seasons. É o tempo de diversas afirmações acerca da cultura americana, porém Eastwood deixa estas observações para a maior das representações - a tela da TV. Jersey Boys não é sobre isso, enfim, ainda que todos sejam de certa forma manipulados pelo circo do entretenimento. O que se vê é como o espectro de um grupo é formado, o espírito de time e principalmente da persona de grandes mafiosos. Do grande chefe às dívidas, da postura ao distanciamento completo da vida. Pode-se substituir as grandes sequências de tiroteio por números musicais - boa parte deles justificados dentro da trama.

Jersey Boys é um filme simples em seu caminho e feitura, ainda que Eastwood pese a mão em momentos que o drama ganha proporções constrangedoras - a máxima do diretor na última década. Pode se afirmar que as excentricidades de um filme como este vale na filmografia de um homem conhecido pelo rosto fechado e palavras diretas, mas Jersey Boys é o gesto mais honesto de Eastwood sobre si desde Gran Torino (2008). 

Jersey Boys (Idem, EUA, 2014) de Clint Eastwood

O Grande Hotel Budapeste (Wes Anderson, 2014)




A partir de A Vida Marinha com Steve Zissou (2004), com exceção de O Fantástico Sr. Raposo (2009) e alguns entreatos de Moonrise Kingdom (2012), o cinema de Wes Anderson foi calcado no método da pintura, ou seja, a partir das posições dos corpos e suas relações com o entorno. Com ele, Anderson tem remetido à memória como forma de estabilizar a fábula como pilar principal de sua filmografia. Nada realmente novo e que os franceses Jacques Tati e Catherine Breillat não tenham feito, cada um a sua moda e tempo. Tati, por sinal, é ecoado a cada sequência de O Grande Hotel Budapeste, novo filme do diretor norte-americano em especial pela obra-prima Play Time (1967).


Com base nos textos do dramaturgo austríaco Stefan Zweig, O Grande Hotel Budapeste confirma o caminho de um cinema de tipos, onde a estrutura de composição descreve ações e comportamentos pelo humor dado ao corpo e pela representação visual máxima do pastiche. Não será preciso marcar a psique de cada personagem em O Grande Hotel Budapeste, basta lembrar-se de suas cores, de sua primeira leitura ou referência. E o mesmo servirá para as locações. Esta relação de Wes Anderson com os personagens tornou-se mais aguda com o tempo. Hoje, eles estão mais para versões cartunescas que exigem o cenário fantástico que rendem mais elogios que o próprio filme, enfim.


Esta facilidade oferecida por Anderson é capaz de disseminar sentimentos difusos entre o deleite visual e o humor quase mímico. Fica evidente que o filme foi inclinado para a simplicidade, para emoções facilmente decifráveis na relação filme-espectador, tanto que o maior dos êxitos de O Grande Hotel Budapeste é o tempo dado ao intervalo. O espaço criado para o riso forçado parece o gesto mais sincero na formatação de um filme extremamente distanciado e muito mais representativo como uma catalogação de locações na filmografia de Wes Anderson. Nestes intervalos, enfim, o filme sai de sua proteção de plástico e ousa.

Pois nortear o filme como um espetáculo visual bem elaborado sobre trapaceiros parece deslocar um mundo de possibilidades onde o que interessa mesmo é o interlúdio muito interessante sobre o amor. Sobre os trapaceiros, talvez as questões envolvendo dignidade sejam as mais relevantes, ainda que elas tenham servido como base inexorável de O Expresso Darjeeling (2007). 

Portanto, O Grande Hotel Budapeste se resume através do desajeito em diversas escalas. A principal é por romper o naturalismo pelo tempo que enquadra seus estereótipos até que eles sumam e isso não significa que eles tenham saído da tela. São os personagens incomodados e que propositalmente incomodam, juntos com a negação de reestabelecimento da organicidade de outrora de um diretor. Faz-se assim um encontro muito torto com o real. 

O Grande Hotel Budapeste (The Great Budapest Hotel, EUA, 2014) de Wes Anderson

Miss Violence (Alexandros Avranas, 2013)



O trabalho de Miss Violence à priori é o de ecoar a suspensão emocional de um tipo de cinema que há muito fora consignado ao cinema europeu à estirpe de Elem Klimov, Ján Kadár, Aleksey Balabanov, Michael Haneke, e mais recentemente, o conterrâneo Giorgios Lanthimos, diretor de Dogtooth, de 2009. Em comum, estes diretores em algum momento de suas carreiras exibiram o movimento tão ilusório quanto à ideia de mundo perfeito através de digressões do lamento e do humor involuntário sempre pautados a partir de um plano político. O cartão de visitas de Alexandro Avras, a cena de um suicídio, tão brutal quanto cínico deixa evidente o norte do filme.


Na medida em que se desenvolve, Miss Violence parece a cada quadro como um diagnóstico de uma sociedade doentia em um país em frangalhos. Este encontro exige que a tragédia exibida no primeiro minuto de filme fique em evidência a cada quadro. O trabalho de Alexandro Avranas é o de constituir o que segue, das burocracias exigidas ao pertinente – e nunca presente – momento de luto da família que perde um ente querido. Partindo deste ponto, o filme, frio e pessimista – como deve ser – entrega as formalidades de uma família moldada ao pensamento que existir é de fato um ato trágico. 


Escapar da formatação de um tipo de personagem como o vilão ou a vítima enfoca a calculada crueza do filme. Ele é entregue ao reflexo automático de um tempo que se suporta, ou ao menos tenta-se adaptar a qualquer coisa. Para isso, há uma camada de solenidade acompanhada do característico e sempre constrangedor silêncio, uma virtude nunca modesta, pois o que vemos é a moral sendo depositada no lixo em troca de valores nem sempre bem definidos. As consequências, estas sim são claras dentro de um terreno banal que é a rotina de uma família de classe média grega, a grande vítima da crise econômica. O que circunda Miss Violence, da mesma maneira que Dogtooth, é o desespero por uma saída e pela inexistência desta, o auto-boicote serve de apoio. 

E justificado desta maneira, o circo de horrores é montado e desenvolvido a partir de uma mentira que exige momentos de crueldade e egoísmo. Mesmo que o filme tange ao reflexo mais comum a este tipo de pensamento, a violência, seu impacto é conservado, pois Avras se concentra em potencializa-lo pelo lado psicológico. Apresentar este mundo já é o suficiente para a perspectiva pessimista e de áurea agressiva.

Miss Violence (Idem, Grécia, 2013) de Alexandros Avras

O Lobo Atrás da Porta (Fernando Coimbra, 2013)


Temos em O Lobo Atrás da Porta mais um caso raro no cinema brasileiro no qual o roteiro se sobrepõe à direção e escolhas estéticas quando falamos de gênero. Por mais que se trate de um filme baseado em fatos reais, o roteiro assinado por Fernando Coimbra traz um panorama social riquíssimo e vaga entre a autenticidade e o crível, passeando entre a reconstituição  - narrativa -  e depoimentos dos suspeitos de um sequestro ocorrido nos anos sessenta no subúrbio carioca. Este desenho de tipos de Coimbra vai ao coração da trama e, até onde lhe convém, rodeia-o com artifícios e alegorias nem sempre necessárias.

Por se passar em um ambiente inóspito e ensolarado - rendendo comparações ao mundo de Nelson Rodrigues - O Lobo Atrás da Porta delineia o caminho para o espectador, baseando-se nas dicotomias que um mundo de infidelidade, em todos aspectos, oferece. Vemos, por  mais pulsante que a trama possa ser, um retrato social dos mais assombrosos por trás do gênero. E o grande trunfo do filme de Fernando Coimbra é saber administrar estes extremos, sabendo como eles se amplificam quando se cruzam. O que torna um jogo com as possibilidades para o filme e um pensamento pessimista para o real. Portanto, é possível utilizar analogias das mais simples usadas no filme para salientar o restauro do cinema narrativo brasileiro que há muito circulou através de fatos populares, pilares culturais e panfletagem política.

Partindo deste ponto, o trabalho de Coimbra é o de  fazer um filme que se desenvolve sobre a esfera de terror - social e existencial - através de planos de rostos. As sequências fundamentais de O Lobo Atrás da Porta são construídas com precisão em closes ou planos-americanos, com a câmera estática com a função de observador e nada mais que isso. A escolha de Coimbra de raramente se intrometer na história que carrega força natural é acertada. A distância costura este mundo onde a culpa é mera consequência.

Esta praticidade está inclusive no arco dramático que o filme exige. Mesmo com a fluidez da mise en scène e a montagem que privilegia a frouxidão, o tempo presente e o respiro em uma história extremamente aguda. São nos momentos de utopia, de planos para o futuro e até mesmo nos conflitos matrimoniais que o tal lobo se esconde. E nesses momentos Coimbra permite o envolvimento total do público emitindo o prazer da implícita ação da trama, antes mesmo de qualquer consideração acerca do lado psicológico, que se revela no momento apropriado.

O Lobo Atrás da Porta (Idem, Brasil, 2013) de Fernando Coimbra

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