OS INVENCÍVEIS

O cinema coreano nos últimos anos conseguiu uma legião de fãs e merecidamente, pois a qualidade que vemos não só na direção e fotografia, mas na preparação dos atores e uma delicadeza ímpar com o produto final, mesmo em filmes de violência absurda como Oldboy ou O Hospedeiro gera uma nova fatia para o mercado cinematográfico mundial e em Os Invencíveis, a história não é diferente. Vale lembrar que esse filme foi exibido durante o Festival do Rio com outro nome, O Bom, O Mau e O Bizarro, a tradução do título original e que dá muito mais sentido ao filme que essa nova tradução.

Para trazer elementos modernos ao western – gênero que fincou sua fama no passado – o diretor Ji-Woon Kim aposta em movimentos de câmera ousados e edição frenética em momentos importantes da trama.

Os Invencíveis é pontuado por três longas cenas de ação que definem o início, a metade e o final do filme. Todas elas construídas com apelo visual absurdo, explorando com precisão as locações, detalhes inseridos pela pós-produção interessantes e que aumentam o choque para o espectador. E entre essas três cenas o que vemos é o esquema linear e violento de corrupção de três homens fora-da-lei, como um pode enganar ao outro mesmo que seu ponto de chegada seja indefinido.
Entre esse show visual, algumas apostas não conseguem a naturalidade, ficam explicitamente mecânicos e parecem como takes experimentais no meio do vazio criado pelo roteiro que não trás novidade alguma para o gênero Western. Um caçador de recompensas (O Bom), um assassino (O Mau), um assaltante de trens (O Bizarro) nos primeiros minutos de filme se encontram dentro de um trem. Uma entrega planejada de um mapa que levaria a um tesouro falha. A partir daí, uma perseguição de gato e rato é criada. Como o estrondo do encontro destas três figuras é grande, outras potências do crime e logicamente da justiça também vão atrás de tal mapa.

Como diz o antigo título, os personagens se encaixam em cada adjetivo e a atenção maior fica para o hilário Yoon Tae-Go (O Bizarro – vivido pelo brilhante Kang Ho Sang também conhecido pelo seu trabalho em O Hospedeiro) que garante a naturalidade e a cara-de-pau entre o mocinho e o bandido. Infelizmente todas as surpresas são guardadas para o final do filme, o que pode causar cansaço para quem aguardou uma reviravolta durante 120 minutos. Mas sugiro que aguarde, pois as surpresas são boas.

★★
Os Invencíveis (Joheunnom Nabbeunnom Isanghannom, Coréia do Sul, 2008) de Ji-Woon Kim

SANTIAGO

Em 1992 o documentarista João Moreira Salles iniciou um projeto, que contaria a vida do mordomo de sua família, o argentino Santiago, que trabalhou para famía Salles durante trinta anos. Para o diretor, a vida de Santiago se confundia com a história da sua antiga casa dos Salles, onde João passou a infância. Tal proximidade de Santiago e a história da família é o que cria o laço entre o filme e o espectador, que é lançado em DVD dois anos após chegar aos cinemas.

João constrói o filme quinze anos após as filmagens e com isso, desconstrói o processo feito em 92 através da narração em off e de imagens do making off e takes que não funcionaram. João questiona a veracidade de uma história e o seu próprio método de filmagem na década passada e da linguagem documental. Certamente um acerto para nos aproximarmos de Santiago e nos afastarmos de João, que dirigia o mordomo com pressa e arrogância enquanto o mordomo se abria com tamanha sinceridade, enquanto o diretor faz uma auto-crítica do que seus planos já deixavam explicitamente claras as intenções.


Santiago acompanhava a história dos aristocratas, de artistas e outras pessoas importantes e fazia uma espécie de biografia de todos com observações, detalhes e suas opiniões, acumulando mais de trinta mil páginas. Segundo o próprio, isso fazia com que ele não se sentisse sozinho. Mas entre seus momentos de expansão emocional, Salles parece se perder quando coloca o lado artístico do mordomo e o seu próprio lado de construção artística, por talvez ter pouco material para a montagem e acaba se segurando em paredes para manter o equilíbrio de seu filme.

Existe a sensação de perda de rumo, mas para nós, o que vale é a vontade de conhecermos Santiago melhor. João nos dá boas amostras de quem era essa figura tão presente na vida da família Salles, mas não o conhecemos por completo, talvez pelo abismo que existia entre João e Santiago, que não saíram de suas posições reais nem durante as filmagens.

★★★★
Santiago (Idem, 2007 Brasil) de João Moreira Salles

W.



O que fazer para fugir da obviedade de um roteiro que conta uma história, ainda contemporânea? Oliver Stone coloca o legado da família Bush e os desastrosos anos de George Bush Júnior no poder sem muitos rodeios em duas linhas narrativas e com uma opção dramatúrgica excelente em seu novo filme, W.

Na seqüência inicial do longa, já vemos para que Stone e o excelente ator Josh Brolin vieram. Vemos um confuso presidente, sem poder de iniciativa, domado por seus assessores, sem saber qual direção tomar em situação que poderia mudar o caminho da história de seu país. Mas Oliver Stone não dá o chicote para o público, ele lembra quem o colocou sentado ali na Casa Branca.

Júnior, como é conhecido em sua família, foi o típico redneck texano: mulherengo, bebia demais, não queria saber de nada e gostava de assistir jogos de baseball enquanto se deliciava com uma cerveja nas tardes de domingo. Talvez com a pressão patriarcal ou com o peso de uma vida vazia, George W. Bush foi ousado a seguir os caminhos do pai, que também foi marcado por declarar guerra e não se conformar por ser uma indecisão infeliz. O confronto familiar era uma pedra no sapato de Júnior, algo que o acompanhou durante até o fim de sua presidência.

Stone não faz uma dinâmica com o espectador para que ele entenda as piadas e sátiras ao ex-presidente, como Michael Moore faria, mas conta como o caos e o terror foram se espalhando pelos Estados Unidos a partir da Casa Branca de forma que só possamos esperar o pior vindo de um presidente tão despreparado e sem iniciativa, nada estimado e que se segurava em sua religião para justificar tamanhas burrices, algo que veio do passado, durante suas campanhas e do seu governo no Texas. É lógico que por se tratar de uma aposta linear e sem aproximação no que se diz a dramatização de seu personagem ao todo – exceto por uma ou outra cena, onde Bush se encontra no campo de Baseball do time em que ele é dono e pelas suas caminhadas no campo – deixa que a empatia seja bastante oscilante.

Já Josh Brolin dá um show a parte. Aproxima-se demais do presidente principalmente em situações conhecidas pelo grande público, como as entrevistas coletivas, de onde saíam, as famosas – e tão usadas por David Letterman para arrancar risadas de seus espectadores – pérolas, onde Stone consegue captar com maestria o nervosismo e uma equipe despreparada, deixando um país em desespero e também após os ataques de onze de setembro, onde as saídas, já conhecidas por todos, mostram ainda desconhecidas por muitos, mas que não fazem que o presidente consiga mudar sua imagem e aumentam as complexidades do personagem, mas o deboche é inevitável.

Stone é um fanático pela política e não é a toa que já fez alguns filmes sobre presidentes como Nixon e JFK, mas o grande problema deste filme não é o filme em si, mas sim o grande personagem dela. É sim um filme sobre um homem que simplesmente não sabia o que estava fazendo. Decisões tomadas pelo desespero assinam embaixo a resposta semelhante vinda do público. Stone tem a missão cumprida, ao contrário de seu personagem, digo ao contrário deste “presidente”.

★★★★
W. (Idem, EUA 2008) de Oliver Stone

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

Um estudo da posição étnica, dos estrangeiros e de como o convívio pode levar ao intenso caos dentro de uma escola, esse é o que podemos considerar de Entre os Muros da Escola, filme vencedor da palma de Cannes no ano passado. Logicamente, existem inúmeros “filmes de professor”, mas a construção deste é completamente diferente, como se fossemos um aluno daquela conturbada classe, não uma aventura com final feliz como Mentes Perigosas ou um drama de um professor como em Half Nelson.
 
Infelizmente, não fugimos dos clichês de personagens, mas na verdade somos todos vítimas dos estereótipos. Mas o que importa ao diretor Laurent Cantet é captar o cotidiano de uma escola, o que leva aos alunos a explodirem dentro da sala de aula, mas sem apelos e sem levar nosso conhecimento para fora da sala de aula. Não acompanhamos a vida dos professores e muito menos dos alunos fora do colégio. Portanto, não existe uma conclusão clara vinda da tela. Mas, na verdade, que conclusão podemos tirar do cotidiano, como meros espectadores?

O professor François Marin, interpretado pelo professor (sim, professor que escreveu o roteiro do filme também) François Begadeau está em uma gangorra emocional e se vê obrigado a segurar as pontas com os alunos e de também não fugir de suas obrigações como professor. Muitas diferenças de costumes existem entre os alunos e isso serve para mais desentendimentos em longos diálogos formais, nos aproximando dos personagens. O que nos cola de vez é o modo frio que Cantet sua a câmera. Ele nos coloca ali, parados, estáticos, sem nenhuma ousadia, somente o uso de cortes nos faz lembrar que estamos acompanhando um filme.

Essa abordagem crua é inteligente, mas também cansa, pois por duas horas, não existe uma mudança do que foi sugerido. Mas deixa mais explícito que relações intensas como as de professores e alunos devem ser medidas como uma moeda, não por pelo julgamento mais óbvio, vindos daqueles que se julgam mais sábios e que parece ser uma bomba, prestes a explodir.
★★
Entre os Muros da Escola (Entre Les Murs, França 2008) de Laurent Cantet

CHE - O ARGENTINO

Para o diretor Steven Soderbergh, o ideal seria uma exibição da saga de Che Guevara, sem intervalos, totalizando quase 5 horas de filme. Algo que só aconteceu nos Estados Unidos e mesmo assim, nas sessões especiais em que o público ganhava folhetos com fotos e informações sobre o longa. Aqui, Che, foi divido em duas partes: Che - O Argentino e Che - Guerrilha. E o que Soderbergh acertou em cheio foi em deixar o lado da guerra levemente pra trás e se focar no aspecto político e no lado humano - e sempre guerrilheiro - de Ernesto "Che" Guevara nesta primeira parte.
Uma breve apresentação do personagem e já estamos na mata, onde o exército da revolução cubana, liderada por Fidel Castro está lutando contra a ditadura e o exército Batista. Detalhes da vida de Che estão ali, mostrados com riqueza, porém para quem não está familiarizado com a história do asmático marxista, pode passar batido.
Entre imagens estáticas e uso de câmera na mão, Soderbergh consegue o equilíbrio técnico e fotografia trabalhada, realmente nos colocando ali, dentro da mata, junto com o exército, sem perder o cheiro do passado deixado entre o espectador e a tela. A fidelidade é realmente grande, sem contar o mais óbvio ponto da produção: A atuação de Benício Del Toro. O porto-riquenho é um monstro. Para mostrar o lado humano e preocupado com a boa índole e a justiça dentro de seu grupo, Del Toro consegue ir da serenidade a função de sua autoridade sem muitos problemas. Mesmo com muitos personagens importantes da história, a obviedade de personagens coadjuvantes aumenta perto da atuação de Del Toro.
As batalhas do exército de Fidel são balanceados de forma inteligente com momentos de Che, tempos mais tarde, nos Estados Unidos, durante sua estadia para declarações para as Nações Unidas e buscando direitos para os países da América Latina. Não existe uma quebra de ritmo e sim um momento para respiramos da linearidade de uma atividade que por vezes, se torna entediante. É interessante ver que muitos destes direitos viraram lendas, infelizmente. Não é a toa que tais sequências sejam colocadas com ausência de cores.

Guevara ficou em seu posto de médico por um tempo, cuidando dos feridos e dos locais, mas sempre atuante como cérebro da revolução e com moral o suficiente para se tornar líder, posto este que quando foi tomado, elevou o exército da revolução a um passo mais perto da vitória, pois Che tinham preocupações maiores e primordiais para um exército, muito maiores que apenas o manuseio de armas.

Tudo é dominado com bastante segurança pelo diretor, até sua última meia hora, quando as coisas parecem perder um pouco o foco, quando parecemos entrar num típico filme de guerra, mesmo com a facilidade de termos um background recente para nossas memórias, durante os conflitos em Santa Clara. Algumas cenas parecem ser bastante gratuítas e o ritmo é quebrado.

Mas, o mais importante não é deixado de lado, que é o cunho político e o lado humano de Che Guevara, que Soderbergh conseguiu dosar de forma inteligente, sem cair na mesmice de um filme de guerra e nem em uma espécie de tributo emotivo para um homem admirado por muitos, mas vale lembrar que esta é só a metade. A conclusão mesmo, só após o fim de Che - Guerrilha, que será lançado em maio deste ano em circuito nacional.
★★
Che - O Argentino (Che - The Argentine, França/Espanha/EUA 2008) de Steven Soderbergh

A PARTIDA

Para alguns, a morte é o fim. Para muitos, apenas o começo. Lá pelas tantas de A Partida, temos essa questão levantada por alguém que já a espera. O filme que levou o Oscar de filme estrangeiro deste ano nos mostra que a morte ainda pode ser alcançada enquanto ainda estamos respirando sem ser piegas. Yojiro Takita nos presenteia entre belas paisagens e a obscuridade do assunto, com uma direção coesa e escolhas técnicas certeiras, que fazem que o filme faça um breve passeio por nossas retinas, mas que consegue fazer uma longa jornada pela mente.
 
Daigo Kobayashi é um jovem que sonhava em tocar cello em uma orquestra em Tokyo, sonho este, que logo foi tomado de suas mãos. Como refúgio, resolveu voltar a sua terra natal, onde sua falecida mãe o deixou uma casa para morar. Lá, ele arruma um emprego que foge da normalidade: Ele embeleza os cadáveres antes do sepultamento ou da cerimônia de crematório. Estas cerimônias no Japão ocorrem junto ao velório, onde os familiares podem se despedir, enquanto, ela é embelezada, com extrema elegância e cuidado, algo que de certa forma, tira um peso da perda, tira as impurezas do mundo e valoriza a vida da pessoa.
 
Mas Kobayashi tem que enfrentar alguns obstáculos com sua volta: Os fantasmas do passado e seu trauma com o abandono do pai, que vem com o inconseqüente rancor infantil que é regado a cada lembrança. Fora isso, ele tem que lidar com o preconceito vindo da vizinhança e de sua própria mulher referente à sua profissão. O refúgio real não vem de sua cidade natal e sim da sua rotina e de quem está ao seu redor, com excelência e lealdade, Kobayashi sabe que só assim poderá se livrar do que o atormenta.

O filme pode ser dividido em duas partes: A primeira é mais dinâmica e se preocupa em ser mais didática aos problemas e conflitos dos personagens, com leves inserções de humor para tirar a morbidez do assunto principal do filme. A segunda parte tem cenas mais longas e introspectivas, sendo clara a opção do diretor de captar emoções reais dos atores, mas sempre coberta por uma simplicidade que tira qualquer excesso melodramático da narrativa.

Yojiro Takita não se preocupa em fazer questões profundas sobre a morte e deixa isso para o espectador que se dispõe a tal tarefa, se preocupando em registrar o cotidiano de forma mais densa, mais obscura e com longos raios de sol e um conflito que não se mostra intenso sob a pele de Kobayashi, mas que ronda a trama do começo ao fim e mesmo que caia na previsibilidade em certos momentos, o filme cativa, sem titubear, assim como o seu personagem principal em seu ápice emotivo.
 
★★★★
A Partida (Okuribito, Japão 2008) de Yojiro Takita

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