VICKY CRISTINA BARCELONA

Que Woody Allen é um gênio, todos sabem. E por muitas vezes, ele é maior que o seu próprio filme. Mas o diretor confirma sua nova fase e novo estilo de filmar emVicky Cristina Barcelona, também deixando a terra do Tio Sam de lado de vez. Seus últimos filmes abandonam o método de uma comédia com humor fino, focando nas pequenas dobras de fraqueza das pessoas ou em dramas fortemente inspirados em Ingmar Bergman. Disso, Allen apenas tirou suas clássicas aberturas com o fundo preto e fontes brancas e a trilha sonora jazzística.- Digo, em seu novo filme, até isso ele deixou de lado, colocando o som típico Catalão no lugar.
Allen optou por uma direção delicada, morna. O filme tem muitas sutilezas, culminando em um filme elegante, atraente, porém algo que não se espera de Woody Allen. Os movimentos de câmera são delicados, muitas vezes imperceptíveis e pequenas metáforas com as locações utilizadas, estas que são um show a parte, a beleza de Barcelona é incrível. Allen usa a cidade como já usou Nova Iorque por divesas vezes. 

A história conta as férias de Vicky e Cristina, duas amigas, que pensam completamente diferente quando o assunto é relações amorosas. Vicky, mais centrada e aparentemente mais madura, está para se casar e preza pela segurança de um relacionamento saudável. Já Cristina, não acredita em nada disso e busca aventuras. Elas conhecem o pintor Juan Antonio, e logicamente Cristina se apaixona e Vicky, pega asco do garanhão espanhol. O caso fica confuso e Maria Elena, ex-mulher de Juan Antonio aparece para piorar a situação. O óbvio acontece. Mas nesse óbvio, temos uma intensa chuva de questionamentos sobre liberdade, amor, pudor e segurança. Onde personagens coadjuvantes também vão expondo suas fraquezas ao longo do filme. O ponto forte do roteiro é esse. 

Mas o que atraiu a muitos foi o tão falado triângulo amoroso entre Scarlett Johansson, Javier Bardem e Penélope Cruz. Sinto dizer, mas isso é muito pouco perto da mensagem que o roteiro nos passa. A cena dos três é pequena e singela, não faria a felicidade de um peeping tom qualquer. Tudo indica uma trama “caliente”, até mesmo pelo histórico do diretor, mas isso não acontece. 

O neurótico Woody Allen está ali, em algumas cenas, mas não em um personagem específico. Scarlett Johanson usa o seu diretor como uma nítida inspiração. E diretor este, que no meio de tantos bombardeios emocionais, consegue uma leveza que envolve qualquer espectador, até mesmo os que odeiam suas obras anteriores, mas que de fato é morno demais para quem ama suas antigas obras. É um filme redondo, mas que a genilidade de Allen foi deixada um pouco de lado.

Vicky Cristina Barcelona (Iem, EUA/Espanha, 2008) de Woody Allen

GOMORRA


Sodoma e Gomorra foram duas cidades que, segundo a Bíblia foram destruídas por Deus pois seus habitantes praticavam atos imorais. Um terremoto provocou o engolimento das construções e os restos de Gomorra se encontram embaixo das águas do mar morto. E o filme Gomorra, baseado no livro do escritor Roberto Saviano, que tem proteção policial pois sua vida vale um prêmio nos retrata atos ilegais e consequencias de fatos sob extrema violência ou corrupção em uma Italia completamente sem rumo.
 
Temos aqui, alguns caminhos narrativos que não tem obrigação de se encontrar, mas que não são trabalhadas o suficiente para localizar o espectador durante um bom tempo do filme. São caminhos desamarrados, algo que o cinema americano faz e que infelizmente nos acostumou, o que deixa no ar que muitas cenas do longa sirvam apenas como uma sequência solta, um mosaico de brutalidades, reflexos de uma política estreita e de uma parcela desfavorecida.

Um alfaite famoso da alta-costura que começa a trabalhar para os chineses, um homem que está responsável pelos pagamentos às famílias que tem membros da Camorra na prisão, um empresário que deposita lixo tóxico em local impróprio e sem cuidado com a saúde dos seus empregados, dois jovens que sonham em ser donos do tráfico de sua região, dois amigos que entram para "famílias" diferentes, todos em algum momento do filme são testados, colocados a prova de fogo. 

Um conjunto habitacional cerca a história da maioria dos personagens, assim, mesmo com diferença enorme de tempo para certos personagens, nos familiarizamos com cada um e seus coadjuvantes, que não são poucos.

Esteticamente temos bastante uso de luz natural, que pode remeter a Amores Brutos de Inarritu e por vezes, com luzes quentes, lembrando Traffic, de Steven Soderbergh e linguagem documental, o que eleva o nível de realidade de uma Italia, oculta para muitos, onde está o maior tráfico de drogas e armas do mundo e logicamente, mais sangrenta.
Gomorra (Idem, Itália, 2008) de Matteo Garrone

QUEIME DEPOIS DE LER

Elenco consagrado, um bom roteiro e diretores talentosos. De fato, é entrar em campo como jogo ganho. Mas Queime Depois de Ler não ganha de goleada. Entra em campo, marca os gols e sai com a já garantida vitória.
O novo longa dos irmãos Coen é um filme de espionagem. Ou não. Na verdade, o pulo do gato é esse. Ele oscila entre uma boa comédia e um longa sobre espionagem com todos os clichés possíveis do gênero, logicamente satirizando o mesmo. A leveza do filme reflete uma direção mais despojada, deixando o filme seguir um fluxo mais enquadrado nos moldes de um O Grande Lebowski, por exemplo.

É um filme que os atores lideram. Toda a preparação e dedicação deles, aliadas ao já merecido reconhecimento do público falam mais alto que a direção. Entre eles, John Malkovich como um cômico analista recém demetido da CIA. A sempre sensacional Frances McDormand como uma obcecada por sites de encontros pela internet e plásticas estéticas. George Clooney está bem, mas não consegue fugir muito de seus personagens cômicos do passado e o destaque fica para Brad Pitt, hilário. Este, aposta em uma veia mais cômica, utilizando linguagem corporal e frases de efeito, talvez o que mais pesa para o núcleo cômico do longa que fica em uma acadêmia de ginástica. É importante lembrar que todos estão em papéis submissos a suas vontades e em crise intensa, simplesmente deixando a beleza de cada ator por completo.

A história cerca Malkovich, que ao escrever suas memórias após ser demitido, grava em um CD, mas que é deixado na tal acadêmica de ginástica, deixada pela sua "querida" esposa. O paspalhão (Pitt) encontra o CD e uma chantagem nasce. Os interesses e os pontos fracos de todos estão expostos explícita e hilaririamente.

Por mais que ele aposte em cair para o pastelão com Pitt, o humor do filme, no geral, é fino, mesmo se tratando de uma paródia, que por todo tempo está presente no roteiro. O filme mostra para o que veio e pronto, termina, não se perde em nenhum momento e nem enrola. Mas me deixou a sensação de que algo faltou. Vai ver era a expectativa. De qualquer maneira, o filme é exemplar e não fica devendo em nada para uma comédia. Realmente difícil não sair satisfeito da sala de cinema após assistir esse longa.
★★
Queime Depois de Ler (Burn After Reading, EUA, 2008) de Joel e Ethan Coen 

O NEVOEIRO

O diretor francês Frank Darabont não se apressa em filmar, mas quando seus filmes finalmente chegam as telonas, decepção é uma palavra que o diretor desconhece. É o caso dos longas Um Sonho de Liberdade, Cinemajestic e A Espera de um Milagre. Em seu novo longa, O Nevoeiro, também uma adaptação da obra de Stephen King, Darabont aposta no estudo do comportamento humano, encaixada em uma trama de terror que usa elementos fantasiosos.
 
Analiso o filme em duas partes: A trama e o subtexto. A cidade de Maine, sofre uma devastação causada por uma tempestade que levam David Drayton e seu filho, acompanhados pelo não tão querido vizinho para o supermercado mais próximo para comprar mantimentos. Um estranho nevoeiro os impede de sair do supermercado. Usando apenas este como única locação por boa parte do filme, Darabont domina com talento a trama, sem que o filme caia em algum marasmo, aliado a uma montagem dinâmica e elenco afiado e diálogos que não levam o filme para o limbo.
 
Como um conto de terror, ele cai para o lado fantasioso, apostando em seres, que ameaçam todos que estão dentro do mercado e qualquer relacionamento humano e o medo chegam ao extremo, levando a vida de alguns que estavam dentro da loja. Logicamente a trama caminha em um campo já conhecido pelo público, indo para um caminho sem saída, onde a tensão aumenta conforme os minutos passam e um desfecho criativo acaba pontuando o longa como um bom suspense.

Porém, existe algo a mais. Presos em um local em uma situação limite, a relação entre todos começa a piorar. A necessidade de liderança aumenta, a submissão entra em questão, até mesmo a teoria da conspiração pode ser motivo para tamanho terror. Até onde eles podem ir em uma situação como esta? A soberba está instalada, o egoísmo e o interesse gritam. Neste aspecto, o filme é mais intenso que o de certa forma, similar, Ensaio Sobre a Cegueira.  

No filme de Darabont, essas condições são mais intensas, cuspidas no espectador que espera algo mais que uma trama de terror. Enquanto esse jogo acontece, uma fanática religiosa usa a Bíblia como motivo para distorcer não só a palavra ali inserida como os pensamentos dos abalados reféns, usando o julgamento e palavras de violência para conseguir sua liderança e rebelar. E assim quando as fraquezas são mostradas vemos que o humano pode, realmente, virar um animal irracional.
★★
 O Nevoeiro (The Mist, EUA, 2007) de Frank Darabont

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Adaptar uma obra do escritor português José Saramago como Ensaio Sobre a Cegueira não é pra qualquer um, realmente. O talentoso diretor e produto de exportação Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel) sempre teve a vontade de passar a história do livro para a telona. Anos depois, com algumas ajudas, seu sonho virou realidade. E poucos conseguem realmente enxugar a mensagem de um livro sem que ele perca algo significativo, já que os limites de um longa metragem são mais radicais.
 
Meirelles retrata bem esse estudo das condições humanas, da sociedade, contemporânea ou não, pois aqui é um estudo sobre o homem e segue seu método globalizado como fez em O Jardineiro Fiel. Quando uma epidemia de cegueira atinge uma cidade fictícia(sem nome, filmada em Montreal, São Paulo e Montevidéu, muito bem disfarçadas, aliadas a uma fotografia competente que casa as três sem problemas), os primeiros portadores da tal doença são jogados em um conjunto de celas e as condições são terríveis. Com a chegada de mais doentes e a falta de cuidados do governo no início da epidemia, vemos o homem virando um animal irracional, com base em dezenas de analogias e alguns fatos, que são frequentes nos tempos atuais.

Tudo está lá: Corrupção, o sistema, o jogo de interesse, ambição, traição e o instinto, principalmente ele. É claro que depois de vinte cortes depois da primeira versão, Meirelles nos proporciona um filme bem construído, dinâmico, mas deve na hora de chutar o balde. Enfrentar mesmo a platéia, chocar, algo que as primeiras versões faziam pessoas saírem da sala de exibição com cenas brutais de estupro, por exemplo.
 O roteiro adaptado tenta, mas não tem muito resultado. Como trama, ele é um ótimo longa, bem construído, com belíssimas e inteligentes passagens, metáforas interessantes, pensado e o talento do elenco (tirando Mark Ruffalo que não consegue convencer ninguém) que conta com Julianne Moore e Gael Garcia Bernal ajudam o filme para ter um resultado final positivo, mas nas analogias, fica devendo um tapa na cara da platéia como Meirelles conseguiu em seus dois últimos filmes.
★★
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, Brasil/Canadá, 2008) de Fernando Meirelles

A ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO



Quarenta e um anos separam o último filme de José Mojica Marins, o popular Zé do Caixão – hoje com 70 anos – A Encarnação do Demônio do segundo filme da trilogia, a obra-prima Esta Noite Encarnarei teu Cadáver, de 1967. Justificado no longa como o tempo da prisão de Zé do Caixão, ele é solto e o terror está de volta às ruas paulistanas.

O filme pode sofrer por interpretações de quem não encara o longa como um filme tradicionalmente de gênero. Um filme de terror, sem um roteiro bem trabalhado, com conflitos realmente profundos. Até nisso Mojica pensou, quando coloca seu alterego Josefel Zanatas com perturbações do passado que o levaram a morte (Sim, morte) e a prisão. Aliado a costumes brasileiros e religiões e sem maquiar a cidade cinza, usando até o bizarro castelo dos horrores de um parque de diversões como locação, Encarnação é um clássico instantanêo do gênero, mas é realmente necessário lembrar que é um filme trash, daqueles que podem nos remeter a Evil Dead, de Sam Raimi. Mulheres nuas, escatologia, atuações bem medianas presas a estereótipos, muito sangue e pouco roteiro.
 A história é a mesma: Zé do Caixão continua a procura de uma mulher que considere perfeita para ter seu filho, de seu “imortal sangue” e continuar seu legado pela terra, mas agora vive em um mundo mais violento e tem que se adaptar. Logo ele vira alvo da polícia novamente e a busca por Zé do Caixão vira a história paralela, já que o prato principal, logicamente é a carnificina e uma visitinha ao purgatório, muito bem feito por sinal. Alguns flashes dos outros filmes da trilogia são colocados no longa para situar o espectador que não assistiu as antigas “fitas”, como diria Mojica. Mesmo com o estigma de “trash” ele possui elementos muito bem elaborados, não só fotográficos e uma boa direção de arte.

Se você pretende assistir algo como um suspense quebra-cabeça comandado por Jigsaw, esqueça. Mas os efeitos visuais não devem nada a nenhum filme americano, pelo contrário. A ousadia de Mojica é louvável, encerrando uma trilogia que foi conquistada no suor, depois de tantos problemas. O longa é para poucos, mas confirma que o gênero ainda existe no país, já que os poucos filmes feitos do gênero no país não conseguem espaço. Mas repito, se você encarar o longa como um suspense que está acostumado a assistir na TV, vai odiar mesmo a obra de Mojica.

★★

A Encarnação do Demônio (Idem, Brasil, 2008) de José Mojica Marins

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