Vermelho Russo (Charly Braun, 2016)




Em 1924, Dziga Vertov, através do "cine-olho", fez uma síntese entre o filme científico e a crônica cinematográfica, uma "experiência de registro" e de "interpretação cinematográfica da vida cotidiana", da "vida captada de improviso" (Jean Rouch, 1968). Estas afirmações de Jean Rouch acerca dos pensamentos e obra de Vertov resvalam em Vermelho Russo, novo longa-metragem dirigido por Charly Braun (Além da Estrada, 2010).

O filme, uma espécie de quebra-cabeça de métodos cinematográficos, tem em dois conceitos seus principais pilares: díspares, um está em função da dramaturgia. O outro, de uma possível ideia do real e do improviso. São operações que mais parecem simultâneas pela escolha de montagem, como um real jogo de encaixes. Onde há espaços e significados, lá Charly Braun coloca suas peças. Vermelho Russo narra o tempo das amigas Marta e Manu na Rússia entre o tom institucional - paisagens, festejos, as declarações de admiração ao país - e a pauta do verdadeiro significado da dramaticidade. Entre as aulas de teatro baseadas em Stanislavski e o cotidiano das amigas, ora registradas pelas lentes de um amigo - justificando um possível documentário - e ora por este suposto "improviso", pela busca de uma leveza nos atos (mise en scène) das amigas que justifique o que é captado "de fato", como o "real cinema".

É um filme que lentamente entrega suas peças e intenções. Os conflitos estão lá, mas longe da estrutura clássica de roteiro. São propositalmente adormecidos, expostos onde o cotidiano deveria nortear a situação. Como em Moscou (Eduardo Coutinho, 2009), a experiência em Vermelho Russo parte da simples percepção. Através do jogo de "imagens atrás de imagens", conforme cita Paulo Viveiros em seu texto "Espaços Densos" (Imagem Contemporânea, Beatriz Furtado, Org, 2009). Um jogo simples, montado de maneira que se forme a crônica do outro. O outro que legitima o "eu". E desta forma, Charly Braun está em cada quadro do filme, deixando que suas peças sejam reveladas sequencialmente, como forma de mediar e representar uma transparência emocional oscilante.

Em miúdos, a retórica de Vermelho Russo está na externalidade. Pois o filme é sucinto, sem excessos e ironicamente desequilibrado - já que o encaixar das cenas parece como peça-chave para exibir sua mensagem principal: a extensão da alma, resignificar a presença de corpos e de um local em específico; buscar a essência na simplicidade enquanto se evoca a maior das representações (teatro). Este exílio russo, ou melhor, o dúbio exílio de produção de imagens, vem como a imagem produzida por terceiros (supostamente). O olhar do outro - outros diretores -, a entrega da história para este crepúsculo como forma de composição de uma autobiografia, ou ao menos a tentativa de um restauro emocional, uma jornada de redescoberta espiritual.

Texto originalmente publicado no Cineplayers.

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