À DERIVA


Filipa, quatorze anos, filha de um escritor e aparentemente viverá o verão dos sonhos, com praia, sol, amigos e familiares em um belo balneário. Mas esta recorrência é o trampolim para novas descobertas e serve como um ponto referêncial para separar a infância e a adolescência em À Deriva, o novo e mais orgânico filme de Heitor Dhalia.  Orgânico não só pela veracidade e a inevitável identificação com o público, mas também pela construção do longa.

Dhalia parece largar as mentes sombrias de Nina e O Cheiro do Ralo e aqui se posiciona num quadro doloroso de fácil identificação e semelhança. Filipa assiste a dissolução do casamento de seus pais e talvez inconscientemente injeta doses de auto defesa em relação a figura masculina, seja ela com o pai, com o irmão super protegido ou com o namorado, enquanto tem que assumir esta posição para cuidar dos irmãos mais novos - já que a mãe se entrega ao alcoolismo - e também para bater de frente com o pai, que mantém um relacionamento extra conjugal.

Entre movimentos de câmera leves e delicados, Dhalia constrói em paralelo uma vida de descobertas pessoais e de dor, colocando elas juntas de forma esplêndida na melhor cena do filme. A escolha de Laura Neiva para viver Filipa é acertada, pois ela não possui o vício da interpretação e consegue tirar do público algo que talvez um rosto conhecido não conseguisse. A menina é um achado e tanto.

A composição dos quadros de À Deriva é excelente. Ver um trabalho tão bem acabado como este é a certeza que Dhalia nos entrega uma obra madura, delicada e introspectiva no nível certo para se comunicar com a platéia sem buscar o âmago do conflito na narrativa, mas tão rico em sua construção que é o bastante para a compreensão de seu subtexto. 


À Deriva (Idem, Brasil, 2009) de Heitor Dhalia

DELÍRIOS


Fincado na proposta de bifurcar a moral e a razão de diversos fatos, Delírios tem esse título por colocar a trama na esfera do raso mundo das celebridades, mas se confirma como uma boa forma de mostrar a degradação humana em troca de um ego inflado com boa carga de humor, mas sem expor seus personagens ao ridículo.

Na era digital, onde celebridades pipocam por todos os lados e paparazzis para segui-los, Tom DiCillo coloca Les Galantine, vivido pelo sempre ótimo Steve Buscemi para fotografar celebridades e estimar uma vida que acontece apenas em sua mente, pois a posição perante a família e a sociedade o obriga a ser algo que não é. Enquanto isso, o morador de rua Toby, vivido por Michael Pitt, trabalha para Les em troca de favores.

A metáfora de usar o holofote como sol é tão contemporâneo que é piegas o bastante para se adequar ao texto de Delírios. A mania de esconder a sujeira, os defeitos e as lacunas existentes financeiramente ou espiritualmente falando conferem uma ilusão de trampolim para o sucesso.  Neste falido culto aos famosos vivido com tamanha falsidade por Les e Toby, Di Cillo consegue inserir boas doses de humor sem perder o fio da meada, apostando na divisão de dois pontos de vista, sugerindo o julgamento de seus personagens para o espectador.

A direção de DiCillo é sóbria e não se arrisca em desfigurar ou agregar novos pólos ao texto para carregar esta urgência pela fama, tão descartável e de certa forma inútil. É uma pena que em seu último ato, mesmo com a sensação de tarefa cumprida, DiCillo se estende demais e parece levar o titulo do filme a sério, colocando seus personagens que por todo filme são tão ordinários em posição politicamente correta.

★ 
Delírios (Delirious, EUA, 2006) de Tom DiCillo

O GRUPO BAADER MEINHOF



Após um conturbado período com Adolf Hitler no poder, a Alemanha passou entre 1967 e 1977 um período intenso de manifestações que o diretor Ule Edel (Eu, Christiane F., 13 anos, Drogada e Prostituída) retrata em O Grupo Baader Meinhof, filme indicado ao Oscar deste ano na categoria melhor filme estrangeiro. Este grupo era liderado pela jornalista Ulrike Meinhof e por Andreas Baader. Esta liderança parte da sugestão do nome do grupo e de fatos históricos, pois na obra de Edel existe um sério problema para posicionar os personagens na trama.

As manifestações eram contra a política de direita encabeçada pelo capitalismo genuinamente norte americano. Contra a exploração de outros países com fins financeiros, esses atos de liberdade na Alemanha cresceram com tamanha intensidade - e brutalidade - que o diretor se confunde em retratar os manifestantes como mitos, mas sem uma proximidade maior e pelo excessivo número de personagens a ganhar foco, assim expandindo essa sensação de liderança e criando uma abstrata idéia de importância de cada integrante para o grupo.

De rebeldes a terroristas, o grupo Baader Meinhof é acompanhado pela estética documental em momentos mais explosivos, emocionalmente falando. Os momentos de ação são construídos no extremo oposto. A aposta funcionaria se Edel não trocasse os pés pelas mãos por transformá-los em um espetáculo tendencioso. Nessas idas e vindas, o filme mostra que falta senso rítmico, numa narrativa tão linear que a saturação do tema é inevitável.

A obra de Edel tem qualidades, principalmente em mostrar a ousadia do grupo, mesmo atrás das grades, mas não preza pela originalidade num assunto bem conhecido pelo cinema alemão,nos últimos anos. O Grupo Baader Meinhof tem seus bons momentos, mas se firma como um pobre romance na fascinação pela rebeldia sem maiores reflexões.

★ 
O Grupo Baader Meinhof (Der Baader Meinhof Complex, Alemanha/França/República Tcheca, 2008) de Ule Edel

GET THRASHED! - A HISTÓRIA DO THRASH METAL

Numa hierarquia musical, eu diria que o thrash metal nada mais é que o primo pobre para o grande público. Mas o que acompanhamos no documentário Get Thrashed! – A História do Thrash Metal, dirigido por Rick Ernst, é que o gênero era uma fuga da mesmice e uma evolução já profetizada por quem ouvia rock pesado.

O gênero foi “criado” exclusivamente pelo famoso Metallica. Todos procuravam tocar de uma maneira rápida e pesada, mas sem perder as raízes do gênero. Quando James Hetfield, Lars Ulrich, Dave Mustaine e Cliff Burton apareceram para a cena musical, era como um novo respiro e uma saída para a mesmice que o metal poderia se tornar, criando uma dicotomia que é provavelmente a maior característica não musical dos thrashers, fora o visual clássico de calças justas e tênis brancos de cano alto.

A rivalidade com punks, skinheads e os posers (aqueles que gostavam do glam rock na época) era mais um motivo para a explosão contida e a insatisfação de uma vida recheada de tédio, biritas e metal, que resultavam em uma agressividade maior também pelas bandas, que faziam apresentações históricas e assustadoras para os leigos no assunto. Algo que ainda está cravado nas bandas do estilo, mas que hoje flertam sem problemas com fãs de outros gêneros musicais, pois beber de outras fontes foi o estopim para o gênero ser criado. Fãs de punk rock e de metal, os integrantes do Metallica juntaram a velocidade do hardcore e a virtuosismo do metal.

A estafa de intermináveis turnês e da pouca grana recebida tirava alguns músicos da pista, deixando apenas quem elevava o amor pelo gênero ao extremo para colher seus frutos, algo que Kurt Cobain destruiu com a chegada da década de 90 e é explorado por Ernst de uma forma que foge da lamentação e da linguagem bucólica. Ernst tem a preocupação de se aproximar de seus entrevistados e procurar o âmago de tanto amor por um gênero musical específico, algo que disperta a curiosidade de quem não vive essa rotina e que podem levar os fãs e musicos à uma destruição física e mental, sim, por amor e dedicação pela música.

Get Thrashed é um documentário que se justifica na busca da informação e não do show estético. Uma pena, pois entre cenas de arquivo seria possível um trabalho mais interessante de edição para não tornar essa história cansativa e de imagens mais atraentes visualmente falando e também por se privar pelas raízes do gênero na América e na Alemanha, fazendo uma limpa muito rápida no resto do mundo, principalmente no Brasil que é um país tão rico quando o assunto é heavy metal.


Get Thrashed! - A História do Thrash Metal (Get Thrashed!, EUA, 2006) de Rick Ernst

NOME PRÓPRIO



Nos tempos em que a inquietude pela sobrevivência é retratada com certa intensidade por cineastas, nada parece ser tão particular como Nome Próprio de Murilo Salles, que parece estar sempre à frente de seu tempo, em um discurso que provavelmente será inserido ao costume de cineastas brasileiros.

Camila, uma garota que após o fim de um intenso relacionamento, completamente perdida, faz textos explícitos e venenosos sobre sua vida e os posta em seu blog, dando a aba necessária para uma guerra de nervos e também para o foco dramático, vivido basicamente dentro da mente da garota. Com o livre acesso à vida alheia proporcionado pela internet, o posto de web celebridade que é logo recebido por Camila que não parece administrar seus conflitos e o novo rótulo e o coloca em um patamar que para ultrapassá-lo, é necessário tornar seus sonhos em uma realidade urgente.

Camila não mede esforços para viver e queimar seus cigarros intensamente que parecem palpáveis através dos jogos de câmera e planos escolhidos para domar sua egocêntrica queda. Quando está longe do computador, a escolha é apodrecer o seu corpo, como a protagonista diz. É uma experiência necessária para disparar sua metralhadora que são seus dedos perto de um teclado, mesmo que por isso ela tenha que destruir e seja destruída, o exercício de fazer sua mente brilhar enquanto o corpo morre.

Nessa instiga inquietante, a busca em seu subtexto é pela identidade.  Qual é o verdadeiro ‘eu’ de Camila? A infantil, birrenta e autodestrutiva ou a que preza pela preservação e um trabalho que é capaz de se relacionar tão intimamente que despe Camila enumeras vezes e de maneiras tão distintas? Nome Próprio é um fiel retrato contemporâneo sobre um seleto grupo que afirma viver a vida, mostrando o gozo de uma vida perfeita, mas que parece estar procurando a real identidade e que na primeira ponta de esperança que aparece, apostam tudo, mesmo sabendo que essa ponta irá se apagar a qualquer momento.


Nome Próprio (Idem, Brasil, 2008) de Murilo Salles

INTRIGAS DE ESTADO



Baseado na série de TV homônima exibida na BBC, Intrigas de Estado por mais que se apresente como um policial "mais do mesmo", consegue preencher lacunas deixadas por obras similares deixando o filme de investigação muito bem amarrado e consegue deixar rastros de dúvida, domando a atenção do espectador até seus momentos finais.

A história é a de sempre: Um escândalo político é manchete dos jornais, quando um falido jornalista – em quem a ação dramática se foca – resolve investigar o caso, ir mais a fundo e descobre que existe muita sujeira embaixo dos tapetes.

Kevin Macdonald (O Último Rei da Escócia) consegue trazer a volúpia amarrando o óbvio em uma trama de andamento fácil e que tem desenvoltura, mesmo com decupagem e montagem tão simplórias e que seguem o padrão da obviedade dos filmes do gênero. O ex-soldado e deputado Stephen Collins vivido pelo fanfarrão Ben Affleck perde sua amante num suposto suicídio no metrô. Quando Cal McAffrey, interpretado por Russel Crowe, um jornalista que se interessa mais por qualidade e não por quantidade e na emergência de notícias que logicamente resultam num crescimento do número de vendas tem de enfrentar a sua chefa Cameron (Helen Mirre – sempre ótima) nesta suposta teoria de conspiração contra o deputado.

Neste rolo estão conflitos de interesses amorosos, financeiros, acerto de contas e uma básica troca de favores; A questão óbvia é pela procura do vilão e do mocinho da história, pois aqui, uma mão lava a outra. O alerta para a sociedade é deixado de uma maneira explícita e insere esse manifesto a trama sem maiores problemas.

Mesmo cercado de clichês do gênero quando se fala de técnica e macetes, Intrigas de Estado é um filme que não cai no marasmo e na obviedade de um roteiro (que conta com o reforço de Tony Gilroy) de um gênero moldado, mesmo com a intensa tentativa de Affleck de estragar o clímax do longa, Macdonald mostra que consegue domar o amadorismo alheio.


Intrigas de Estado (State of Play, EUA/Inglaterra/França 2009) de Kevin Macdonald

O EFEITO DA FÚRIA


Calçado num método moderno e funcional, o diretor Rowan Woods faz um convincente registro contemporâneo em O Efeito da Fúria, filme que é lançado diretamente em DVD no Brasil. Neste método que revela as reações antes das ações em doses homeopáticas através da montagem e colocando seus personagens em um círculo sentimental criado por um evento - no caso do longa de Woods é uma brutal chacina dentro de uma lanchonete – cria-se também uma fragilidade na narrativa, não só por usar um método que por mais que tente sair da narrativa clássica, acaba caindo na mesmice numa estrutura completamente dramática.

Os vivos parecem pagar o pato desta chacina. A sensibilidade após o crime é cruel e parece um eterno martírio. Traumas, mentiras, ilusões e medo são alguns 'efeitos' que podem durar para sempre. Mas Woods não posiciona apenas o questionamento da violência que para alguns é um assunto banal, mas a fragilidade da vida é acentuada a cada cena.

Seja por um escape ou pela falta de afeto, Woods questiona os valores morais em aspectos predominantes da sociedade como o trabalho e a religião. A relação entre pais e filhos e o estudo da raiz da violência e principalmente, quando isso tudo parece ser tão banal, como podemos passar por um caso tão brutal e não ter uma reação.

E nesta linha tênue, Woods coloca seus personagens nesta rotina imposta por um mundo frio e calculista. Mesmo com a proximidade de Crash - No Limite, principalmente pela “fuga” do que nós chamamos de drama e pelos exageros romanceados, o diretor acerta por inserir as fraquezas e necessidades de uma sociedade em seu subtexto, alinhados a trama, junto de um elenco poderoso, concretizando uma obra que é fiel a contemporaneidade.

O Efeito da Fúria (Winged Creatures, EUA, 2008) de Rowan Wood

GUERRA SEM CORTES


Já em seus minutos iniciais, Brian De Palma desmancha tudo que construiu em muitos anos dirigindo filmes. Declara que seu filme Guerra Sem Cortes não é para ser um produto emotivo hollywoodiano e sim, um retrato próximo do que se passa pelo Iraque, assunto já saturado pelo cinema desde os ataques de 11 de setembro e não poupa críticas para filmes que exploram a tragédia com a intenção de faturar nas bilheterias.

Da típica elegância dos outros filmes de Brian De Palma, vemos o diretor ir para outro extremo, escolhendo as câmeras digitais para guiarem os dias de angústia dos soldados e o uso de referências modernas como a internet para informações e protestos se proliferarem pela rede mundial de computadores.

Desse tédio e dos costumes americanos, vemos o crescimento de atitudes radicais dos soldados que já tem suas raízes fincadas na violência e como uma saída mais eficiente para momentos de paz. As necessidades dos soldados também em crescente urgência acabam em saídas chocantes, fora a cansativa relação entre eles e o gratuito ódio gerado contra os Iraquianos, que nada podem fazer numa situação que está totalmente dominada pelos americanos, que na verdade, nem sabem o que estão fazendo ali.

Já convictos da absolvição, o que resta a eles são os traumas e a luta pela justiça do próprio coração, pois a justiça sugerida por George W. Bush é feita com excelência. Brian De Palma consegue dominar seu filme, mesmo com um elenco perdido e a linguagem quase documental, que faz o filme perder forças a todo o momento, mesmo que essa aposta seja para fugir de um clichê do cinema americano.


Guerra sem Cortes (Redacted, EUA, 2007) de Brian De Palma

JEAN CHARLES



Nas mãos de Henrique Goldman, Jean Charles, filme baseado na vida de Jean Charles de Menezes, brasileiro assassinado na Inglaterra em 2005, parece beber das fontes do diretor, que tem genuinidade nos documentários e usufrui dela para construir a história de Jean.

Mas como uma história envolvida por uma tragédia pode usar de um método documental e não tirar o envolvimento maior que a ficção proporciona através de seus elementos básicos? Goldman tenta manter as características dos dois gêneros, sem utilizar o caso como trampolim para um sensacionalismo barato.

O filme parece um ode ao “jeitinho brasileiro”. Nos sonhos e nas insatisfações, Jean ganha um dinheiro extra fora seu trabalho de eletricista. Esse dinheiro extra vem dos sonhos de uma vida melhor e da imediata insatisfação de quem cai em si e percebe que está fadado ao trabalho operário e que as oportunidades melhores são escassas. Mas ilusão que não aparece abater Jean. Outra característica dos brasileiros, que não parecem desanimar com tantos ataques e notícias ruins diariamente, que é pontuada pelos diálogos, principal guia da narrativa do longa.

Mas Jean sabe que a alegria não é sua fonte condutora de sua sobrevivência. É preciso tomar uma atitude, mesmo que ela não seja das mais honestas. O que acompanhamos é uma rotina e a luta pela sobrevivência na busca de uma identificação maior com o personagem vivido por Selton Mello. Mas na verdade o que cerca todo o filme é o suspense dado pela construção da tragédia, já que tal fato tornou Jean conhecido. Mesmo que tal rotina seja realçada pela estética escolhida que nos aproxima da realidade.

A revolta pela morte de Jean Charles é inevitável. Mesmo que o envolvimento seja mínimo e que o elenco irregular possa criar barreiras, Selton Mello eleva tal aproximação com a narrativa com excelência. O filme é dele. A construção da morte de Jean Charles passa longe de um show cinematográfico e mesmo que possa revoltar quem espera do filme um drama mais denso, ela é inteligente e a coloca no devido lugar, pois realmente não é um retrato da injustiça e sim a história de um brasileiro, que acorda cedo, trabalha, ganha pouco e se diverte como pode. Goldman acerta pela simplicidade e emociona em seu ápice e passa longe do oportunismo.

Jean Charles (Idem, Inglaterra/Brasil, 2009) de Henrique Goldman

IMPORT/EXPORT


A característica apatia usada por Ulrich Seidl agora mostra para o resto do mundo o que o leste europeu parece esconder em uma condição muito conhecida pelos brasileiros:  A falta de oportunidade, sob um olhar demasiadamente negativo.

Acompanhamos a história de Olga e Pauli, dois jovens sem perspectiva de um futuro frutífero. Olga se sustenta a base de empregos alternativos fora o de enfermeira, que certamente o mantém para criar uma imagem imposta pela sociedade, pois seu trabalho como stripper pela internet é mais rentável. A infelicidade a domina e a leva para uma aventura na Áustria. Já Pauli faz o caminho inverso. Sem emprego e vivendo num país que ainda escuta os ecos da segunda guerra, viaja com seu padrasto levando máquinas caça níqueis para a Ucrânia.

Ulrich mantém o que o consagrou em Dias de Cão. Sua direção é levada pelas emoções, mas sem nenhum esforço em criar elos com seus personagens e os espectadores. Ulrich impõe duras críticas em cenas que podem parecer avulsas, mas na verdade são de uma força extrema maior que uma narrativa mais didática nos ofereceria, calçada em imagens que se utiliza de uma beleza fotográfica incrível, mas seus elementos e personagens de cena são completamente arruinados ou colocados na posição de ridículo, deixando explícita a idéia pessimista vinda do diretor.

Nesta fantasiosa esperança por uma vida melhor, principalmente no lado de Pauli, que é obrigado a aturar seu padrasto que se ilude a todo momento com uma boa vida, vemos uma urgência da parte dos protagonistas, que aparentemente usufruem de histórias opostas, mas ligados pela ilusão extrema que os colocam - pelo desespero - na mesma situação.

Em cenas que o pudor é deixado completamente de lado, cada personagem exibe sua desconfortável relação com a rotina e o novo idioma. E onde cada suspiro de uma nova vida é devidamente cortado por um abrupto golpe do destino, isto é, o destino é o nome dado para a previsibilidade de vidas que não conseguem ver para onde remar, para onde seguir. O que o diretor Ulrich Seidl deixa claro para nós é que Import Export é um intercâmbio da miséria, não necessariamente financeira, pois parece que o vazio dentro de seus personagens vai muito além do vazio dos bolsos.


Import/Export (Idem Austria, 2007) de Ulrich Seidl

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