OS NOMES DO AMOR


Michel Leclerc concebeu Os Nomes do Amor como contraponto à discussão etno-política que insere na mesma receita a imigração, religião e a intolerância. Tal ideal vem da abordagem lúdica do tema, quebrando a dimensão do tempo, apresentando passado e presente na mise-en-scene.

Se Leclerc aborda a postura radical da política de direita francesa, ela é mero pano de fundo da trama de Bahia (Sara Fostier), esquerdista fervorosa que utiliza o sexo como arma política. Se ação e reação de conflitos religiosos estão em pauta, logo viram trampolim para o sarcasmo sobre a relação dos franceses com a guerra da Argélia. Essa ousadia teve reconhecimento, rendendo o César 2011 de melhor roteiro original e melhor atriz para Fostier.

Outro grande acerto do filme está na construção dos personagens, com características valiosas para definição de distintas visões e índoles políticas, e assim, moldá-los para, paralelamente, escrever um caso de amor. Leclerc foi por outro caminho, onde conteúdo e bom humor também são possíveis de despertar a passionalidade. Um conto que traz na medida conteúdo e diversão.

★★★★
Os Nomes do Amor (Le Nom des gens, França, 2010) de Michel Leclerc

O GAROTO DA BICICLETA


Não há inocência ou necessidade que habite em Cyril (o excelente e estreante Thomas Doret), garoto que coloca sua esperança na figura paterna que lentamente é desenhada de forma abstrata em O Garoto da Bicicleta por Jean-Pierre e Luc Dardenne. Se nos primeiros minutos de filme (vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes deste ano), a bicicleta é a referência que destroça silenciosamente a relação de Cyril com seu distante pai, no ato final vemos uma reação comum em casos de abandono paterno sem gerar fatalismos melancólicos.

A figura da mãe postiça Samantha (Cécile de France em ótima atuação) de nada intervém às urgências do garoto; ter alguém para ser submisso, algo tão comum nesta idade, transformaria sua infância para melhor. Neste momento a narrativa dos Dardenne ganha novo corpo. Ainda que ritmada, ela é menos pungente; se dilui com a gradual contenção da ação e da igualmente crescente esperança – ainda que dicotômica – de Cyril finalmente encontrar algo semelhante ao amor paterno. O Garoto da Bicicleta ressoa A Criança, sugestão personificada por Jérémie Renier, o pai perdido no longa que rendeu a segunda Palma D’Ouro para os diretores durante o Festival de Cannes de 2005.

A simplicidade técnica característica dos diretores continua presente e a dura análise está na paixão no qual Cyril busca – o pai ou uma representação – e suas consequentes e sistemáticas rejeições. E como os Dardenne desta vez usam na base alegórica, o protagonista dessa vez permite uma aproximação ao que é lhe é de agradável e leve; as roupas coloridas, o passeio de bicicleta num dia de verão e um possível churrasco com os amigos. Aparentemente, pois o  lirismo acinzentado continua intenso e ambiguo o suficiente para duvidarmos de um futuro brilhante para o garoto.

★★★★
O Garoto da Bicicleta (Le Gamin au vélo, Bélgica/França/Itália, 2011) Direção: Jean-Pierre e Luc Dardenne

FESTIVAL 4+1

Aconteceu durante o mês de outubro no Rio de Janeiro o Festival 4+1, responsável por levar às telas do Centro Cultural Banco do Brasil filmes autorais premiados que não ganharam distribuição por aqui. Portanto, nomes como Takeshi Kitano, Naomi Kawase e Kelly Reichardt tiveram filmes exibidos. Nós conferimos alguns filmes da programação:

MEEK’S CUTOFF (Idem, EUA, 2010) de Kelly Reichardt

No momento em que os Estados Unidos chegam ao ápice da intolerância, Kelly Reichardt (Wendy e Lucy) volta no tempo para analisar o desenvolvimento desta chaga social. Amedrontados pela figura de um índio, um grupo de cristãos atrás de água no deserto logo se tornam metáforas ambulantes de Reichardt. O delírio oriundo do calor, a posição pastoral de Meek e a dependência do índio para chegar ao destino desejado refletem a imparcialidade do diretor ao analisar a contemporaneidade. Mesmo derrapando em diversos clichês melodramáticos, o filme guarda sua pungência em sua narrativa silenciosa.
★★★★


MINHA FELICIDADE (Scatje Mojo, Ucrânia, 2010) de Sergei Loztnitsa

O paralelo entre o martírio – aqui transparecido para o vigor físico de Georgy (Viktor Nemets) – vivido pela Rússia e seu protagonista, vítima de abuso de autoridade e do azedume de moradores de um vilarejo marcados pela guerra sintetizam a escolha de Sergei Loznitsa em seguir um método que se distancia dos personagens para realçar a angústia de um tempo difícil. My Joy é um exercício contemplativo, duro e necessário.
★★★★


OUTRAGE (Autoreiji, Japão, 2010) de Takeshi Kitano

Quando diversas facetas da máfia japonesa resolvem lidar com negócios paralelos como tráfico de drogas e prostituição, uma sequência de mal entendidos gradualmente transformam o pacto de irmandade em violência. A direção de Kitano privilegia planos médios e edição em plano/contra-plano. Quando Otomo (o próprio Kitano), ex-integrante da Yakuza resolve fazer o trabalho sujo entre as gangues, a história é levada para uma sequência de cerca de quarenta e cinco minutos de assassinatos – que marca a volta de Kitano para o cinema de gênero. Perde o ritmo, porém engloba o lado cômico característico do diretor.
★★★


CURLING (Idem,  Canadá, 2010) de  Denis Côté

O esporte que batiza o filme de Denis Côté serve de parâmetro para a análise subjetiva da vitória impressa na vida de Moustache (Emmanuel Blodeau), que cria sua filha em regime fechado e que deixa o medo dominar sua vida. Medo este sem motivo aparente. Com frequentes mudanças de tom – sem perder seu foco de abordar o vazio das vidas de uma região castigada pela neve, no Canadá, a direção de Côté privilegia planos abertos e ação cadenciada, cautelosa. No lugar que nuances tomam proporções gigantescas, Curling consegue ser direto neste sentimento sem precisar de macetes narrativos.
★★★


KING OF THE DEVIL'S ISLAND (Kongen Av Bastoy, Noruega, 2010) de Marius Holst

Morno em todas suas tentativas – a reconstituição do momento mais dramático da história da Noruega que une alegorias políticas e a dicotômica lealdade de jovens encarcerados pelo julgamento direitista cristão e a transformação romanceada do gênero em explosivos conflitos moldurados pela neve – King of the Devil’s Island abafa qualquer hipótese de análise aprofundada com aspectos melodramáticos, aproximando muito aos filmes americanos que angariam público e cifras pela “beleza” da persistência, explicitada na primeira sequência do filme – o único motivo plausível para este filme levar o grande prêmio do 4+1. A direção de Marius Holst é contida, concentrada no ideal citado acima.

 ★★★

AMORES IMAGINÁRIOS


O cinema de Xavier Dolan é conceito e não conteúdo. Já tomava essa forma em seu debut em Eu Matei Minha Mãe, e agora em Amores Imaginários o diretor debanda em referências em diversos elementos de seu filme. Elas passeiam pela trilha sonora, nos figurinos, na arte, na decupagem… e lá estão Almodóvar, Truffaut e até Tarantino. Enfim, a possibilidade de reconhecimento de um nicho social que justifique o citado conceito é enorme já nos primeiros minutos do filme.

Como o nome entrega, Dolan conta uma história moderna, uma disputa pelo coração de Nicholas, um garoto mimado pelos pais e super cult. Os candidatos são os amigos Francis e Marie, que tem o acaso como maior inimigo. O filme acerta em seu desenvolvimento narrativo, cheio de elipses e bons momentos de humor (principalmente com os personagens ilustrativos, dando a idéia que o filme é uma reconstituição) e dão força extrema ao filme para não cair em suas próprias armadilhas.

O compromisso de ser prafrentex que o diretor tem com seu conceito, elimina qualquer chance de profundidade na construção de personagens. Eles gostam de escritores, bandas, diretores, enfim, artistas em geral, fumam até os pulmões explodirem, evitam falar sobre opções sexuais e é isso. Não saberemos nunca qual era o objetivo da conquista de Nicholas, afinal. Se essa necessidade era comandada pelo ego ou pela carência.


★★★
Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires, Canadá, 2010) de Xavier Dolan

POTICHE - ESPOSA TROFÉU


François Ozon (O Refúgio, Swimming Pool, 8 Mulheres) pegou sua câmera, sentou na cadeira de diretor e por lá ficou. Potiche – Esposa Troféu é Ozon em sua zona de conforto – ou o exercício de resgate de sua essência. Cenários de cores cítricas, personagens pitorescos, relação intensa dos personagens com a música e o tradicional sarcasmo costuram uma comédia agridoce sobre a luta pelos direitos femininos no fim dos anos setenta que é baseada na peça de Pierre Barillet e Jean-Pierre Grédy.

De “potiche” (jarro, em francês) à diretora da maior fábrica de guarda-chuvas do país, Suzanne Pujol (Catherine Deneuve) cria um acirrado embate de poder com seu marido, Robert Pujol (Fabrice Luchini), pautando relações extraconjugais, o marasmo da rotina e a influência que o dinheiro exerce sobre a política. Ao desenvolver estes temas, Ozon raramente ousa e quando o faz, cria momentos memoráveis e engajados dentro de uma narrativa apoiada em sua margem por estereótipos.

Estes momentos - boa parte deles com o típico sarcasmo francês - sustentam o filme, que no geral alimenta uma relação morna com seus coadjuvantes e satura a identidade da protagonista, que no último ato personifica toda força que habitara ao seu redor na mesma intensidade que o filme perde ritmo. Potiche – Esposa Troféu é imerso em irregularidades, porém tem em sua base macetes funcionais de um diretor consagrado. E isso conta muito.

Potiche - Esposa Troféu (Potiche, França, 2010) de François Ozon

O GUARDA


The Guard é um daqueles filmes que podem ganhar relevância daqui a alguns anos por sua ótica debochada sobre os dias de hoje. O humor negro inglês é utilizado por John Michael McDonagh num argumento ordinário e personagens caricatos  justamente para subverter as convenções do gênero policial.

Desta premissa (um sargento descompromissado com sua função se infiltra na investigação do sumiço de seu companheiro de trabalho que culmina num esquema de transporte de cocaína), saem piadas ácidas sobre o cinema – diretores, gêneros e mise en scène, corrupção política e policial e a cultura inglesa em geral.
Gerry Boyle (Brendan Gleeson) é a representação do senso de humor de McDonagh. Distorce regras e estereótipos dentro de uma narrativa que pode tomar qualquer rumo. A figura de Gerry é estudada conforme a ironia é injetada em paralelo à investigação. E como seu protagonista, McDonagh não está se importando muito com as consequências. O que importa é se divertir e nada mais.


O Guarda (Idem, Irlanda/Inglaterra/Argentina, 2011) de John Michael McDonagh

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