CLUBE DE COMPRAS DALLAS



 

Clube de Compras Dallas é regido pela interessante dicotomia entre sua estrutura e eixos exigidos. Ao contar a história real de Ron Woodruff, um tradicional redneck sulista que é diagnosticado com HIV e que ao buscar tratamentos funcionais colide com interesses da indústria farmacêutica comandada pelo governo americano, Jean-Marc Vallée assume seu processo sem antes poli-lo com a ideia de um filme puro.


Esta decisão potencializa a dicotomia citada, pois o que Vallée intenta é a média entre o que seu tema oferece para meandros melodramáticos, pois explorar a amizade inesperada entre um redneck e um travesti seria a saída mais tangível inclusive para méritos comerciais. Este filme, melodramático, se inicia e termina diversas vezes enquanto o filme-denuncia se sustenta sem grandes problemas enquanto surgem as inevitáveis questões acerca dos limites impostos por Vallée aos eixos que fariam de Clube de Compras Dallas um filme de expressões. Entre eles, está a pureza artificial de um simulacro que aponta sentido único, que abraça estes dois polos, amarrando-o à lógica muito mais do empreendedorismo que de autoria. 


É notório o efeito da entrega de Matthew McConaughey e de Jared Leto, mas fica evidente que Vallée almeja adormecer efeitos maiores, ainda que seus personagens sejam chamativos demais para que não sejam notados além de suas motivações. Por outro lado, este holofote coloca a rotina “marginal” vivida pelos dois como uma declaração de amor à vida ainda maior que as diferenças. O pedido de paz é feito em silêncio, através do afeto, da compreensão que o sofrimento vivido é o mesmo. 


Tornar a história expansiva o bastante para que Ron Woodruff represente um nicho que não para de crescer e que ainda busca de fato, uma cura, dá o sentido maior entre todos estes “filmes” sinalizados por Vallée. Pois a mesma dormência dada à desarmonia entre estes extremos – em momentos com certa dose de humor -, é usada como antidoto contra arritmias e justificações sobre lógica e ternura. 

Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, EUA, 2013) de Jean-Marc Vallée

Lançamentos em VOD

 Um Brinde à Amizade (Drinking Buddies, 2013, EUA) de Joe Swanberg
Joe Swanberg é conhecido pela reutilização da métrica baseada em um tabuleiro de damas em seus filmes. Expõe os personagens e parte para as alusões, onde as peças encontram e se desencontram justificados por gêneros, em especial a comédia. Um Brinde à Amizade se define como a espera de uma simples jogada. Ela parece iminente em diversos momentos do filme e assim se desenha como a cartada final. Este é o grande acerto de Swanberg para traçar paralelos entre o desenvolvimento narrativo e ilusão.


Heróis de Ressaca (The World's End, 2013, Reino Unido) de Edgar Wright
Curioso o caminho que Edgar Wright toma para enaltecer a forma abstrata e aguda que a nostalgia traz ao homem à suposta proximidade do fim do mundo. Apresentado como um filme baseado em artifícios - embates performáticos e a intenção de ambientar os personagens em condições "perfeitas" -, Heróis de Ressaca aos poucos chega ao seu extremo tendo o gênero como definição, deixando rastros de humor duvidoso a cada sequência.  

Anna Nicole (Idem, EUA, 2013) de Mary Harron
Feito para TV, o filme de Mary Harron é exatamente o que se espera - superficialidade e narrativa com fluidez, mesmo que isso atropele a história de sua protagonista, talvez pela exigência de uma minutagem enxuta. Harron mostra que sua carreira entrou em declive e dirigir filme sobre os conflitos de uma subcelebridade de forma rasa prova que ela chegou ao seu limite.

Essa é a Minha Vida (How I Live Now, Reino Unido, 2013) de Kevin MacDonald
Definir este filme em poucas linhas é tarefa árdua. O longa de Kevin MacDonald remete a M.Night Shyamalan por sua mensagem incrustada num misto de conto de fadas e aventura juvenil. Se Shyamalan tem como pilar o desprendimento do senso de unidade para "denunciar", MacDonald faz um filme de fantasmas e dá cara a eles e depois os liberta. Ficam os rastros que impregnam a busca pela liberdade, justificada aqui como uma simples pergunta - estamos vivos?


Machete Kills (Idem, EUA, 2013) de Robert Rodriguez
A ambivalência que rege a série Machete justifica o tributo aos filmes exploitation que vira para si para sinalizar o mote central e consequentemente o mercado como pastiche num exercício inventivo sobre o espaço delimitado. Se o primeiro filme, oriundo do trailer de Grindhouse já mostrava fraquezas, o segundo parece um filme excessivamente controlado com propensão ao riso não pela espontaneidade e liberdade do gênero homenageado e sim para reforçar a ideia de escracho.


Conquistas Perigosas (The Necessary Death of Charlie Countryman, EUA, 2013) de Fredrik Bond 
Um filme sobre quedas. Bond parte da morte de entes queridos, sufoca o protagonista em um mundo de impossibilidades e o cerca com a máfia do leste europeu. Esses caminhos são dados em mudanças de tom radicais e mal se sustentam. Portanto, Bond usa a verborragia para  justificar elos melodramáticos entre uma tensão frágil onde a morte, novamente, é iminente.  

As Senhoras de Salem (The Lords of Salem, EUA, 2013) de Rob Zombie
As Senhoras de Salem marca o passo de Rob Zombie além de seu ego; Se os primeiros filmes (A Casa dos 1000 Corpos, Rejeitados pelo Diabo, El Superbeasto) giravam em torno de um mundo extremamente particular - a relação do diretor com os anos 70 e o cinema de terror e exploitation - e a tentativa de atualizar Halloween de John Carpenter, Zombie acerta ao emular nomes como Ken Russel, Stanley Kubrick e Alejandro Jodorowski num exemplar que mescla a tensão com aspecto visual impactante e que desenrola para a livre interpretação de um delírio ou maldição. O resgate do embrião de um gênero. Que venha mais um passo.   

Acorrentado (Chained, Canadá, 2012) de Jennifer Lynch
Um filme que coloca a montagem além de simples técnica. O filme é suspendido pela forma no qual Jennifer Lynch economiza nas passagens de tempo e como dialoga em suas intenções no sentido de sinalizar ações de um psicopata. O filme não intenciona qualquer tipo de contemplação ou até mesmo o estudo da trama, pois ela está estampada a cada frame.

PHILOMENA




Acerca de seus alicerces, em especial a trilha sonora e a mise en scène, o melodrama busca acima da forma do roteiro clássico, a conciliação. Ainda que muitos deles no cinema contemporâneo rejeitem a ideia de ciclo, de encerramento e sim do reconhecimento e de um ponto pertinente para a sugestão de avanço na fronteira delineada pelo diretor, Philomena transforma-se em um caso curioso, pois o filme se desenrola sob o antigo domínio. 


Em seus primeiros minutos, Philomena entrega seu único objetivo: abre com elementos que o reconheçam como melodrama e traça rapidamente um paralelo entre as trivialidades do ceticismo e da espiritualidade, traduzidos aqui como a sabedoria de um jornalista e a esperança de uma mãe. 


A estranheza oriunda deste encontro após um flashback dispensável – afinal a história é relembrada a cada segundo – parte de interesses, novamente, distantes. A mãe procura o filho. O jornalista procura se reerguer com uma história “para pessoas comuns”. Esta dicotomia é a maior e enfraquecida metáfora sobre o método em que a história se desenrola. Dois conflitos que se resolverão em um só espaço cênico, regidos por um só eixo narrativo, onde um acredita em profundidade e outra na simplicidade. Como se espera, admiração e desprezo são implícitos, e logicamente a primeira hora de filme se resume à aproximação e quebra destas ideias enquanto Philomena (Judi Dench) e Martin SixSmith (Steve Coogan, também roteirista do filme) buscam por justiça, cada um a sua moda.


Philomena é um filme magro justamente por conta de seus apoios. Assumir uma forma não o enfraquece, mas se dilui por não permitir que ele fale por si. Sua meia hora final dá vida às reais intenções de Stephen Frears e ali o longa desenha uma teia interessante entre os personagens, passado e presente, inclusive flertando com outros gêneros. Por esta escolha aguda e o destoante ato final, a sugestão do filme é que se faça a comparação e para qual caminho o filme deveria ter sido desenhado.  

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO




Solomon Forthup (Chiwetel Ejiofor) seguiu a via crucis por doze anos no país que até hoje intensamente prega o evangelho de Cristo Jesus. Conforme Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972) de Werner Herzog, a denuncia é tão clara desta posição hipócrita e de soberba gratuita, contrária à palavra pregada – ou intencionada. A ótica de 12 Anos de Escravidão segue esta linha, ainda que pareça fragilizado entre a denúncia e o melodrama.  McQueen coloca uma vírgula em um assunto que seu destino – o grande público – opta por esquecer, esconder ou encerrá-lo sem conclusão digna. 

Enaltecer a subversão de um assunto tão espinhoso seria redundância, mas ao tomar o caminho explícito contra a espetacularização dos tempos de escravidão declarada em especial ao cinema contemporâneo onde este assunto reverbera discussões sobre o orgulho e segregação racial, é o principal posto de 12 Anos de Escravidão. Este feito toma forma quando o diretor vai à inversão da moral, inclusive a de Solomon, homem livre conforme a lei.  

São nos momentos onde McQueen sugere o oposto, ou seja, a dormência em todos os aspectos que divergem da imagem, deixando que a mesma tome o tempo determinado pela liberdade, sem a presença do som ou até mesmo de corpos em certos momentos, é que o filme se faz forte. Neles, onde a simplicidade é genuína, como um simples plano de uma árvore ofuscando a visão do pôr-do-sol, McQueen contraria outra máxima do mercado que o premia no início de 2014: não há apenas um olhar e uma interpretação. 

E assim se faz a correlação de um martírio que se expande conforme Solomon muda. São mutações silenciosas, conforme seus “patrões”, em diferentes níveis de inconformismo, amplificados pelas relações com novos companheiros. Este sofrimento não se expõe graças aos malfeitores, mas por poucos segundos, em momentos de contemplação que McQueen delicadamente aumenta conforme o desenvolvimento narrativo. Num adeus, na descoberta da real identidade acima de status ou no grito que o ambiente ao redor solta. O suspiro de vida insistente que 12 Anos solta ali está. 

12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, EUA, 2013) de Steve McQueen

NEBRASKA





Curioso como o cerne da filmografia de Alexander Payne continua intacto através de ações traduzidas como acertos de contas. De Eleição ao mais recente Os Descendentes, de diversas maneiras estes acertos estão presente em boa parte embrulhados em tons de melancolia ou de extrema ternura, o que realça a intenção de servirem como filmes para identificação, relação (do que é vivido, muito mais do que é visto) e etc. 


Em Nebraska este ponto parece perdido, ainda que sua moldura seja a mais coesa entre todos os seus filmes. Da melancolia estampada na fotografia à trilha sonora e o tema delicado, o filme se nega a embalar para o lado do lamento e faz dele um embate intenso entre a comicidade que a história oferece explicitamente – a idade e todo o temor que a iminência do fim da vida exige. Payne a esta altura nos coloca na posição “do outro”, onde enfim o portão se abre para o desenrolar narrativo baseado numa hipótese, ainda que ela seja o ideal de um pastiche sobre a instituição familiar.


Um bilhete falso diz a Woody Grant (Bruce Dern), um senhor que luta contra o alcoolismo que ele está rico. Seu filho, David Grant (Will Forte) resolver ir de Montana até Nebraska para buscar o prêmio. No caminho, Payne desenha um panorama simples, preso aos alicerces comuns de sua filmografia. A família serve como antro onde a desinformação reina com sua maior aliada – a distância. Os interesses distintos, o gigante arquivo de mágoas e dívidas. Um campo duro para desenhar eixos, mas Payne os faz da maneira mais fácil; a estranheza vinda dos personagens logo os define. Eles logo deixam de ser referencia – tão comuns para o jogo de relação com o público – e se definem como personagens. Deste modo, a situação é real, mas quem a vive, também vira hipótese. 


E neste ponto que Nebraska parece um emaranhado de gags intercalados por momentos de reflexão, sem qualquer luta de forças. Entre eles há bons momentos, mas nada que o identifique como unidade. A narrativa escorre entre a família e seu pilar, que é o tal bilhete premiado, mas no geral o que vemos é uma insinuação sobre este acerto de contas, uma mensagem implícita mal definida sobre a relação entre pai e filho.

Nebraska (Idem, EUA, 2013) de Alexander Payne

ELA





Há em Ela, novo trabalho de Spike Jonze, certa ponderação em relação à liberdade, mas incrustado em sua narrativa está estabelecido um jogo de imposição de limites e fronteiras. E ele começa na escolha em habitar em um futuro não tão distante, onde o escopo é mais fechado para questões sobre o que é, afinal, evolução. O espaço maior está para o lamento pertinente sobre a posição da máquina em tempos vindouros. 


Não à toa a câmera funciona como moldura de uma imensidão, mas uma imensidão tão direcionada a respeito destas possibilidades e sempre de forma inconsolável. Jonze exibe o mar de concreto que é Nova Iorque e deságua na praia, literalmente, com seu protagonista deitado nas areias e de roupa sob um sol escaldante. Confia na exuberância dos apartamentos nova-iorquinos onde muitos moram sós. E desta solidão sai, enfim, a maior das questões.


Theodore (Joaquin Phoenix) vive a vida dos outros. Escreve cartas para os outros como trabalho e imagina a vida dos outros para tal. Samantha (Scarlett Johansson), um sistema operacional que traça uma rotina de secretária/amiga/mulher de Theodore é o espelho da trama. Afinal, a solidão está liquidada a partir de então. O que deseja este homem? É necessário, então, imaginar um lado oculto em Ela, que é a de uma relação comum, onde há renuncia, brigas e companheirismo. A rotina de Theodore é a mesma, com ou sem Samantha. Embutida, esta a única mudança, que é a forma de encarar o desafio de continuar. 


Ela se torna um conto interessante por justamente não eliminar eixos comuns de dramas envolvendo relacionamentos. Vai do ápice tão inesperado como qualquer história de amor, aposta na ponte construída no estranhamento que a relação homem-máquina causa – justamente quando o filme perde forças - e desenha seu desfecho com elementos tradicionais ainda que sirva de parabólica para questões envolvendo a mutação de um pensamento em relação ao homem, que outrora foi substituído por máquinas para o trabalho e fora criticada por Chaplin em Tempos Modernos e que era definida como a vilã de um tempo por Kubrick em 2001


Ela faz um paralelo ajustado entre estes pensamentos, com novos suportes como fuga de um possível desgaste. Neste caso, o cinema de Jonze que de formas diversas flertou com o fantástico, investiga a percepção de uma possível realidade e com diagnóstico pronto, pois entre todos os chamarizes de sua história, a ideia de colocar Theodore em locais sempre povoados e que nunca o tiraram da solidão é a mais simples e eficaz. 

Ela (Her, EUA, 2013) de Spike Jonze

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