ZUMBILÂNDIA

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Se a palavra de ordem é diversão, Zumbilândia é um prato cheio. Rodeado de clichês do gênero "terrir" e caminhando pelo legado de Edgar Wright (Todo Mundo Quase Morto), o que o diretor Ruben Fleischer faz é um trabalho com extrema excelência, pelo menos nos elementos estéticos. Preso a dois personagens estereotipados, o filme cria suas dobraduras quando Wichita (Emma Simpson) e Little Rock (Abigail Breslin) entram em cena e conseguem fugir um pouco da previsibilidade do texto, mesmo que seja por pouco tempo.

A história é a de sempre: Narrado em primeira pessoa por Columbus (Jesse Einsenberg), que é um dos poucos sobreviventes ao ataque de zumbis nos EUA. Ele encontra Tallahassee (Woody Harrelson) e segue para um lugar que até então é imune à presença dos mortos-vivos. Fleischer doma não só a narrativa muito bem, mas aspectos de som, maquiagem, cenografia, fotografia e timing dando a impressão de Zumbilândia ser um filme completo em sua proposta.

É de fato completo, mas também não tem o temor em mergulhar em clichês e parecer como uma releitura de outros filmes. Fleischer sabe aproveitar bem as situações para recriá-las com bom uso da tecnologia. Até mesmo uma pequena homenagem à Os Caça Fantasmas existe, com a presença de Bill Murray.

Zumbilândia não tem a intenção de satisfazer fãs de terror, pelo contrário, com a escassez de brutalidade, a epidemia que se dilacera pelos EUA toma outro rumo. Na fuga para o lugar onde os zumbis não existem, a trama evita em encaixar temas em seu subtexto ou diálogos subjetivos, pois o que Fleischer quer mesmo é incentivar o riso com personagens caricatos, boas piadas e boa técnica.

Zumbilândia (Zombieland, EUA, 2009) de Ruben Fleischer

INVICTUS

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Numa pesquisa recente, Clint Eastwood foi considerado o cineasta  mais popular pelos americanos. Não é a toa que o diretor tenha toda essa confiança do público. Ele tem a noção de quando ou não deve ter cautela para costurar os conflitos em seus personagens e como construir seus filmes sem manter cacoetes. Em Invictus, seu trigésimo filme na direção, Eastwood se abstém de maiores macetes para deixar implícita a manipulação do cinema, mas sabe bem usá-las em momentos oportunos.

Por exemplo, o diretor usa uma artimanha nostálgica para nos convencer de que Nelson Mandela é aquele que vemos na tela, quando se trata de Morgan Freeman (brilhante, por sinal). Estamos falando primeira sequência do filme. E funciona. Mandela saiu da prisão pronto para disseminar a luta pela igualdade num invejável exercício de perdão. Após 27 anos dentro de uma cela, ele achou a saída certa para ao menos trazer esperança para um país dividido pelo Apartheid. Eastwood sabia a força que a história carregava, por isso escolheu que suas câmeras servissem apenas de testemunhas, só as libertando para tornar o filme em um espetáculo visual quando fosse conveniente para a narrativa.

A ousadia do então novo presidente foi de se aproximar de um esporte trazido pelos colonizadores ingleses, onde os brancos eram soberanos em sua prática e para piorar o quadro, não apresentavam bons resultados. Invictus é sobre uma jogada social e psicológica de Mandela. Só dele. Por isso Eastwood tem essa postura de se esconder atrás da grandiosidade dos fatos, com a tarefa de narrar apenas, abandonando a construção de personagens e conflitos maiores para se focar apenas na aura que ronda a tensão do momento.

A marca autoral está em poucas, porém antológicas cenas em que Eastwood nos lembra que estamos à mercê de surtos emocionais a qualquer momento. Na verdade, isso não importa, pois a esta altura já estamos totalmente vencidos pelo impacto sugerido pela história que Eastwood comanda com louvor: simples, direta, e emocionante.

Invictus (Idem, EUA, 2009) de Clint Eastwood

CHÉRI

 

Baseado no romance da escritora francesa Colette, Chéri trás o diretor Stephen Frears com mãos leves e com uma sobriedade descomunal para registrar uma visão tragicômica sobre um amor impossível. Seja lá qual tenha sido a intenção de Frears, o que o diretor conseguiu foi se afastar de uma linguagem batida dentro de um gênero.

Aos olhos de qualquer um, o romance entre uma ex-prostituta que vive de fortunas deixadas pelos seus falecidos amantes e um jovem mulherengo era impossível. Guiado por uma narração bem humorada, os boicotes ao casal parecem conseqüências ordinárias de um tempo onde a posição social valeria mais que a própria felicidade.

Seja pela própria mãe de Chéri ou de seus vizinhos, a constante dúvida que o casal levava mesmo com seis anos de relação vem à tona com tal pressão, colocando valores em cheque e dando à Frears a abertura necessária para explorar uma linguagem peculiar, focado no humor, com diálogos que apostam no descaso ou no deboche. Esse é o grande trunfo do filme, que faz a via contrária do que estamos acostumados a ver. O diretor questiona as motivações do casal para cultivar o romance estruturando seu filme entre a tragédia e o total escracho.

Se a postura do casal é de manter um jogo de sedução ou uma aula de amor, não importa para Frears que alimenta uma posição fria em relação à eternidade de um casamento. Com uma direção de arte deslumbrante e boas atuações, inclusive Michelle Pfeiffer que parece voltar à forma, Chéri é um delicioso conto sobre o desespero de quem ama, mas não tem base e muito menos maturidade para conviver com as responsabilidades que o amor exige.

Chéri(Idem, Inglaterra/França/Alemanha, 2009) de Stephen Frears

AMOR SEM ESCALAS

 

Agendas lotadas, pressa, ostentação e muitos voos. Some a isso comidas artificiais, distanciamento e responsabilidades. Jason Reitman resolveu colocar a contemporaneidade em uma balança de forma bem humorada, sem apelar para um escape romântico ou um núcleo especialmente cômico em Amor Sem Escalas. Por outro lado, Reitman esnoba a natural maturidade de quem dirige seu terceiro filme para seguir uma “descolada” e já senil fórmula ao apresentar seus personagens longe de uma imunidade emocional.

Se eles mantêm relações plastificadas com a desculpa de não distorcer suas rotinas ou o que preferem chamar de “vida real”, lá está o posicionamento da autodefesa sob um cínico olhar, principalmente de Ryan Bingham, vivido por George Clooney que ganha seu salário para demitir funcionários de empresas afetadas pela crise que massacra os Estados Unidos. Por outro lado, existe a eminência de se viver bem acompanhado e usufruir o que a vida oferece de melhor, mesmo que tal realização seja assumidamente falsa.

A montagem eficaz mostra como Ryan exerce com louvor sua função, viajando e colecionando milhas aéreas como se fosse levá-las para uma próxima vida. Toda essa fidelidade de Ryan à sua empresa carrega uma profundidade interessante para discutir esse desapego a valores comuns para adotar uma vida afogada em compromissos profissionais. Por outro lado, quando Reitman trata de assuntos emocionais, o diretor aposta em saídas batidas e diálogos frouxos.

Essa separação brutal em dois núcleos cria uma irregular equivalência de valores sentimentais e profissionais, que o diretor espera para uni-los em um momento apropriado – nada mais clichê que isso – deixando gritante a intenção principal do roteiro. Amor Sem Escalas não inova ao que diz respeito à filmografia de Reitman, mas possui ótimas idéias para ser um bem humorado alerta sobre a cartilha do bon vivant dos dias atuais.

Amor Sem Escalas (Up in the Air, EUA, 2009) de Jason Reitman

ONDE VIVEM OS MONSTROS

 

Tente se lembrar de quando você tinha oito ou nove anos de idade. Toda aquela excitação de constantemente mergulhar em um mundo novo que raramente era entendido no primeiro contato. Aliás, entender é algo nada comum nesta idade; seja com seus pais, com o próprio corpo e muito menos com o que acontece fora de sua própria bolha, ou seja, sua própria imaginação. E é para dentro do imaginário do menino Max que Spike Jonze nos leva em Onde Vivem os Monstros, filme baseado na obra de Maurice Sendak.

Dono de seu próprio mundo, Max pode dormir na hora em que quiser e até mesmo fazer construções mirabolantes com a ajuda de seus amigos monstros, estes que guardam em si sentimentos em ebulição para materializar conflitos da vida adulta, pois Onde Vivem os Monstros é justamente sobre isso: crescer. Mesmo que não se compreenda o que esteja acontecendo no fim das contas. Jonze tem a sensibilidade aguçada para não afastar sua trama de uma fantasia palatável para o público mais novo, provavelmente atraído pela figura dos simpáticos monstrinhos.

Entre brutais conflitos sem nenhuma lição de moral para os adultos, o filme guarda momentos singelos que podem capturar atenção dos mais novos e aflorar um espírito nostálgico para os mais velhos. A imaginação de Max nos convida a um mergulho contemplativo, onde solidão, família, amor e amizade conduzem fios narrativos sob a sempre bem humorada e ao mesmo tempo rigorosa visão do diretor.

Se cada monstro é um ser composto por sentimentos tortos, o que eles fazem  de melhor é proteger um tempo que fica guardado em nós para sempre - a infância, provavelmente a melhor fase de nossas vidas. O importante é lembrar onde os monstros vivem diariamente: dentro de nós, protegendo essa fase tão bonita.

★★★★
Onde Vivem os Monstros (Where The Wild Things Are, EUA, 2009) de Spike Jonze

VÍCIO FRENÉTICO

 

Em um tempo que seqüências e remakes dominam o mercado cinematográfico, o que levaria um mestre como Werner Herzog a entrar nesse time? A chance de fazer uma irônica desconstrução da decadência americana. Herzog arruma um meio de deixar o filme com marcas autorais, como movimentos de câmera nada sutis e planos criativos.

A decadência pode ser explicitamente americana, mas as críticas pingam em todos nós. A releitura de Vício Frenético (1992) é um retrato fiel de uma sociedade que arruma problemas para conseguir viver, que é viciada em vícios e que para se sentir livre tem que ser refém de algo ou alguém. Essa é a vida do policial corrupto Terence McDonagh, vivido por Nicolas Cage em forma que há muito tempo não se via. Terence tem em sua consciência o alerta de que vive no extremo, mas é fraco o bastante para lutar contra suas fraquezas.

Essa é a chance de Herzog colocar em cheque a hipocrisia e a integridade de uma nação sob a pele de um homem, sem fazer disso um dramalhão ou adotar as características de um thriller; O diretor prefere a linearidade, utilizando a câmera como voyeur de um triste cotidiano, aproveitando as aventuras lisérgicas do policial de forma surreal.

Mesmo com todos os anseios de fuga de linguagem e aspectos técnicos batidos, Vício Frenético tem em suas entranhas todos os clichês de filmes de ação. Seja lá qual for a intenção de Herzog em mantê-los, o frescor de uma releitura é trocada por redundantes e previsíveis seqüências em certos momentos.

★★★★
Vício Frenético (The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans, EUA, 2009) de Werner Herzog

LULA, O FILHO DO BRASIL

 

Depois de acusações de oportunismo eleitoreiro e distorção de visões e motivações políticas, Lula enfim chega aos cinemas. Chega e não arremata grandes marcas, pois a visão dos fatos que Fábio Barreto entrega vem com os dois pés fincados em aspectos melodramáticos pobres.

Lula, o Filho do Brasil é a história de um homem comum. Da infância sofrida até a luta pelos direitos da classe operária, toda a intenção de desbravar o homem que hoje nos representa vem mastigada para o espectador sob a imposição de uma trilha sonora quase fúnebre. Barreto o mostra em momentos de descontração e de tristeza, mas nunca muda seu ponto de vista e muito menos se afasta de Lula, talvez para não deixar nosso inconsciente trabalhar, pois o peso da obra vem de sabermos quem é, de fato, o tal Luiz Inácio. A narrativa, por se aproximar demais do protagonista, inibe diálogos maiores de coadjuvantes, como Lindu, personagem vivida por Glória Pires de forma primorosa.

Tal escolha leva Barreto a um bem necessário: O endosso e posicionamento de bons diálogos. Mas seu proceder é falho, pois volta e meia eles caem na previsibilidade ou num jogo de cintura para cumprir obrigações contratuais, sem se importar muito em acumular os fatos e sim comprar uma indulgente  corrida contra o tempo.

No geral, Lula, o Filho do Brasil consiste em uma série de elipses que registram momentos mais relevantes da vida do presidente – alguns desconhecidos e delicados o bastante para não ganhar um aprofundamento maior para evitar discussões políticas – carregados significativamente de elementos cinematográficos manipuladores, mas sem conseguir fugir da pieguice de um frágil melodrama.

★★
Lula, o Filho do Brasil (Idem, Brasil, 2010) de Fábio Barreto

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