OS DESCENDENTES


Entre as belezas naturais do estado do Havaí, lá estão uma highway e um cemitério nas primeiras sequências de Os Descendentes, filme adaptado do livro homônimo de Kaui Hart Hemmings. A narração em off, com Matt King (George Clooney) afirmando que a idéia de paraíso não existe mais, cabe à locação e a vida de seu protagonista. Afinal, sua família está distante e se separa a cada dia mais. Como o arquipélago mais distante dos Estados Unidos.

Alexander Payne
(Sideways – Entre umas e outras, Eleição, As Confissões de Schmidt) perito na desconstrução de persona em leves tons, nesta sequência aponta o caminho para o seu filme: a relação com a morte e a chegada avassaladora da urbanização ao arquipélago. Matt enfrenta a pressão de criar suas filhas após o acidente que deixou sua esposa em coma e a venda de hectares herdados para construção de um resort que salvaria a vida de seus distantes e falidos primos.

O filme não se limita aos contornos melodramáticos. A relação com as filhas, deslocadas e prafrentex (que rende ótimos conflitos de gerações e a idéia de fim da autoridade na instituição familiar), e a descoberta de um caso extraconjugal por parte da esposa dão a leveza necessária e característica dos filmes de Payne. Rico em alusões imagéticas ao estado mental de seu protagonista, pressionado pelo símbolo que decifrado dá o mesmo peso à esposa e as filhas como reflexo da população havaiana, vítima de fenômenos naturais e do exacerbado crescimento do turismo e do processo de urbanização do local.

★★★
Os Descendentes (The Descendants, EUA, 2011) de Alexander Payne

GUERREIRO

Quando redenção e lutas dividem a narrativa, a referência automática a Rocky – Um Lutador estará lá sempre para fazer sombra. Não é por menos que o filme vencedor do Oscar de 1977 é citado durante o primeiro ato de Guerreiro. Ao contrário do apogeu de Sylvester Stallone, o filme dirigido por Gavin O´Connor amplifica a volta por cima de dois lutadores e de um treinador, que formam uma família.

Paddy Conlon, o pai, convertido ao cristianismo e livre do alcoolismo ainda carrega o peso do passado; Brendan (Joel Edgerton) é um professor falido e Tommy (Tom Hardy) voltou do Iraque cheio de traumas. Em comum, os irmãos têm a paixão pela luta, assuntos mal resolvidos e o desprezo pelo pai.

Guerreiro é um filme de narrativa regressiva, como qualquer outro filme que envolva lutas. Afinal, é no ringue que tudo será resolvido. Assim, cabe a técnica e a excelência com o que O´Connor comanda seu elenco, principalmente Nick Nolte, que vive Paddy e de longe é o ponto alto do filme.

O campeonato, batizado de Sparta e que coloca o reinicio da carreira e da vida dos três em cheque, ainda que de forma torpe, dura 50 minutos dentro do filme. Claro desprezo com a idéia de desenvolvimento narrativo e montagem. O prestígio de Tommy e a fraqueza de Brendan tornam-se armadilhas para a história; posturas caricatas e claros remendos narrativos com personagens secundários enfraquecem em muito o filme. Se cabe a nós notar algo de positivo no filme, que seja a fidelidade com o esporte – o MMA, no caso, a estrondosa atuação de Nick Nolte e o esforço de Tom Hardy.

Guerreiro (Warrior, EUA, 2011) de Gavin O´Connor

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN


Antes da análise da natureza do mal e seu curso hereditário, Precisamos Falar Sobre o Kevin é sobre o instinto materno, inabalável e imutável. A transposição do livro de Lionel Shriver para as telas é rica em alusões imagéticas e utiliza as possibilidades do cinema como base narrativa.

Antagônico à era do patriarcalismo, Precisamos Falar Sobre o Kevin é a afirmação da figura da mãe na intensa relação de insatisfação e desencontros entre Eva (Tilda Swinton) e Kevin. O espaço de não-reconciliação referente a R.W. Fassbinder está no conflito de gerações. Eva e seu marido Franklin (John C. Reilly) vivem à margem da maturação da mente de seu filho, desde pequeno propenso ao sadismo. A partir da postura que oscila entre a submissão e a mágoa da mãe e o implícito descaso do pai, a questão da natureza do comportamento frio e calculista de Kevin. O comando de Lynne Ramsay é concentrado na desconstrução da manipulação na instituição familiar.

Sem respostas para a busca do grande culpado de Kevin ter se formado um monstro, Ramsay constrói um filme claustrofóbico e pungente, mesmo usando macetes saturados no modelo do novo cinema americano ao utilizar o mecanismo do melodrama – este que cria obrigações em obter motivos e respostas para ações e conseqüências, sem espaço para a contenção de informações e motivações sobre os personagens.

★★★
Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need To Talk About Kevin, Reino Unido, 2011) de Lynne Ramsay

2 COELHOS


O debut diretorial de Afonso Poyart coloca a experiência diante da questão da identidade. Explicitamente apoiado na linguagem de videoclipes e de filmes publicitários, Poyart dá ao seu filme o frenesi do corte e o efeito didático de ilustrações produzidas unicamente para o deleite visual, enquanto a trama – o plano de Edgar (Fernando Alves Pinto) de colocar criminosos e corruptos em colisão –, agarrada a velocidade obrigatória e gerencial dos tempos atuais, consegue mais alarde por sua matéria prima. Afinal, erroneamente, ser rápido significa ser moderno.

Nomes como Zack Snyder (Sucker Punch – Mundo Surreal), Mark Neveldine (Adrenalina), Brian Taylor (Adrenalina), Quentin Tarantino (Bastardos Inglórios) e Guy Ritchie (Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras) servem de parâmetro, mas ao contrário de filmes destes diretores, o longa de Poyart tem desenvolvimento em blocos: a narração em off é o único elemento capaz de uní-los. 2 Coelhos acerta ao flertar com o humor – outra tendência “moderna” que dilui a seriedade do tema, posicionam os personagens como antagonistas e se firma como a única proximidade com a identidade nacional.

Este é o maior acerto do filme e possibilita o raio-X dos personagens a partir desta idéia – mesmo que os estereotipando. A narrativa rocambolesca luta para condensar o cotidiano da capital paulista e lembrar que acima da rotina existe uma a teia de corrupção que nos atinge diretamente. Porém, 2 Coelhos não deixa claro ao que veio: o fetichismo visual não é aliado direto da suposta versatilidade do roteiro. Mesmo sendo carro-chefe do filme, ele é motivo de saturação e não de suporte narrativo e  muito menos do panfletarismo sugerido.

★★
2 Coelhos (Idem, Brasil, 2011) de Afonso Poyart

MILLENIUM - OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES


Terrenos já explorados por David Fincher em Seven – Os Sete Pecados Capitais e Zodíaco, a apuração de um caso policial e os valores éticos na execução do mal servem de suporte para a adaptação hollywoodiana de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, livro homônimo de Stieg Larsson, também adaptado para o cinema por Niels Arden Oplev em 2009.

Ao contrário do filme de Oplev, disperso e distante dos protagonistas que resulta num filme frio e igualmente pungente, Fincher, já na apoteótica abertura intenciona um longa condensado pela estética sombria e a aproximação de personagens complexos para inseri-los em alegorias do gênero. Eles se transformam em adaptações do tradicionalismo de filmes de suspense americanos. Mikael Blomkvist (Daniel Craig) e Lisbeth Salander (Rooney Mara) aos poucos se transformam em articulações da história num ping-pong cansativo de sequências até o encontro dos dois, ainda no início do filme.

A partir deste encontro, Os Homens que Não Amavam as Mulheres segue a cartilha autoral de Fincher, endereçada à aura através de códigos já domesticados pelo publico, independentemente de seu perfil. A escuridão e o frio servem como um personagem a mais para a história, lembrando intensamente que a condição dos protagonistas é suficientemente complexa, automaticamente eliminando qualquer possibilidade de um estudo maior deles – ainda que subjetivo - durante a investigação.

A redenção em caminhos concomitantes para Blomkvist e Lisbeth é o guia da narrativa trivial que falha em construir uma teia conspiratória a partir da culpa que os protagonistas carregam. Contemporâneo, sim. Saturado, também.

★★★
Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl With the Dragon Tattoo, EUA/Suécia/Reino Unido/Alemanha, 2011) de David Fincher

A SEPARAÇÃO


A sequência que abre A Separação dá a entender que a ruptura é de fato a de um casal. A partir de um fiapo de trama, Asghar Farhadi abrange esta idéia à emergente posição feminina na sociedade e a idoneidade em um país que ainda vive a ditadura de valores religiosos.

Farhadi coloca seus personagens sobre intensa suspeita. Certo e errado ganham dimensões abstratas. Ao mesmo tempo em que dividem protagonismo e antagonismo a cada reviravolta do roteiro, eles ganham desconstruções existenciais e políticas (por exemplo: um senhor com Alzheimer pode ser a representação do fim e a opressão que inibe as articulações da vida de seu filho Naader (Peyman Moaadi), acusado de agredir Razieh, encarregada dos cuidados médicos de seu pai) na cena seguinte. Com a liberdade de representação devidamente construída, Farhadi aborda a cada quadro o gene de ações cotidianas.

A duplicidade rege a narrativa quando Farhadi retoma e insere os valores familiares ao mote investigativo do filme. Vidas são banalizadas por aqueles que zelam os necessitados. O orgulho é o âmago da batalha e a religião é a única força capaz de diluir posturas pragmáticas ao acontecimento. A força de A Separação está na intensidade que o diretor comanda este mosaico de referencias. Humanizar e distanciar o julgamento de todos os personagens torna o filme ainda mais instigante.

Consequentemente sem ritmo por conta da repetição deste exercício no último ato devido sua longa duração - como uma tensão entre construção e expressão -, A Separação é um filme que remete a idéia de ciclo, de incompetência e fraqueza. O julgamento, sugerido pelo diretor, vem do público. Os motivos para esse sintoma também devem ser abraçados por nós. Mas, da mesma maneira que os personagens estão sob julgo (e júdice), nós, espectadores, somos domados pela ação passiva do voyeurismo, sem força de decisão.

★★★★★
A Separação (Jodaeiye Nader Az Simin, Irã, 2011) de Asghar Farhadi

50%


Jonathan Levine, diretor de pequenos filmes como Doidão e All the boys loves Mandy Lane adota a costumeira cartilha que seu grupo de amigos liderado por Judd Apatow (responsável direto por filmes como Superbad – É hoje!, Segurando as Pontas e Ligeiramente Grávidos e pela direção de Tá Rindo do quê? e O Virgem de 40 anos) utiliza ao aliar um tema incompatível – neste caso, o câncer – às comédias agridoces. 50% à priori serve ao modelo de celebração à vida e que o positivismo serve como mecanismo de renovação em tempos difíceis. Após o primeiro ato, o longa de Levine se mostra tendencioso ao desfrute da audácia do alicerce entre a comicidade narrativa e uma doença.

Adam (Joseph Gordon-Levitt) é um roteirista de programas de rádio de 27 anos e é diagnosticado com um tipo raro de câncer na coluna. Então, ele é submetido a sessões de quimioterapia e psicoterapia. O quadro de otimização de amizades, hoje tão imediatistas e fúteis, aqui ganha uma faceta dicotômica: a amizade pode ser rasteira, porém de marcas eternas. E de onde não se espera fidelidade, lá ela está. Nada inovador, mas ainda funcional para o gênero.

Quando Adam e Kyle (o maior representante da era Apatow, Seth Rogen) estão juntos, Levine consegue compor (ou se aproximar ao máximo dela) a química da real amizade - onde a cumplicidade é costurada com palavras torpes e codificada entre eles. Tudo é rapidamente compreendido e aqui, o humor tem justificativa sã ao invés de um simples gancho para a fuga do melodrama, caminho tão óbvio para esta temática. Infelizmente uma idéia pouco utilizada pelo diretor, apesar da intensa presença de Rogen nas cenas.

★★
50% (50/50, EUA, 2011) de Jonathan Levine

TOMBOY


Adaptar e ser. E o abismo entre os dois verbos. Tomboy em sua superfície pode ser um conto sobre a estranheza de ir contra sua natureza, porém, a diretora Céline Sciamma profetiza os demônios da vida adulta para Laure (a incrível estreante Zoé Héran) presa a inocência da infância e que se opõe a submissão dos padrões. Para ela, a existência está na pele Mikael, um menino que acabara de se mudar e que arrumou novos amigos.

Tudo parece absolutamente natural, até mesmo os atalhos que Laure tem que pegar para continuar sendo quem ela realmente é. Sciamma delicadamente muda de ótica e expõe a protagonista às turbulências das obrigações de ter uma identidade, ter um rótulo. Se a infância é o momento de descobertas, ela também é a casa da sinceridade. Crianças nunca esconderão suas opiniões.

A chegada prematura à maturidade não inibe o lado lúdico que a promessa de laços eternos que marcam a infância. Como Sciamma profetiza através do derredor de sua obra, silenciosa e intensamente metafórica, o futuro de Laure se estabilizará quando o abismo acabar. Quando Mikael e Laure se encontrarem.

★★★★
Tomboy (Idem, França, 2011) de Céline Sciamma

CAVALO DE GUERRA


Sob a tutela da DreamWorks, Cavalo de Guerra sugere o resgate da cartilha utópica do cinema hollywoodiano – histórias contadas através do modelo clássico de roteiro, tensionadas ao otimismo e com regular uso de idéias fantásticas e reforço melodramático através de aspectos de pós-produção -, onde o suporte do roteiro de Lee Hall e Richard Curtis adaptado do livro de Michael Morpurgo deve ser exclusivamente da reação terna da platéia (incluindo o total desligamento do real). Para isso, não existe nome melhor que Steven Spielberg. Dono de incrível versatilidade, o diretor modelou através do tempo diversos temas e abordagens ao cinema comercial.

A história de um cavalo puro sangue que cria laços com o garoto Albert Narracott (Jeremy Irvine) e que vai à primeira guerra mundial contra a vontade de seu dono ganha de Steven Spielberg um olhar voltado à plástica. Planos assimétricos, enquadramentos abertos e a incrível noção de espaço de ação criam a inocente e gigantesca alusão ao exercício do olhar e a fetichização da imagem, da desconstrução visual e claro, do papel da beleza na concepção estética e poética do quadro.

Intenso, este exercício acompanha paralelamente a disritmia narrativa. O cavalo Joey, ao mesmo tempo em que conhece a lealdade de diversos donos após a separação forçada de Albert, apresenta um cansativo panorama do envolvimento à guerra, guiado pela forma saturada de celebração à amizade. Neste ponto a mão de Spíelberg pesa; a repetição é contornada pelo mecanismo que o diretor conhece melhor: explicitar as contradições do processo fílmico para, assim, criar uma obra autêntica.

★★★
Cavalo de Guerra (War Horse, EUA, 2011) de Steven Spielberg

A GUERRA ESTÁ DECLARADA


No primeiro ato de A Guerra Está Declarada é possível ouvir o choro do pequeno Adam cobrindo diversos diálogos que no fim buscam respostas para a agonia do garoto. Apenas um traço autobiográfico do filme de Valérie Donzelli, que ao passar para as telas a luta pela cura do câncer de seu filho cria outro embate: contra o melodrama.

A tal “guerra” do título é contra contratempos que o tratamento impõe como a incerteza do futuro, as regras dos hospitais e o mundo que Romeo (Jérémie Elkaim) e Juliette (a própria Valérie) tiveram que abandonar para o bem de seu filho. A força sensitiva dos pais contra a medicina – que ganha criativas alusões ao papel de Deus dentro do sistema de saúde francês – dá à Valérie possibilidades para a fuga da obviedade que o tema traz.

Flertes agudos com diversos gêneros criam artifícios desconexos e a sensação de desorientação, com pouquíssimos acertos, como a brincadeira com o suspense, utilizando um plano aberto estático e silencioso como representação do estado de espírito do casal. Porém, outras apostas como sequências musicais e o uso de elementos extra-tela para ilustrar o desespero dos protagonistas são gratuitos.

Espírito este que Valérie tenta imprimir a todo custo compondo um mosaico de reações à doença de Adam. A resposta está na narração em terceira pessoa que nos situa de forma rasa ao drama da família.

★★

A Guerra Está Declarada (La Guerre Est Déclarée, França, 2011) de Valérie Donzelli

Melhores Filmes de 2023

Mangosteen de Tulapop Saenjaroen Mais um longo post com os melhores filmes do ano. São os melhores filmes lançados entre 2021-23 com mais ...