O HOMEM DO FUTURO


1991. Fernando Collor afundava o Brasil. Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl mudavam os rumos da música com “Smells Like Teen Spirit”. A Legião Urbana era a banda mais lembrada e executada em saraus e festas colegiais. Para João (Wagner Moura), foi o ano em que sua vida foi arruinada. Para ele, a forma de mudar o presente é voltando para o fatídico ano.

Colocar o Homem do Futuro de frente à trilogia De Volta Para o Futuro é uma idéia nada intrínseca, mesmo que seus protagonistas dividam das mesmas motivações para viajar pelo tempo. O longa de Claudio Torres – provavelmente o diretor que mais aposta em temáticas fantásticas e na fuga da metodologia do cinema comercial brasileiro em filmes como Redentor e A Mulher Invisível -, antes de tudo é uma deliciosa e nostálgica viagem.

Cheio de referências que realçam o lado cômico e saudoso, como jogos de futebol, músicas e programas de TV, O Homem do Futuro personifica o desencargo de consciência de um homem supostamente fracassado através das possibilidades da física. Torres situa causa e consequência por diversas vezes no mesmo quadro e analisa, mesmo com uma abordagem leve, a forma e impacto abstrato do tempo.

Com personagens que servem como pilares para todas as analogias inseridas na narrativa e que também agregam à leveza do filme sendo completos clichês, Torres tem a liberdade para criar diversos nichos dentro da proposta do filme; romance, aventura, comédia. Tudo isso sem deixar de ser hermético e autoral e fazer que seu filme seja de Wagner Moura, como outrora fez com Pedro Cardoso e Selton Mello.

João (Moura), em todo caso, está para a trama como ilustração de um envolto pungente, intenso e criativo que para Torres dilui a austeridade do passar dos dias.

★★★★
O Homem do Futuro (Idem, Brasil, 2011) de Claudio Torres

PACIFIC


Segundo a cartela que abre o longa Pacific, os registros exibidos foram feitos por turistas em uma viagem de fim de ano no cruzeiro que batiza o filme.  Na virada de 2008 para 2009, pesquisadores escolheram alguns hóspedes que filmavam a viagem e partir deste material, escolheram momentos mais relevantes para exibí-los.

Pacific, natural e justificadamente, alimenta a estética da imagem sem refinamento, de bruscos movimentos, onde a plástica não é motivo para de prazer. A edição, com fragmentos de gravações de cada câmera, constrói o fio narrativo necessário para localizar o espectador no contexto, mesmo que de forma não linear.

Porém, o que o diretor Marcelo Pedroso discretamente aborda é a quebra da naturalidade em frente às câmeras. Na frente do dispositivo, todos têm algo a dizer, todos escondem seu estado de espírito atrás de sorrisos amarelados e a tentadora oportunidade de exibir dotes artísticos. Maior do que qualquer coisa, esta é a domesticada idéia que a mentira sobressai à verdade na tela.
Além desta interessantíssima observação comportamental, o longa de Pedroso, com o material disponível, constrói personagens cativantes e que ilustram que viagens de férias, mesmo com todo aquele clima obrigatoriamente festivo, podem render momentos de frustração e saturação.

★★★★
Pacific (Idem, Brasil, 2009) de Marcelo Pedroso

A ALEGRIA


Através da referência confusa que é a adolescência, Felipe Bragança e Marina Meliande criaram uma íntima e lírica relação com o Rio de Janeiro em A Alegria. Lirismo este que gradualmente toma conta do roteiro, como reflexo caótico que é a vida urbana, dominada por relações frias e pela violência.

A catarse está no que parece comum aos nossos olhos; nas descobertas nada pudorizadas pela câmera, nas promessas de amizade eterna ou na fuga de alguma aula – como contrapeso estão diálogos que fogem a regra da simplicidade dialética. Não funcionam bem, mas servem de justificativa às licenças no qual Bragança e Meliande utilizam no último ato, quando o filme está imerso no simbolismo.

A fuga é o cerne da trama que é aberta a dezenas de paralelos arrojados, meticulosamente profundos para analisar a (i)maturidade de jovens expostos à traumas e a forma fantasiosa de enfrentar contratempos nada habituais para esta faixa etária.

★★★
A Alegria (Idem, Brasil, 2010) de Felipe Bragança e Marina Meliande

BALADA DO AMOR E DO ÓDIO


Uma sangrenta fábula sobre redenção aliada ao retrospecto histórico de um país intensamente movido a literal dieta do pão e circo. Balada do Amor e do Ódio caminha pela medida fantasiosa e igualmente violenta proposta de Álex de la Iglesia com toques de humor e ativismo político. O resultado é uma obra caricata.

Mesmo com a intensidade da desconstrução do conflito do protagonista, o palhaço triste Javier (Carlos Areces) - que viu seu pai preso e torturado durante a guerra civil espanhola, o filme não consegue a sustentação necessária para aproximar o espectador para seu desenvolvimento. Tudo graças à duplicidade nas intenções do diretor; se por um lado este conto violento enriquecido pela estética é inflamado pela força psicológica que as origens de um país se espelham em Javier, por outro, as inserções cômicas insólitas dão um tom abstrato ao que o filme realmente se refere. Esta idéia abre a possibilidade de histórias paralelas com o mesmo elenco.

Para provar que físico e emocional podem se equivaler, la Iglesia tenta de tudo num mosaico de referências do gênero marginalizado do cinema (o terror): a subversão do herói, o banho de sangue, a ironia e claro, a união da linguagem pop à violência. Balada do Amor e do Ódio é funcional em alguns pontos, mas sofre da falta de autenticidade.

★★
Balada do Amor e do Ódio (Balada Triste de Trompeta, Espanha/França, 2010) de Álex de la Iglesia

SUPER 8


Em síntese, o legado de J.J. Abrams (Lost, Star Trek) – agora confortado pelo aval de Steven Spielberg – foi construído pela costura de referências. Super 8, escrito e dirigido por Abrams e produzido por Spielberg, leva este exercício ao extremo. Tributo e plágio neste caso podem vestir a mesma camisa, afinal o resultado será o mesmo.

Para criticar indiretamente a postura evasiva do governo e do exército americano que mudaram o foco da caça a Bin Laden de diversas maneiras, Abrams cria um mosaico de referências a longas oitentistas e constrói um típico disaster movie onde momentos da carreira do próprio Spielberg servem como sustentação. Lá estão citações, seja na idealização dos personagens ou na narrativa, a E.T – O Extraterrestre, Os Goonies, de Richard Donner, Conta Comigo de Rob Reiner, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Guerra dos Mundos, para citar alguns. O modelo narrativo se encaixa na proposta, afinal, o longa se passa no fim da década de 70 e nada mais é que a transposição dos primórdios da carreira de Abrams e Spielberg, no qual produziam filmes em super 8 durante a infância.

Abrams não vende seu filme como uma obra de espírito jovial feito por diretores experientes e que tem todo aparato tecnológico para levar a brincadeira a sério – e assim, invertendo o propósito da história. Neste ponto mora o grande tropeço do longa, que ao adotar os mesmos macetes de roteiros consagrados, implica total dependência da interpretação do público. E assim, aos poucos, Super 8 torna-se uma caricatura do que realmente deveria ser.

★★
Super 8 (Idem, EUA, 2011) de J.J. Abrams

A ÁRVORE DA VIDA


O que tem forma pode ser deformado. O que é real pode ser manipulado. Separando o comportamento humano pela graça do Criador – Deus – e a natureza da criatura – homem –, Terrence Malick (O Novo Mundo) utiliza artifícios conhecidos de sua filmografia para estreitar a relação de soberania entre os dois extremos apurados, usando o livro bíblico de como parâmetro.

Através de um fio narrativo – a perda de um filho -, Malick vai para o início dos tempos, literalmente; utiliza sequências de plasticidade perturbadora, que ao passar do filme tornam-se redundantes para representar as contradições humanas – acostumadas a se transformar em louvor ou em saídas instintivas. Ao analisar as criações de Deus - que com o tempo se tornaram a ilusão do poder do homem, ilustradas por carros e fábricas, Malick dilui a fraqueza na construção de cenas fortíssimas no qual Mr. O’Brien (Brad Pitt) transforma o convívio com sua família em martírio.

Para os filhos de O’Brien, a relação com o Criador é ambígua. Afinal, quem é Deus dentro de casa? Devemos segui-lo? É declarado o fim da inocência. Como Jack (Hunter McCracken / Sean Penn), invertendo o sentido de uma das mais citadas passagens da bíblia, diz: “Não gosto do que eu faço. O que eu gostaria de fazer, não faço.”

Dominado pelo onirismo, A Árvore da Vida não esconde sua constatação pessimista às fraquezas da humanidade e compartilha do mesmo gênero narrativo de pilares cinematográficos como 2001 – Uma Odisséia no Espaço e THX 1138. Regido por fades e elipses, o vencedor da Palma de Ouro em Cannes deste ano é irônico com seu feitio: enquanto permeia o citado fio narrativo por todo o filme, sem permitir a dispersão, faz questão de se manter inconclusivo e aberto a múltiplas interpretações com uma única função: derrubar nossas certezas.

★★★★
A Árvore da Vida (The Tree of Life, EUA, 2011) de Terrence Malick

MELANCOLIA


A analogia da colisão de dois mundos à relação dos amantes incrustada na primeira metade de Melancolia, novo longa do polêmico - e agora persona non grata em Cannes - Lars Von Trier , se desenvolve a ponto de tornar-se mutante dentro da narrativa, sustentada pela contagem regressiva do suposto fim do mundo. Mas a tensão que rege o longa tem intenções abrangentes.

Sempre implícito, Von Trier desdenha das premiações, do mercado cinematográfico e justifica: “É difícil seguir com estas amarras nas minhas pernas”. Para o diretor, a dança da morte (nome que batiza a colisão da Terra com o planeta que dá nome ao filme) supre a mesma temática de seu antecessor, Anticristo, de 2009, e profetiza a reação negativa da crítica. Como escudo está Justine, personagem de Kirsten Dunst, uma boa intérprete, mas de técnica perceptível. Se o filme protagonizado por William Dafoe e Charlotte Gainsbourg era catapultado pela religião e a origem dos tempos, Melancolia é exatamente o oposto (ciência e o fim), seguindo a fórmula impetuosa que nos acostumamos a ver em filmes como Ondas do Destino e Dogville.

A metáfora também cabe à análise da obra do diretor dinamarquês, que sempre atrela arte ao caos – representados explicitamente pela sequência inicial do filme – e que se desenvolvem na estética crua – herança do Dogma 95 - e nos cacoetes técnicos. A aura pessimista evoca paradoxos existenciais como a , fidelidade, saúde e dinheiro e a violência com intensidade necessária para acelerar o ritmo narrativo. Von Trier pode ter apostado e profetizado, mas está longe de ser representado por Justine. Melancolia mostra um autor interessado em seguir o curso natural pós Anticristo, um filme rico em detalhes líricos e estéticos que está na margem do onirismo e abre diversas possibilidades de interpretação.

★★★★
Melancolia (Melancholia, Dinamarca/Suécia/Alemanha/França, 2011) de Lars Von Trier

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