A ESTRADA

 

Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy, John Hillcoat monta um cenário pós-apocalíptico para inverter valores em A Estrada. Hillcoat faz questão de lembrar que certos instintos reacendem em situações de sobrevivência e que o raciocínio fica em segundo plano. A trama é costurada após o nascimento de um menino. O mundo já havia sido destruído e não importa como e porquê. Ao lado de seu pai (Viggo Mortensen em total entrega ao personagem e provavelmente a maior força do filme), eles vagam pelas ruas com um só objetivo: Saírem ilesos de todos os riscos à sua volta.

Neste momento o dinheiro não vale mais nada. O medo, a pobreza e a violência são consequências de um cenário anárquico que faria qualquer homem desabar. Para o homem, sua única motivação em continuar a caminhada em direção ao sul é a sobrevivência de seu filho, mesmo que ele não entenda muito bem o porquê. Suas forças ficaram no passado com o desaparecimento de sua esposa. Longe da pieguice, John Hillcoat utiliza a ausência de elementos básicos de uma narrativa moderna para salientar o valor de pequenas coisas do cotidiano, suas motivações e os instintos que as cerca.

A Estrada pode, em partes, ser comparado a Gerry, de Gus Van Sant. É uma trama focada na procura do desconhecido, enfatiza suas intenções na escassez de diálogos e transforma seus enquadramentos de câmera em pinturas. E, assim como o longa de Gus Van Sant, A Estrada foi feito para ser interpretado lentamente, enquanto foge completamente dos clichês do cinema americano quando o assunto é fim do tempos.

A Estrada  (The Road, EUA, 2009) de John Hillcoat

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

alice 

Tim Burton representou por muito tempo o que era incomum, rejeitado e subestimado. Seus personagens eram encarnações do que era avesso a um padrão. Por isso, o diretor ganhou o respeito de geeks, freaks, freqüentadores de cineclubes e afins. Da segunda metade dos anos 90 pra cá essa representação foi se diluindo enquanto a força de Burton para ganhar novos fãs vinha diretamente de duas de suas maiores características: A estética sombria e a eterna parceria com o ator Johnny Depp, que se repete em Alice no País das Maravilhas, adaptação do clássico conto de Lewis Carrol.

O mundo macabro de Burton parecia convidativo o bastante para a imersão em três dimensões. Mas tal tecnologia não faz um filme. É preciso o trabalho de sempre para envolver o espectador, ou seja, desenvolver seus personagens, conflitos, o ritmo e uma resolução convincente. No caso, por ser uma adaptação, Burton só deixa explícita a sucumbência da estética sobre o texto, como um truque ilusionista qualquer.

As metáforas e paralelos do conto original são praticamente esquecidos. Seus personagens não são bem desenvolvidos o bastante para fugirem de uma posição caricata. Burton aponta diversas lacunas para uma nova visão sobre o conto de Carrol que não fosse apenas sustentado pelo aspecto visual (bem batido, convenhamos), mas depositou todas as forças do filme nos ombros de Helena Bonham Carter (Rainha Vermelha) e Johnny Depp (Chapeleiro Maluco), que parece uma versão do Capitão Jack Sparrow vestido de Bozo.

Mas nem tudo é tragédia em Alice no País das Maravilhas. Fora as boas atuações, o diretor tem boa noção rítmica e sua montagem é eficiente o bastante para que o filme passe sem que o espectador sinta em demasia a ausência de um texto ao invés de objetos voando da tela e a composição do previsível “estranho mundo de Tim Burton”.

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010) de Tim Burton

AS MELHORES COISAS DO MUNDO

 

A melhor coisa do mundo é viver. Laís Bodanzky já havia afirmado tal sentença com a terceira idade em Chega de Saudade e agora celebra o fato de passar pelas lombadas colocadas pela vida em As Melhores Coisas do Mundo, filme baseado na série de livros “Mano” de Gilberto Dimmenstein e Heloísa Prieto. Laís registra o cotidiano dos jovens do nosso tempo. Sim, o jovem precoce, auto proclamado independente, que já vive a cultura autodestrutiva e egoísta tão latente no novo século. Esses jovens nasceram e foram criados em um mundo que não exige tanto esforço para se conseguir o que se deseja.

Em certo ponto do longa fica impossível não associar a obra de Bodanzky aos filmes de John Hughes (principalmente Clube dos Cinco), que ao mesmo tempo que usava sua trama à um viés despretensioso, estudava uma geração. A relação dos jovens ao sexo, entorpecentes, imaturidade, novas formas de relacionamento, meios de comunicação e problemas familiares é vista por Laís de uma maneira que foge completamente de um modelo formulado por emissoras de TV, que geralmente utilizam os jovens como meros coadjuvantes ou simplesmente abusam do mau gosto para construir uma realidade distorcida. A idéia da diretora carrega resquícios de uma maneira mais “analógica” de se ver a vida, pois seus personagens prezam pelo contato ao vivo, que aos poucos e naturalmente brinda o espectador mais velho com uma sensação nostálgica.

Mano (interpretado pelo estreante Francisco Miguez, ótimo), irmão mais novo, mais introspectivo e que não parece ter medo de viver à moda antiga, passa justamente o inverso de seus colegas; Seu conflito principal é justamente o de ser jovem. Mano não é apresentado como um menino que não faz parte de um grupinho do colégio. Ele faz parte sim da vida social dos estudantes, dos grêmios e das baladas, mas que sente a reverberação dos problemas familiares à flor da pele. Pedro (Fiuk), irmão mais velho, é mais recluso e tem saídas mais radicais para cada contratempo que possa afetá-lo. Eles estudam no mesmo colégio, mas a idade os coloca em realidades distintas que só se juntam por um grande problema. Aos poucos inseguranças e medos são apresentados ao mesmo tempo em que outros personagens deixam de ser coadjuvantes para tomar importância enorme para a trama, principalmente quando estão longe das lentes da diretora. Sendo uma analogia da imperceptível importância que situações e pessoas tomam depois para nossa formação adulta ou não, Laís induz a identificação para aqueles que já passaram pela adolescência.

A busca de Mano é de expurgar suas frustrações de alguma forma. Consequentemente e inconscientemente ele ajudará a todos ao seu redor a fazer o mesmo. Essa busca é da maneira mais adolescente possível – frenética e inquietante. Para ele fica a incógnita como se portar, talvez esse o maior conflito de um jovem garoto, pois sua imaturidade o impede de ser um homem. Como a história se desenvolve e se soluciona é de fácil previsibilidade, mas isso só aproxima mais ainda o filme de Laís aos de Hughes: É um filme para se degustar lentamente, cada corte, cada gesto, cada diálogo e cada sorriso que brota dentro e fora da tela. O gosto final é o melhor possível: Aquele dos tempos de colégio.

As Melhores Coisas do Mundo (Idem, Brasil, 2010) de Laís Bodanzky

ZONA VERDE

 

A nova parceria entre Paul Greengrass e Matt Damon (a última aconteceu em O Ultimato Bourne) chega aos cinemas em um momento delicado, onde diversas produções metralham diretamente ou não mensagens sobre a guerra do Iraque. Zona Verde parece um resgate ao cinema-denúncia ao assumir a responsabilidade de não utilizar a câmera como dispositivo de protesto e sim de tomar para si uma verdade absoluta, no caso, os falsos motivos para os EUA entrarem no Iraque.

A estética documental consumida pela câmera na mão por toda duração do filme, apesar de batida, figura a proximidade do soldado Miller (Damon) à realidade. O filme se passa nos primeiros momentos da guerra, em 2003, quando ainda existia uma inocência necessária para o governo americano proliferar seus ataques sob a busca de armas de destruição em massa. Enquanto Greengrass perdura em mostrar que a guerra é um bom negócio para o exército e soldados, o personagem de Damon assume o papel de herói como nos velhos tempos para buscar a unificação do governo iraquiano e o crescimento independente do país antes comandado por Saddam Hussein e sem a intromissão dos EUA após os conflitos.

É o momento para o diretor alargar as estacas de sua corajosa saga: A imprensa ganha o corpo de vilão junto a pilares do exército e do governo americano. Miller representa aqueles que gostariam de peitar autoridades e mudar o curso de um plano comandado pela ganância. Revestido como um filme ação, onde chantagens e trocas guiam os planos traçados por Millerm, Zona Verde não enfrenta contratempos para justificar tiros e sequências violentas. Apesar do entretenimento garantido com tais sequências, as forças do longa de Greengrass estão na coragem necessária para adotar uma posição e expor, com clara indignação, a sua verdade.

Zona Verde (Green Zone, França/EUA/Inglaterra/Espanha, 2010) de Paul Greengrass

MARY E MAX - UMA AMIZADE DIFERENTE

 

O diretor Adam Elliot é pragmático em Mary & Max - Uma Amizade Diferente. Como Andrew Stanton em Wall-E, Elliot usa uma história singela onde o envolvimento de seus protagonistas nada mais é que um trampolim para disparar ácidas críticas ao modelo de vida contemporâneo. Ao contrário da obra de Stanton, Mary & Max – Uma Amizade Diferente é um filme que não se preocupa em maquiar suas intenções como subtexto ou utilizar entrelinhas para concretizá-los, por isso, talvez seja uma obra que fuja do gosto comum do público alvo das animações, ou seja, os jovens, ainda que sua plástica seja um irresistível convite para um delicioso deleite visual.

Se Mary, uma reclusa e amedrontada menina australiana desbrava um novo mundo (sem censuras ou moralismos) através de trocas de cartas com o americano Max, ao mesmo tempo o usa como fonte de reconhecimento. Em Max está a penca de problemas que ela teme se deparar no futuro. Max é um homem solitário, obeso, que sofre de dezenas de síndromes e representa muito bem o homem moderno. Ele a ajuda em suas prematuras crises existenciais, mas antes de tudo, encontra nas cartas uma nova saída, um motivo para viver.

A cada confidência trocada, um trauma é apagado, uma fobia é confrontada, um passo é dado para um deles. Mas ainda no primeiro ato, a trama de amizade ganha objetivos maiores. Mary e Max são vistos pelos olhos tragicômicos do narrador. E por agir concomitantemente nos dois lados com a mesma intensidade, Elliot nos obriga a ver o conto de uma maneira nova; Este que balanceia a riqueza de sua mensagem e sua forma de sua exposição e o delicioso ode à lealdade e a amizade (ainda que Mary, assim como a vida, perca graça conforme a idade passa) com momentos cativantes.

Mary & Max - Uma Amizade Diferente (Mary & Max, Austrália, 2009) de Adam Elliot

A RIVIERA NÃO É AQUI

 

Há muito tempo não vejo uma comédia francesa que carregue as características que consagraram o país como uma das maiores fontes  de filmes deste gênero. Em sua maioria, todas eram cativadas por um humor refinado, intelectual e desbravadas a partir de uma boa sinopse. É o caso dos filmes de Jacques Tati até os mais recentes de Francis Veber (O Closet, O Jantar dos Malas). E tudo indicava que A Riviera Não é Aqui iria pelo mesmo caminho, seguindo a tradição de uma boa premissa: Phillipe Abrams, diretor de uma agência dos correios, sonhava em ser transferido para o sul da França para melhorar sua vida e principalmente seu casamento. Mas para isso, teria que participar de uma fraude que é desmascarada em uma cena antológica. Como penitencia, ele é enviado para o norte, local temido por sua esposa não só pelo frio, mas pelo comportamento dos habitantes daquela região.

A aventura começa quando Phillipe pega a estrada. É a chance dele de se conhecer melhor e também explorar novos costumes e até um novo dialeto, este que o diretor Dany Boon faz questão de usá-lo como fonte de piadas de duplo sentido por todo filme. Com o passar dos dias e uma rapidíssima adaptação a um novo modelo de vida, ele consegue se livrar de fardos que mantinha no passado. É ai que Boon usufrui de uma narrativa enaltecida pela leveza da amizade e a descoberta de uma oportunidade mesmo que ainda tropece em momentos exagerados, onde o diretor utiliza longas sequências para debochar de males como o alcoolismo e a depressão.

Em A Riviera Não é Aqui não existe tempo para conflitos. Nem daqueles mais rasos e costumeiros em comédias. Tudo se resolve facilmente e com bom humor. O roteiro parece ser um emaranhado de situações corriqueiras de um tempo de adaptação e tramas paralelas que servem como uma ponte para o resto da história. Talvez isto venha das intenções do diretor que fez uma obra para entreter apenas, mas fica no meio do caminho na hora de elaborar uma mensagem para os seus espectadores. Assim, Dany Boon coloca em cheque o seu público: Entrar de cabeça na previsibilidade da trama e se divertir ou esperar por uma reviravolta genial e considerar o filme como uma verdadeira comédia francesa? Aconselho a escolher a primeira opção.

A Riviera Não é Aqui  (Bienvenue chez les Ch'tis, França, 2008) de Dany  Boon

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