POLÍCIA, ADJETIVO

 

Corneliu Poriumboiu sabe usar uma ferramenta tão potente como o cinema para levantar questões. Em Polícia, Adjetivo, o que o diretor pretende é colocar – de forma nada neutra - em pauta temas como lei, dependência de “corporações” e a necessidade de se controlar o usuário de drogas como um meliante ao invés de um dependente numa narrativa oponente à de uma trama policial.

Mas a construção do longa de Poriumboiu é totalmente subjetiva. Suas intenções são impostas em situações cotidianas e tomam corpo em forma de letra de música ou expressões. Na entediante rotina do policial Cristi atrás de um jovem usuário de maconha, o que vemos é pressão para o caso ser concluído e a urgência de mostrar trabalho feito por seus superiores. Poriumboiu deixa explícito que lei, polícia e meliantes formam um sistema funcional, sempre em planos estáticos, sem emoção, apenas, observadores.

Por outro lado, toda essa escassez de ação ou até mesmo de diálogos na maior parte do tempo, criam uma barreira para o espectador -  o filme intercala entre longas cenas que Cristi inconsolávelmente espera o garoto apresentar alguma brecha que o coloque em flagrante e outras que interferem brutalmente o marasmo criado, dominadas por rápidos diálogos repletos de informações.

Sim, Polícia, Adjetivo é um filme que possui irregularidades em seu ritmo e conseqüentemente borra as intenções proferidas em seu texto, porém a discussão levantada por Poriumboiu e sua cena final onde Cristi tem um embate físico com a hipocrisia do sistema representada por um dicionário, já valem o ingresso.

Polícia, Adjetivo (Politist, adj., Romênia, 2009) de Corneliu Porumboiu

ACONTECEU EM WOODSTOCK


A versatilidade de Ang Lee é inegável.  Seja nos Estados Unidos ou em Taiwan, é um diretor de ótimos filmes. E talvez sua mais marcante característica seja que em seus trabalhos, sem exceções, o diretor não subestime seu espectador. Seja traçando o paralelo da morte do “sonho americano” em Tempestade de Gelo ou se afastando da linha que marginaliza a homossexualidade em Brokeback Mountain ou afogando um super-herói em sentimentos em Hulk, Lee estima que seus espectadores criem suas próprias análises sem ganhar conclusões goela abaixo.

Em Aconteceu em Woodstock a história se repete: Lee usa artimanhas do cinemão americano apenas para trazer veracidade à trama.  A aura que cercou o evento é o mais importante para ele, fugindo de personagens que fiquem totalmente presos aos fios narrativos e muito menos romances que começam e terminam junto com o festival. Outra coisa que não deve se esperar na trama é à proporção que o festival tomou para o resto do mundo. A interessante visão de Lee registra o que foi a intensa maratona musical para uma família que vivia em um local pacato e que do dia pra noite recebem um sopro de vida e de liberdade gigantescos.

Interessante também é o lado que dá ao espectador a oportunidade de rotular o filme. Se ele é uma comédia, um drama, musical ou até mesmo um filme sem rótulos, cabe a você. Isso é bem explícito pela forma que o diretor domina a história, que por vezes pode até parecer magra e morna, mas deixa clara a intenção de fugir do que exatamente se espera de um filme sobre o festival mais lisérgico que se tem conhecimento. Essa escolha também amortece o impacto dos conflitos e afasta os personagens do espectador, conseqüentemente afastando o filme junto.

Os bastidores e a dificuldade de transformar o festival em realidade em tão pouco tempo ganham mais atenção que as atrações musicais que são lembradas apenas pelos nomes. Inevitável é falar das drogas ou da tão pregada liberdade, mas Lee é bastante econômico nesses assuntos. A anacronia narrativa totalmente subjetiva que rege Aconteceu em Woodstock rende uma espécie de gangorra de acertos erros, pois se a tendência de Lee é fazer um registro e afastar o espectador de clichês e previsibilidades, ele afasta o mesmo quando não o permite entrar de fato no filme e ser apenas um voyeur.

Aconteceu em Woodstock (Taking Woodstock, EUA, 2009) de Ang Lee

(500) DIAS COM ELA

 

Atualmente o subgênero batizado de “dramédia” - que segue narrativas dinâmicas com pequenas doses de drama - está em total ascensão e dezenas de filmes pipocam nos cinemas com qualidade duvidosa. O que o diretor de clipes Marc Webb faz de seu debut em (500) Dias com Ela é, em partes, subverter as intenções deste gênero, pois o diretor mantém a narrativa de fácil absorção, mas coloca dentro de um enredo romântico uma potência dramática em idéias que transformam o seu filme em uma antítese de como o filme é vendido.

Webb busca o denominador comum entre sentimentos alheios dentro de um texto aparentemente bem pessoal. É interessante ver o lado trágico se sobressaindo ao cômico dentro de um molde mais acessível. O cotidiano de Tom e Summer é fragmentado dentro destes quinhentos dias que dão nome ao filme, mas sem julgá-lo, todo risco e conseqüência vivida pelos protagonistas vêm sempre com a preocupação geral de manter uma equivalência entre o trágico e o ternurente.

É explícita a vontade abrangente de Webb para agradar um leque maior de pessoas quando torna seu texto mais defensivo junto com a ostentação de um estilo de vida que seus personagens adotam, que nada mais é que um espelho de seu público alvo. Mesmo com essa “jogada suja”, o filme tem forças suficientes para mergulhar numa fase crítica da vida de Tom, que é vivido por Joseph Gordon-Levitt com excelência e ao invés de procurar soluções para ele e muito menos fazer que o espectador se sinta aliviado por vê-lo superando obstáculos colocados pelas circunstâncias, Webb foca no o caos sentimental vivido por ele .
(500) Dias com Ela é sobre tempos difíceis e a resposta é que nada como um dia após o outro para superar os problemas, ou para arrumar novos, tudo vai depender de como você vê as coisas. Isso é o que Marc Webb faz questão de deixar bem claro.

(500) Dias com Ela ((500) Days of Summer, EUA, 2009) de Marc Webb

À PROCURA DE ERIC

 

O novo filme de Ken Loach segue duas linhas narrativas para situar o emocional de Eric, um carteiro à beira da aposentadoria, solteiro e que faz papel de pai para dois enteados. A primeira é sua relação com o passado e o trauma do fim de um relacionamento causado por uma espécie de auto-boicote. A outra é o embate com seus enteados que seguem um caminho nada agradável para quem os cria. As mazelas deixadas em Eric são desabrochadas em formas de diálogos com ninguém menos que Eric Cantona, famoso jogador francês que virou herói na Inglaterra por suas jogadas sensacionais no Manchester United. Cantona aparece em momentos de desespero, quando Eric precisa desabafar e quebrar barreiras, necessitando de uma “mãozinha” de seu imaginário para não se sentir ridículo.

Essa brincadeira com o nome do protagonista e do jogador serve para concretizar a dualidade na vida do carteiro, que infelizmente Ken Loach deixa de lado quando foca em uma dessas linhas narrativas. Sempre trabalhando em contrastes na fotografia para reforçar o estado emocional de Eric, Loach acaba desvirtuando sua trama que já fincava seu pé em um drama existencial com boas pitadas de humor – nada insólito, é verdade - para estudar conseqüências que remetem a Sweet Sixteen, outro filme do diretor, quando coloca em cheque a importância da família na construção do caráter de um jovem.

Nessa troca de foco, o ritmo felizmente não é alterado, mas o laço criado entre os dois personagens parece ser esquecido. Outra coisa nítida é a falta de tato do diretor para posicionar esses dois pólos sem que eles se confundam. Talvez uma divisão explícita em capítulos ou uma montagem mais fragmentada alimentaria tal idéia. Felizmente, Cantona volta na melhor seqüência do filme, talvez a única que consiga misturar os dois pólos de uma forma convincente, criando múltiplas emoções na platéia. Esta que mostra Loach seguro e sem se importar com fórmulas e mais interessado em acertar contas de forma áspera e deixa mais claro sobre o que o filme se trata.

 
À Procura de Eric (Looking For Eric, Inglaterra/França/Itália/Bélgica/Espanha, 2009) de Ken Loach

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