ATERRORIZADA


Dez anos após Os Fantasmas de Marte, John Carpenter resolveu voltar à cadeira de diretor. E mostra que não perdeu a majestade. Aterrorizada se passa em um centro psiquiátrico e acompanha Kristen (Amber Heard), jovem recentemente internada após atear fogo em uma casa sem motivo aparente.

Na relação de Kristen com as internas, Carpenter cria a atmosfera de suspense. Abstrata, a representação de cada personagem é mutante. Entre o ativismo e a total submissão ao tratamento, uma teia conspiratória ganha forças sobrenaturais para relatar o caos que a reabilitação implanta às pacientes. Carpenter não se atreve em posicioná-las como heroínas ou vilãs, dando força maior para o mistério.

Aterrorizada marca o retorno ao básico, longe das pretensões de criar ícones, e sim a de reunir o suprassumo das invenções que o terror passou nas últimas décadas, em especial a de setenta. A de unir o impacto imagético à crescente atmosfera de suspense sem gratuidade e ser visceral, à priori.

★★★★
Aterrorizada (The Ward, EUA, 2010) de John Carpenter

COMANDANTE TREHOLT E SUA TROPA DE NINJAS


Inspirado pelos filmes de samurais, Thomas Cappelen é direto em suas intenções em Comandante Treholt e sua Tropa de Ninjas: equivaler o tributo - que naturalmente leva ao humor pela escassez de estrutura técnica, levada à última potência neste caso - à narrativa frenética apoiada na idéia de um filme exploitation.

Baseado na verídica história de Arne Treholt, um diplomata norueguês que defendia o seu país através de um plano direitista pra lá de duvidoso, o longa subverte o subtexto político como alavanca narrativa - e a partir dai, revisa e  escracha condutas políticas com sequências de ação hilárias. E são nelas que Cappelen guarda a força maior para a representação de cada personagem.

Na duplicidade das atitudes de Treholt, o diretor não poupa críticas às tendências aparentemente pacifistas. Se o ideal é rico em intensidade, o engajamento logo satura seu formato - as piadas são incessantemente repetidas, atrapalhando o desenvolvimento da história, esta que, no último ato, volta aos bons momentos criados em seus primeiros minutos - idealizado como uma epítome do que há de melhor na ironia, utilizando a escória do mundo como inspiração.

★★★
Comandante Treholt e Sua Tropa de Ninjas  (Kommandør Treholt & ninjatroppen, Noruega, 2010) de Thomas Cappelen

A RAÇA VIOLENTA



O terror talvez seja o gênero menos egoísta do cinema. Faz-se o necessário para o filme confrontar o espectador; seus medos e reações ao que a tela exibe. O terror nada mais é que uma abordagem ao efeito do olhar. A Raça Violenta é um caso atípico. É um filme feito para ele. Naturalmente desdenha o espectador e o autor, no caso, os irmãos Butcher.

A Raça Violenta atrela o vazio à gratuidade das atrocidades - a construção de um mito - de uma gangue de motoqueiros do norte da Califórnia. A reviravolta - em todos os sentidos, incluindo a estética - acontece no meio do filme. Nela se justifica a idéia de egoísmo. De uma proposta inteiramente imagética e conceitualmente pobre, o longa ganha aura fantástica e engajada para questionar a intolerância e sua pungência nos dias de hoje.

Na cena mais interessante do filme - onde uma gangue de roqueiros tortura os motoqueiros para achar Michelle, uma garota possuída - os irmãos Butcher deixam claro o desdém pela humanidade e traçam nosso futuro com bastante pessimismo, remetente ao longa de Frank Darabont, O Nevoeiro. Apesar das intenções, A Raça Violenta é um filme que não traça nenhum tipo de diálogo com o espectador. Apenas tropeça e passa o restante de sua duração se corrigindo. E consegue.

★★★
A Raça Violenta (The Violent Kind, EUA, 2010) de The Butchers Brothers

SATANÁS TE ODEIA



O artíficio e seu reverso. Com esta base, Satanás te Odeia pode ser considerado um filme de terror cristão. O longa é inspirado em filmes religiosos da década 70 e os usa como fonte de deboche. Nele, a representação do mal ganha nova perspectiva com o pretexto de estabelecer uma relação do gênero – e o diabo como símbolo da dor – com a proposta do diretor James Felix.

Todas as características que identificam o gênero estão presentes: a artificialidade e exagero, o humor e principalmente a ousadia para realizar um filme de baixo orçamento. O longa acompanha paralelamente a história de Marc, um alcoólatra homicida e Wendy, garota que vive no mundo das drogas. Ambos são objetos de desejo de dois demônios – hilários, por sinal. Conforme a desgraça dos dois aumenta, James Felix aborda o lado espiritual da história sem esquecer do sangue e dos vômitos.

Bem ritmado até o último ato, o longa destoa de sua proposta narrativa no escorregão de levar o drama de seus protagonistas a sério. Neste momento, Felix deixa sua intenção explícita: pregar. Nem que seja na base da gozação e de forma ambígua. E dela, o diretor arranca uma das cenas finais mais inteligentes e simplistas dos últimos anos.

★★★
Satanás Te Odeia (Satan Hates You, Alemanha/EUA, 2010) de James Felix

VEJO VOCÊ NO PRÓXIMO VERÃO


O dito cinema independente americano, agora dono de um modelo de fácil identificação e reformulação para o mainstream, ainda suspira dentro de pequenas variações. Vejo Você no Próximo Verão, debut diretorial de Philip Seymour Hofman adota o subgênero para narrar a história de Jack (Hofman), motorista de limousines  que se prepara durante o outono para um encontro no verão com Connie (Amy Ryan).

Como a cartilha pede, os personagens – ambos integrantes da chamada  classe trabalhadora de Nova Iorque - são cercados pela derrota, dominados pelo pessimismo e reféns da passividade; o raciocínio é para realçar a idéia do fracasso de relações conjugais através do tempo. Hofman economiza na análise dos personagens e parte para ação; motivados pelo abstrato bem-estar, eles viram uma representação sociológica na busca do imediatismo. Pela silenciosa obsessão por atividades físicas ou pelo uso de drogas.

Com um roteiro irregular - escrito por Robert Glaudini, também roteirista da peça em que o longa é baseado -  Vejo Você no Próximo Verão tem seus momentos, principalmente quando resolve ironizar a previsibilidade do gênero. O encontro – a priori o foco da história -, aos poucos dá lugar à crise do casal coadjuvante, construindo sequências intensas e igualmente surreais, onde a música é fonte da força narrativa. Lamenta-se que esses momentos aconteçam apenas no último ato, e que todo seu resto seja apenas desgastado com o conto da expectativa para um encontro adaptado para um formato saturado.


Vejo Você No Próximo Verão (Jack Goes Boating, EUA, 2010) de Philip Seymour Hofman

CORAÇÕES PERDIDOS


Longe da autenticidade, Corações Perdidos é construído numa idéia utópica da bondade e sua imediata oposição. O diretor Jake Scott (De volta à direção após Plunkett e Macleane – Os Saqueadores, de 1999) elabora reações intrínsecas no choque de um casal em crise após o grande trauma de uma perda e uma prostituta ofegante, atrás de um suspiro de vida.

Os Rileys (James Gandolfini e Melissa Leo) estão mortos. Reagem instintivamente a dor de forma solitária, descontando em cigarros, síndromes e casos extraconjugais. Allison (Kristen Stewart) nada mais faz que representar o fundo do poço – ou um grito de socorro reverberado na vida do casal. Nesta relação, Scott opta por conflitos rasos, sugestivos à benevolência do espectador – para ambos os lados. O imediatismo na identificação dos Rileys e Allison se justifica à necessidade de um recomeço, mas em Corações Perdidos, a vida parece a mesma quando se está no céu ou no inferno. Existe concretismo em demasia nas intenções do diretor e nos diálogos não lapidados, que desembocam na infantilidade de Allison como melhor justificativa.

Com o choque do idealismo de Scott à temática dura e suja – representada muito bem pela casa da prostituta -, vemos um filme sem articulações, protagonizado por estereótipos, carregados com louvor por Gandolfini e Leo. Já Stewart mostra a mesma afetação que a consagrou na franquia Crepúsculo. Ficam no ar as boas intenções, principalmente as do primeiro ato, onde Scott acolhe o silêncio para apresentar seus personagens. Um filme truncado como um choro que há muito se espera, mas não tão dolorido quanto suas motivações.

★★
Corações Perdidos (Welcome to the Rileys, Reino Unido/EUA, 2010) de Jake Scott

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