BELLINI E O DEMÔNIO

bellini

Sai a estética noir de Bellini e a Esfinge, que enriquecia o visual das ruas paulistanas e colocava Bellini numa posição de um real detetive brasileiro com seu charmoso Fiat Uno. Entra a estética moderna, picotada e avulsa para mostrar um detetive atormentado e imerso na letargia em Bellini e o Demônio, filme que guia a aventura do detetive Remo Bellini, agora com a psique desviada, pelo misticismo. Na verdade o filme ameaça seguir a estética do primeiro filme em seus minutos iniciais, mas acaba se destrambelhando para outro caminho.

Se por um lado, o filme não consegue transparecer sensações em cenas que seriam tão óbvias para isso acontecer, Marcelo Galvão consegue retrair o espectador em sua poltrona quando tende a explícita tentativa de se aproximar do cinema de horror americano. A esfera policial do longa toma um novo rumo. Não deve ser esquecida por completo, afinal Bellini é um detetive, mas entre um drama de um homem que simplesmente não consegue trabalhar e o horror dos crimes que estão nas mãos dele, a tensão é grande, mas o apelo visual (sangue, animais mortos e etc.) e técnico (trilha sonora, montagem) para que isso aconteça é exacerbado. Entre suas dinâmicas cenas, a tensão dá lugar a reações dormentes no meio de tantas tentativas de criar um clima claustrofóbico.

Em certo momento, essa dormência parece perder alguma informação passada pelo filme, pois a relação entre os personagens e de Bellini com o seu caso é incompreensível. Um quebra-cabeça foi montado. Fábio Assunção joga a favor. Detalhes meramente bobos parecem virar sérios motivos para a catarse de Bellini. Sua índole é colocada em prova. Infelizmente já é tarde demais para o filme ganhar o ritmo necessário, mas consegue dar um grande respiro antes dos créditos finais.



Bellini e o Demônio (Idem, Brasil, 2008) de Marcelo Galvão

MATADORES DE VAMPIRAS LÉSBICAS



Edgar Wright fazendo escola. A temática mais sombria para se fazer comédia é o ponto de partida para Matadores de Vampiras Lésbicas, dirigido por Phil Claydon, que nos remete claramente à Todo Mundo Quase Morto de Wright, com o característico humor inglês, mas inserido numa trama que se força a ser como uma comédia para jovens americanos.

O uso do corpo feminino como manjar para os jovens Jimmy e Fletch é só uma das proximidades a comédias teenagers. E por elas que eles vão parar numa casa assombrada no meio de uma floresta durante as férias. E mal sabem eles por que estão no alvo das sensuais vampiras lésbicas. Algo que certamente é um atrativo e tanto para o filme, não pela beleza apenas, mas pela estética escolhida por Claydon. É um filme bem feito demais, com efeitos propositalmente trash, no limite para se inserir na proposta sem cair no ridículo.

As piadas também ficam no limite, com o timing perfeito para não ser exageradamente apelativas, pois apelativas quando se trata de um “pastelão-gore” elas sempre serão. Mas dividindo o filme nesses rótulos, o filme não chega a um bom resultado em nenhuma das duas, talvez pela exagerada dose de cada um deles, principalmente pela inexperiência mostrada por Claydon para domar seu elenco e a narrativa de seu filme.

Como diversão o filme serve muito bem, apesar de seu último ato ser exageradamente cansativo e por ser um filme de óbvia resolução, alongar suas amarras é uma idéia que só pode afastar o fio narrativo com a mente do espectador. Mas, se divertir é a palavra de ordem, as vampiras lésbicas servem e bem.

Matadores de Vampiras Lésbicas (Lesbian Vampire Killers, Inglaterra, 2009) de Phil Claydon

AMARGO


Diria que assistir ao novo longa de Hélcne Catett e Bruno Forzani, Amargo é uma experiência nova e interessante. É um filme que constrói sua narrativa pelo sistema sensorial de Ana, que em nenhum momento oferece informações maiores sobre sua vida. O som é o guia desta narrativa junto com a montagem “videoclipada”.

O trauma da infância, o desejo de liberdade adolescente, a libido e a busca de um caminho na vida adulta são colocadas de uma maneira que o corpo pode nos contar. O olhar, o suor, o ranger de dentes. A erotização do método está presente, afinal, era só uma questão de tempo. Diálogos são dispensados no filme. A linguagem corporal aliada a já citada montagem pode nos situar do estado emocional da protagonista, mesmo que ele possa parecer abstrato, em forma de delírio, com a ajuda do visual do longa.

Esta aventura experimental trás bons frutos, mas em certo momento, cai na mesmice. Esta mesmice era previsível, pois uma aposta como esta não tem muitos caminhos a seguir. O filme pede uma reviravolta estética ou ao menos em sua construção narrativa. Esta saturação do método acaba prejudicando o andamento do longa, pois ele não se preocupa em se aproximar da protagonista e muito menos revelar detalhes maiores em seu texto. Apenas um trauma, um grande trauma.


Amargo (Amer, Bélgica/França, 2009) Direção: Hélcne Catett e Bruno Forzani

ÁGUAS TURVAS

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Quando um diretor de cinema levanta um debate e sugere o julgamento para o espectador, ele também lembra que seremos julgados. Erik Poppe faz com maestria um intenso jogo de amor e ódio em Águas Turvas.

Thomas viu um pequeno garoto morrer em sua frente. Foi preso por assassinato. Foi solto por bom comportamento e busca redenção tocando órgão em uma igreja. Poppe faz ai a primeira alusão a julgamento. Lá, Thomas conhece a pastora e seu filho Jens com quem cria laços de amizade. Thomas é constantemente atormentado pelos fantasmas do passado, sejam impostos ou por acaso. Sua reação é sempre morna e a suspeita é uma conseqüência para a platéia.

Aparentemente acompanharemos uma história linear de superação, mas a ditadura hollywoodiana nos educou de uma forma que Poppe contorna, nos situando dentro de outra esfera: A da mãe do menino assassinado. A partir daí a montagem é picotada de forma mais explicita, mas não menos genial. É importante ressaltar a importância desta mudança, pois os sentimentos vão se alternando conforme as sugestões do diretor. Agnes, vivida pela brilhante Trine Dyrholm vive uma mulher traumatizada e que não se importa em passar por cima dos outros para se sentir segura, algo que não acontece desde a morte de seu filho. Estepes são usadas, situações constrangedoras são criadas por ela, mas nada a tira a dor. Neste núcleo, a construção funciona de maneira mais intensa.

A igreja é o palco do encontro para um desenrolar incrivelmente denso. O espectador não sabe quem é vilão e quem é mocinho. Se deve julgar ou ser julgado, o que é certo ou o que é errado. Crie suas respostas após os créditos finais.

Águas Turvas (De Usynlige, Noruega, 2008) de Erik Poppe

VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO

Guiado pela voz-off de Irandhir Santos, os diretores Marcelo Gomes e Karim Aïnouz constroem Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo de uma maneira peculiar. Sob a linguagem documental, o filme registra a viagem de José Renato à trabalho contornados por palavras que o torna um bucólico road movie de um homem com saudades de casa e da esposa.

O narrador aqui é o personagem principal. As imagens servem para não nos guiarmos pelo nosso imaginário, apesar desta sugestão funcionar durante o filme. Os dias para José parecem durar uma eternidade. A estrada parece igual, a paisagem não muda e carros raramente passam ao seu lado. Ele está ali para avaliar o possível percurso de um canal para desviar o único rio caudaloso do sertão nordestino. As necessidades de José aumentam a cada dia e a busca por um novo rumo parece dominá-lo. As pessoas que vemos na tela tem caráter enigmático pois elas não guiam a história.

A angustiante jornada de José Renato é documentada através de fotos e imagens, às vezes abstratas e outras, belíssimas, aguçando a poesia desta viagem, até o momento que o filme toma um novo rumo. A construção é menos experimental e assim a viagem é mais detalhada e um novo discurso é apossado pelo narrador. Justamente ai o filme perde ritmo e força, pois todo o estado de espírito construído até então é tomado por resoluções simples ou até mesmo urgentes.


Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (Idem, Brasil, 2009) Direção: Marcelo Gomes e Karim Aïnouz

ABRAÇOS PARTIDOS


Pedro Almodóvar é daqueles diretores que é carregado por suas características construídas através do tempo. Não digo apenas pela excentricidade nos figurinos ou nos cenários, mas por também levar em seus roteiros alusões e ilusões dentro de uma comédia escrachada até mesmo de um denso drama. 

 Em Abraços Partidos, o diretor busca uma mudança desta fórmula se aproximando mais de um cinema como o de Alfred Hitchcock. Explico. O novo filme de Almodóvar é sim um drama, sobre uma mulher que colhe conseqüências de uma escolha radical para preservar a vida de seu pai, mas junto com esse drama, a carga de suspense, ou como chamamos hoje, do thriller é intensa. Vemos uma história de interesses financeiros e sentimentais, junto com a aposta naquele atraso para o imaginário virar fato, criado pelo diretor de Psicose, que também é lembrado em enquadramentos e movimentos de câmera.

Acompanhamos a história de Harry Caine, um roteirista cego, que vive aos cuidados de sua agente Judit e Diego, um DJ que sonha em fazer seu primeiro filme. Um pseudo documentarista chamado “Raio X” bate em sua porta pedindo ajuda para um roteiro. Voltamos 14 anos no tempo para acompanhar a história de Magdalena, uma secretária que vê seu pai perder a batalha contra o câncer. 

Quando pode, faz programas para aumentar sua renda. Seu patrão, o milionário Ernesto Martel é apaixonado por ela e pode ajudá-la. Sem muitas escolhas, ela acaba encarcerada as vontades do magnata. O diretor de cinema Mateo Blanco escala Magdalena para o elenco de seu novo filme, criando uma intriga entre o diretor e Ernesto. Afinal, quando Harry Caine, Raio X, Judit e Diego entram nessa história? Almodóvar insere aos poucos informações importantes sobre cada um para pontuar a parcela de culpa ou importância nessa história, logicamente intrigando o espectador sobre a natureza de cada personagem. O centro é sim a personagem de Penélope Cruz, mas por interesses alheios, a vida da secretária é uma tragédia anunciada.

Mas quando tudo parece ser resolvido, com os “pingos nos is”, o público espera apenas pelas conseqüências, o que acompanhamos é uma história de superação e perdão. Enquanto a história é remontada, literalmente e em forma metafórica pelo diretor, vemos Harry Caine se libertar de seus fantasmas, de amarguras de um amor perdido. Seria um exagero dizer que Almodóvar largou mão de suas marcas autorais, mas é perceptível que o diretor escolheu contar esta história de maneira menos folclórica e mais séria, “classuda”. Não é uma questão de ser melhor ou pior, pois a qualidade do cinema feito pelo diretor espanhol é indiscutível,  mas a escolha é acertada. Abraços Partidos é um ótimo filme.

Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009) de Pedro Almodóvar

LAKE TAHOE


Com takes estáticos, Fernando Eimbcke pontua sentimentos expostos por moradores de um local tão estático como os seus planos em Lake Tahoe. Apesar do nome, o filme se passa no pequeno vilarejo de Yucatán, no México, abençoado por um belo céu azul e de arquitetura excêntrica, mas bucólico pela apatia vista nos rostos de seus moradores.

Após bater o carro em um poste, o garoto Juan vai atrás de alguma oficina que o ajude a reparar o veículo. Em pouco tempo, Juan é inserido em um grau de intimidade tão grande na vida dessas pessoas que a insegurança e constrangimento gerado o afasta de qualquer chance de ver o seu carro arrumado.

Para facilitar colagens artesanais das cenas, Fernando acaba saturando um só método de corte, utilizando lombadas com o som como o único elemento cênico. Claramente bebendo na fonte de Jim Jarmusch, ele demora em formar suas idéias, mas aos poucos solta sua câmera e com ela, um envolvimento maior com os habitantes deste vilarejo, sem deixar de coloca-los dentro de molduras .

Eles não parecem ter posse de nada, nem de suas vidas. Tudo pode ser doado ou emprestado. Seja pela carência afetiva ou desprendimento, o que eles fazem com Juan é levá-lo a refletir sobre sua passividade referente a decepções e perdas em sua vida. Para ele, que mora tão perto, sua realidade parece ser distante, apesar de manter características tão próximas, como a apatia. Após a perda do pai, Juan vê a mãe vegetar e o irmão acampar sozinho no quintal de casa. Esse amor cedido o leva a lugares que a entrega para o tempo haviam apagado.

Todos tentam ali de alguma forma se livrar do marasmo; seja com a religião, com o punk rock ou até mesmo com artes marciais para a fuga de ver a vida passar de maneira conformista. A metáfora de “Lake Tahoe” deixa isso mais claro, mostrando que existe um sonho, uma vontade de mudar, de aproveitar uma chance. E chegou a hora de Juan.

 
Lake Tahoe (Idem, México/Japão/EUA, 2008) de Fernando Eimbcke

Indie: GUIDABLE - A VERDADEIRA HISTÓRIA DO RATOS DE PORÃO

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O Ratos de Porão é uma instituição do hardcore (subgênero musical oriundo do punk rock). São quase 30 anos de carreira, incontáveis turnês pelo mundo e pouco reconhecimento em seu país natal. Por sorte temos diretores como Fernando Rick e Marcelo Appezzato que dão a cara à tapa e registram a história desta grande banda em Guidable – A Verdadeira História do Ratos de Porão. “Guidable” é um termo inventando pela própria banda e que na verdade não quer dizer absolutamente nada.

O filme acompanha os bastidores da banda, desde quando Jão cantava e Betinho tocava em uma bateria feita por latas de lixo. Em comum, eles tinham o amor pelo punk rock e a falta de conhecimento musical. Entre mágoas, brigas e ignorância, o Ratos de Porão destruía o que via pela frente, incluindo as próprias vidas. As drogas acompanharam a banda e é um assunto tratado sem pudor. Aliás, pudor é uma palavra desconhecida em Guidable. A sinceridade transborda em diversos depoimentos, servindo mais uma vez como catalisador de sentimentos referentes à banda.

Enquanto se afundavam nas drogas, o grupo escrevia uma história de amizade com o Sepultura e de respeito na cena metal, fazendo o que chamam de crossover - mistura de metal e hardcore – sendo acusados de trair o movimento punk. Detalhes de gravações e das incontáveis trocas de baixista são cobertos de nostalgia, mas sem esquecer o característico sarcasmo em nenhum momento. Sarcasmo este que guiou apresentações da banda em programas de TV apresentados por Gugu e Angélica.

Mesmo se estendendo um pouco em seus minutos finais, Guidable é um merecido registro para uma das bandas mais importantes do país, este que só está acostumado a dar valor quando a banda termina ou quando algum integrante morre. Este documentário vem no momento certo para homenagear a banda que neste momento está em mais uma turnê pela Europa, longe do mercado fonográfico brasileiro, longe da TV e nunca esteve tão estável como hoje.


Guidable - A Verdadeira História do Rato de Porão (Idem, Brasil, 2009) de Fernando Rick e Marcelo Appezzato

Indie: RUÍDO DAS MINAS - A ORIGEM DO HEAVY METAL EM BELO HORIZONTE



Idealizado como um projeto final para a faculdade, o documentário de Filipe Sartoreto alçou vôos maiores. Em um momento que documentários musicais estão em ascensão e registram bons números nas bilheterias, o metal não ficaria de fora e em Ruído das Minas vemos porque Belo Horizonte é considerada o berço do gênero no Brasil.

O filme conta como bandas do porte de Sepultura, Overdose e Sarcófago ganharam reconhecimento dentro de fora do país por quem viveu intensamente os primórdios do metal em Belo Horizonte. A cena mineira sempre foi cercada de polêmicas e embates egocêntricos que mesmo com o sucesso regional, lotando casas de shows, mantinha a certeza que “união” não era uma palavra adequada para definir o circuito roqueiro de minas.

Com o surgimento da gravadora Cogumelo e com a explosão do Sepultura no exterior, a imaturidade foi abandonada. O misticismo não é esquecido, mas fica em segundo plano para ser substituído pelo profissionalismo e abrir as portas para uma carreira bem sucedida, que segundo muito deles, o próprio Sepultura fechou.

Seja com duras críticas ou elogios apaixonados, o valor do Sepultura não é esquecido. Max Cavalera sempre teve ideais e pretensões maiores que apenas tocar som pesado, ficar bêbado e sair com garotas. Ele buscava o que acontecia lá fora e mantinha um intenso contato com fãs de metal de outros continentes, fora seu interesse por outros estilos musicais.

Mas é importante lembrar que Ruído das Minas é um projeto experimental. Ele tem falhas e limitações. Algumas explícitas, outras não, mas que ficam dormentes quando batem de frente com o conteúdo do filme, porém a qualidade técnica acaba atrapalhando o desenvolvimento das emoções do espectador sugeridas pelo filme.

Ruído das Minas - A Origem do Heavy Metal em Belo Horizonte (Idem, Brasil, 2009) de Filipe Sartoreto

Indie: CONFUSÕES EM FAMÍLIA



Discutir uma família disfuncional que se esconde atrás de um jardim bem cuidado, uma casa grande e um carro bonito não é uma grande novidade para o cinema americano, mas o diretor Raymond De Felitta coloca doses cavalares de humor sem um pessimismo habitual de filmes deste segmento, mas sem deixar o deboche de lado para pontuar a hipocrisia do american way of life em City Island.

Todos da família Rizzo guardam segredos que guiam suas vidas. A hora do almoço é a hora de escondê-las em forma de violência verbal ou deboche da vida alheia. Mas quando Tony aparece na casa através de um plano infalível do pai Vince Rizzo para consertar um erro do passado, o rapaz é usado como catalisador para esta tragédia anunciada em forma de familia expelir suas fraquezas. A partir daí o diretor questiona o que chamamos de instituição familiar e seus valores, proporcionando cenas memoráveis e hilárias, seguindo uma narrativa dinâmica para desvendar o segredo de cada um daquela casa.

City Island está longe da inovação; Faz o óbvio, que é criticar e passar a lição de moral básica, mas a estrutura oitentista de um texto logicamente contemporâneo talvez seja o grande trunfo do filme de Fellita. A larapia americana para manter a pose de quem está por cima, para poder dar ordens e não obedecer a ninguém, mesmo que na verdade esteja vivendo no esgoto, no lixo. Seja financeiramente, seja no ego ou por seguir escolhas completamente insanas para manter esta posição.

O alerta já foi feito antes por outros diretores como Todd Solondz ou Sam Mendes, agora Felitta entra para essa lista de quem leva a função social de criticar a sociedade americana de maneira ácida sem parecer gratuito  e levando a utilidade em seu propósito.

Confusões em Família (City Island, EUA, 2009) de Raymond De Felitta

Indie: DUAS SENHORAS


Esther e Halima vivem em duas realidades opostas. Esther é judia, paraplégica, infeliz e solitária. Halima é dona de casa, muçulmana tem uma família estruturada apesar de suas pequenas ramificações causada pela religião. Se a religião pode causar alarde dentro de uma família, quando as duas senhoras se encontram, a explosão de valores e doutrinas religiosas seria o óbvio.

Quando Halima vai trabalhar na casa de Esther a pedido de sua filha, Philippe Faucon faz o paralelo do abismo que existe entre as religiões que são etnocêntricas, mas que as relações podem ir além quando existe respeito, numa clara forma de pregar a paz entre judeus e muçulmanos entre diálogos relevantes e conversas cotidianas, dando a impressão de irregularidade no texto.

De forma subjetiva, Faucon pontua a importância dessa aproximação, que aos poucos vai ficando mais explícita entre os incansáveis cortes secos, fazendo que o filme perca seu ritmo rápido, também por evitar uso de elementos cinematográficos sem que eles sejam justificados pelo roteiro, este que segue a obviedade para construir o previsível embate religioso entre Esther e Halima.

É importante retratar este abismo e a sugestão é válida, mas a construção do longa deixa a desejar, fazendo que os setenta e três minutos de filme pareçam duas horas.

Duas Senhoras (Dans La Vie, França, 2007) de Philippe Faucon

BORBOLETAS NEGRAS


Paula van der Oest (Zus & Zo) tentou entronizar de todas as maneiras a poetisa Ingrid Jonker - conhecida pela leitura de seu poema “Die Kind (The Child)” por Nelson Mandela na abertura do parlamento democrático em 1994 – como pilar do engajamento político e social em Borboletas Negras, mas seu olhar preponderantemente romântico trilha rumos opostos à proposta inicial.
Der Oest retrata a vida adulta da poetisa passada na Cidade do Cabo durante o Apartheid e potencializando sua tendência autodestrutiva alimentada por uma intensa relação com seu pai, um famoso escritor direitista, no qual travou explosivas batalhas egocêntricas e políticas.

Jonker teve a vida passada intensamente consumida à margem de um trágico fim. Mãe distante, que abortava qualquer chance de construir uma carreira, ela precisava de amparo – necessidade amplificada após testemunhar um brutal assassinato de uma criança – e melhor ilustrada na relação inconstante com o também escritor Jan.

Portanto, as motivações pessoais levaram Jonker a explorar o lado subversivo e ativista como um reflexo natural de seus traumas, não por engajamento político ou missão de vida. Esta idéia se reflete na direção de der Oest, que nunca toma a figura da protagonista para si. Ameaça diversas vezes utilizar a câmera subjetiva, mas prefere localizar-se ao lado da personagem interpretada por Carice Von Houten. E por envernizar todos os nuances conflituosos do filme, Borboletas Negras inevitavelmente anula a pungência e se consolida como um filme agridoce.

★★★
Borboletas Negras (Black Butterflies, Holanda/Alemanha/África do Sul, 2011) de Paula van der Oest

Indie: RE:BOARD



Dirigido por Alexandre “Sesper” Cruz, Re:Board conta a história da arte de shapes de skate no Brasil. Sesper é artista plástico, músico - e claro, skatista - e une de forma coesa essas influências para contar como esses artistas ganham a vida em um mercado tão difícil. Acompanhamos a evolução do mercado, das tendências e das novas formas de se fazer arte nos skates.


O experimentalismo é presente a todo o momento na cosntrução do filme. Também, não poderia ser diferente, vindo de um artista plástico. Este é um ponto positivo, pois foge da mesmice estética de documentários deste segmento e faz de suas imagens uma obra quase minimalista.

Logicamente, Re:Board é um filme para um público específico. Pintores, skatistas, grafiteiros e quem aprecia o esporte podem apostar no filme sem medo. Mas se você não se encaixa em nenhuma dessas alternativas, é tédio garantido. Há não ser que a trilha sonora – na maioria mais alta que os depoimentos – o mantenha acordado.

Re:Board (Idem, Brasil, 2009) de Alexandre Sesper Cruz

Indie: 4000 EUROS


Uma mulher tem algumas horas para conseguir 4000 euros ou seu irmão será assassinado. Esta pequena sinopse pode nos remeter à Corra, Lola, Corra de Tom Tykwer, sugerindo uma reflexão sobre essa pressa contemporânea e o eterno problema das drogas. Para estruturar seus personagens e dilemas, o diretor Richard Jordan usa uma narrativa mais introspectiva e menos policial como de esperado.

Jordan prefere subir rápido a ladeira quando apresenta Sara, uma mulher aparentemente tranqüila, estagnada em suas decisões, até seu irmão bater em sua porta, ensangüentado e uma dívida aparentemente impossível de ser liquidada em tão pouco tempo. O que vemos a partir daí, é uma história de degradação. Sara é obrigada a enfrentar os fantasmas de seu passado, chegando no limite psicológico para se colocar como escudo de seu irmão, que está sempre numa posição fragilizada, desfavorecida.

Seja vendo parentes distantes ou enrolando sua patroa, Sara parece driblar a hipocrisia de um discurso meloso para apostar em uma mentira que somente ela colherá os frutos para proteger seu irmão, que está ali apenas por interesse. Mesmo com a necessidade de um pouco mais de ação – não de tiros ou coisas do tipo – ou dinamismo, a trama nos impões perguntas sobre relacionamento familiar, vício, sonhos e antes de qualquer coisa, amizade.

4000 Euros (Idem, Espanha, 2008) de Richard Jordan

Indie: ESCÓRIA


Holanda, um país conhecido por se opor a idéias reacionárias, prezando pela liberdade de expressão e de escolha e um crescimento democrático; Ótimo seria se os jovens não procurassem o que é ilícito para viver no limite, mesmo em um país como este. O diretor Heinrich Dahms constrói de forma diferente dois pólos extremos, vividos por jovens holandeses em Escória.

No núcleo “junkie”, tecnicamente o diretor acerta em planos seqüência com câmera na mão, fotografia densa e algumas tentativas de se aproximar à Doug Liman em Vamos Nessa. Os personagens são, no fim das contas, retrógrados, colocam a culpa de suas vidas vazias nos turcos ou nos marroquinos, gastam o tempo com drogas e confusões. Já Hassan, um garoto descendente de marroquinos, é o guia do outro pólo do filme de Dahms. Hassan foi aceito em uma faculdade, mas vive o dilema de seguir um novo rumo ou manter a tradição da família. Neste núcleo, Dahms prefere a sobriedade em todos os aspectos técnicos.
O que acontece em Escória é uma interminável extensão do primeiro ato, com uma proposta completamente rasa, trocando o debate pautado na xenofobia pelo gratuito uso de drogas ou brigas. Se por um lado este vazio pode ser retratado com tamanha veracidade, a chance de criar uma história envolvente é deixada de lado.

Os caminhos inevitavelmente se cruzariam, algo que é ensaiado desde o início do filme, mas nada poderia ser tão banal como Heinrich constrói este encontro, ainda apostando numa fórmula saturada nos primeiros minutos de filme. Apesar de tudo,  Escória tem um bom potencial técnico, mas a urgência por um texto mais profundo pulsa por todo o filme.

 
Escória (Schoft, Holanda, 2009) Direção: Heinrich Dahms

Indie: AO PÉ DA ÁRVORE


 Antes da sessão começar, o diretor Ricky Shane Reid esteve presente e disse que Ao Pé da Árvore era sua primeira aventura no cinema. Nunca havia feito um curta ou vídeo antes e que com a ajuda da tecnologia e de sua família – o elenco é composto pelo irmão e pela esposa de Shane -, pôde apostar de primeira em um longa-metragem.

Shane Reid mostra ter boa vontade e bom gosto para ter uma carreira bem sucedida, mas seu primeiro filme ainda transparece sua inexperiência de maneira exacerbada. Ao Pé da Árvore parece uma versão alternativa de Paranoid Park, de Gus Van Sant. É certo que Van Sant é um diretor experiente para ser objetivo, subjetivo, delicado e ousado em um só filme. Shane Reide tenta o mesmo. Pontua em seqüências subjetivas o emocional de Alfie, um garoto que vive o remorso e o peso de um crime cometido por vingança.

Para construir a narrativa, Shane repete seqüências com pequenos adendos a cada nova inserção delas na tela, para aumentar sorrateiramente o suspense, mas o que é exaltado nessa estrutura é a preguiçosa e cansativa montagem. A inexperiência técnica e algumas infelizes apostas podem passar em branco, mas quando interfere no ritmo do filme é difícil manter a imunidade da platéia.

Alfie não é estudado a fundo. Não há um sentimento claustrofóbico ou até mesmo de empatia pelo personagem, pois a já citada montagem destrói essa chance. Ela não é linear para não parecer óbvia, mas neste caso a estrutura mais simples parece a melhor saída para Shane situar seus personagens e também a trama de uma maneira mais interessante.


Ao Pé da Árvore (At the Foot of a Tree, Inglaterra, 2008) de Ricky Shane Reid

Indie: GIGANTE


Seria ordinário demais se o diretor Adrián Biniez construísse a história de Jara - um homem que está aquém dos padrões de beleza e econômicos para ser considerado bem sucedido – com a trilha sonora adocicada e diálogos pincelados pela emoção para pontuar o romance no texto de Gigante.

Pois Jara é um homem dormente a tudo que acontece ao seu redor. Parece não se importar em viver intensamente o tédio da rotina e do seu emprego de segurança em um supermercado durante a madrugada. Lá, ele tem a companhia do rock n roll, de sanduíches e dos corredores do mercado, transmitidos através de uma tela de TV. Biniez tem a noção ideal para passar a desgastante rotina de Jara de uma forma convincente para ligar através da identificação da platéia. Por outro lado, Jara parece inerente à seu tédio, o público, não.
O segurança não é gigante apenas pelo seu porte físico, mas por ser imune a toda repressão de um sistema social impregnado pelas ruas de Montevidéu. Lá, nas ruas da cidade, ele cria uma nova rotina, guiada pelo seu amor tem pela faxineira do supermercado.

O filme ensaia inserções de humor em momentos oportunos, mas prefere seguir um novo caminho. Caminho este que afasta o envolvimento de seus personagens com a platéia e não foge da previsibilidade e da redundância nas apostas narrativas. Mesmo assim, o ator Horacio Camandule transparece um homem que tem sede de viver, incrustado no corpo de um homem reprimido por valores morais e sociais.

Gigante (Idem, Uruguai/Argentina/Espanha/Alemanha, 2009) de Adrián Biniez

Indie: TOKYO!




Luzes, barulho, carros e muita gente num mesmo lugar. Provavelmente é o que lembramos quando pensamos em Tóquio, mas os diretores Michel Gondry, Leos Carax e Boong Joon-Ho, divididos em três segmentos, preferem deixar as características do local em priori do subtexto neste tributo à cidade japonesa.

“Desenho de Interiores” de Michel Gondry mostra como é difícil viver da arte em qualquer lugar do mundo, principalmente numa cidade com uma urgência econômica tão grande como Tóquio, sem esquecer-se do “apertamento” onde os japoneses vivem e a questão óbvia de como ser notado num local tão lotadao sem deixar de ser “Gondry” por um segundo. Metáforas começam a pipocar a partir da segunda metade do filme de maneira genial, como uma forma de escape para uma vida morna, porém financeiramente estável.

“Merde” de Leos Carax usa a cidade como pano de fundo para mostrar que todo humano tem o seu lado irracional a flor da pele, basta uma ação para a reação aparecer nesta forma. Mas o foco maior da trama é a ácida crítica à forma como os Estados Unidos tratam seus imigrantes e a interminável paranóia após os ataques de 11/09. É hilária a maneira como Carax constrói estas críticas, sem medir palavras e ações, mas acaba fugindo da proposta inicial do filme.

Mas Boong Joon-Ho faz de “Shaking Tokyo” uma pequena pérola. O diretor levanta um sentimento comum de todos que vivem em grandes metrópoles: Estar sozinho no meio de uma multidão e o latente desejo de se isolar, o que o personagem (sem nome) deste  segmento faz por 10 anos para se refugiar do caos.  Joon-Ho insere uma história de amor para ressaltar a fuga, mas também lembra que não se vive sozinho, principalmente quando os terríveis terremotos assolam Tóquio.

A cidade ganha seu tributo de maneira incrível, principalmente por Joon-Ho e Gondry, que sem perder suas características de como se fazer cinema, não saem da proposta inicial do filme, algo que Carax parece ter esquecido, apesar de nos brindar com uma trama hilária.

Tokyo! (Idem, Japão/França/Alemanha/Coréia do Sul, 2008) de Michel Gondry, Leos Carax e Boong Joon-Ho

Indie: O BARULHO NA CABEÇA




Laura, 30 anos, visivelmente em crise, apesar do sorriso no rosto e a postura de uma mulher vencedora. Para superar seu recém terminado relacionamento, ela convida Simon, um garoto de 18 anos que ela nunca tinha visto antes para morar com ela. Para superar a demissão no trabalho, coloca o garoto para trabalhar com seu ex-namorado.

A personagem vivida por Celine Bolomey leva ao pé da letra a frase “complicar para descomplicar”. Ela não parece se importar muito com as conseqüências de seus atos e eleva o drama em momentos apropriados para ficar na posição de vítima, principalmente quando o destino bate em sua porta. Para ela, sempre será mais uma chance de apoiar em alguém para sair de uma enrascada.

Esse tal “barulho na cabeça” nada mais é que frases não ditas ou gestos reprimidos com  moradia intensa na mente da protagonista. Seja na agência de emprego ou conversando com o tio de Simon, Laura mostra suas fraquezas, apenas para nós, voyeurs espectadores; para os três homens que ela calculadamente tem uma relação não definida, ela tem diversas posturas, mudando de comportamento de acordo com a ocasião.

A contemporaneidade da personagem de Bolomey é impressionante. Cada vez mais nos deixamos levar pela decisão de outras pessoas, sem confiar na nossa solução, mesmo que mais tarde, inconseqüentemente, atropelamos o “outro” para impor nossa vontade. É preciso enxergar a todos no mesmo patamar e com o mesmo respeito. Laura faz isso apenas quando é oportuno. A seqüência final do longa pontua isso de forma sensata. Toda a frieza de Laura, mesmo com todo esse “barulho”.


O Barulho na Cabeça(Du Bruit Dans La Tetê, França, 2008) Direção: Vincent Pluss

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