O ABISMO PRATEADO


 A livre adaptação da canção “Olhos nos Olhos” de Chico Buarque por Karim Aïnouz batizada de O Abismo Prateado pode ser dividida em duas partes: na primeira, a câmera está para o caos de Copacabana; os atores estão para a câmera. O desenho que o dispositivo faz, mesmo em planos fechados, representa o caos no entorno de Violeta (Alessandra Negrini), dentista abandonada por seu marido através de uma mensagem de voz. A segunda, mais contemplativa e de planos abertos com representações personificadas, consolida o futuro da protagonista.

O Abismo Prateado pontua o sufoco que o caos urbano nos traz. Em cada vida, um mundo cheio de complexidades e ao redor, barulho, sujeira e desorganização. Na calada da noite – ponto de virada do filme –, Violeta parece ressurgir; a realidade alheia instiga o desbravamento de sua própria força. As palavras, para ela, pesam o dobro. O sofrimento chegou ao ápice rapidamente.

Ainouz mostra como domina seu ofício; cria alusões imagéticas a todo o momento sobre o desespero de Violeta e a vida corriqueira, urgente e que necessita de atenção redobrada, pois a plenitude não está no que é palpável. Para Violeta, agora uma transeunte à procura de sua identidade, restam as canções e memórias.

 
O Abismo Prateado (Idem, Brasil, 2011) de Karim Aïnouz

DOMÉSTICA


Registrado através de câmeras entregues aos "patrões", Doméstica, documentário dirigido por Gabriel Mascaro antes de qualquer coisa questiona: “quem é o dono da casa?”. Afinal, nem de seu próprio filme Gabriel tem a rédea para chegar ao produto final. A edição serve como costura de raciocínios, mas através de um campo traçado por quem se interessou somente em registrar o cotidiano de mulheres que trabalham com afazeres domésticos em diversos estados brasileiros.

De imediata referência ao comando e responsabilidade dessas mulheres sob a vida de seus “chefes”, a escolha de filmar a rotina de seus personagens através da ótica do patrão é sensata e justifica momentos de extrema aproximação ou discursos tortos em relação aos direitos dos empregados - estudo antropológico e análise social cristalina.

Ao contrário de Um Lugar ao Sol, primeiro filme de Mascaro, Doméstica não busca estudar um segmento e sim a forma abstrata das relações humanas sem, ao menos de forma proposital, citar o abismo social que separa a suíte dos patrões e os aposentos das domésticas. E assim dá-se o campo para a relação do tempo, como a doméstica que dá um emprego a outra doméstica em sua casa, ou a patroa que é amiga de infância da empregada. Onde termina a fronteira da profissão?

É curioso ver o caminho que o filme toma lentamente.  Mesmo que elas comecem e terminem como domésticas, em nenhum momento são vistas por esta ótica e sim estão inseridas em um turbilhão feito de emoção, diferenças e saudades.

Doméstica (Idem, Brasil, 2012) de Gabriel Mascaro

GINGER & ROSA



Nascer durante a guerra. Amadurecer em meio ao caos. Posicionado como um filme sobre ideais no prólogo e desenvolvido como um conto de amor – em diversos aspectos nos minutos restantes, Ginger & Rosa vai além do raio-x de uma geração. Longe da superficialidade que os minutos iniciais sugerem através de uma amizade utópica e escada para um conflito maior posteriormente, a história das meninas que batizam o filme, vividas por Elle Fanning e Alice Englert, respectivamente, traça visões diferentes sobre palavras importantes para qualquer tipo de revolução, como “engajamento” e “compromisso”.

Na posição de transformar palavras-chave em representações, o filme dirigido por Sally Potter se sai muito bem. O senso de unidade é presente mesmo com personagens de filosofias tão distintas. O longa constrói um retrato digno das discrepâncias sociais pós-guerra e de jogos rasteiros a partir do conflito que política e assuntos passionais provocam.

Com nuances que justificam sua acessibilidade – e consequentemente a postura comercial, Ginger & Rosa tem momentos de mudança de ótica em favor do lado passional e das vendas de ingresso, mas o que floresce no filme de Potter é o paralelo entre a turbulenta fase de descobrimento e o momento de opressão vivida por boa parte dos países da Europa na época retratada.

 
Ginger & Rosa (Idem, Reino Unido, Dinamarca, Croácia, Canadá, 2012) de Sally Potter

Entrevista: José Mojica Marins

José Mojica Marins dirigiu mais de trinta longas-metragens sem ajuda financeira. Grande parte do público brasileiro o conhece por suas unhas compridas e aparições cômicas encarnando o personagem que o consagrou, sem saber que Mojica foi vítima de uma censura política e econômica durante sua carreira.

Neste ano, o cineasta, ator e roteirista completou 77 anos de idade e 50 anos do coveiro Josefel Zanatas, o conhecido e temido Zé do Caixão. Na última sexta-feira Santa, prestes a começar sua turnê de workshop no Brasil, passei algumas horas com o gênio do terror brasileiro. Enquanto tomava uma caipiroska, Mojica relembrou as dificuldades que enfrentou na época da ditadura militar, deu suas considerações sobre a cena de terror brasileira atual e comentou sobre suas paixões, lamentos e projetos futuros.
José Mojica Marins como Zé do Caixão
Quando seus primeiros filmes saíram, logo ganharam crítica positivas de realizadores como Glauber Rocha e Rogério Sganzerla. Existe alguma explicação para essa falta de reconhecimento das suas obras no Brasil?
Primeiramente, eu fui um dos elementos presos na época da ditadura. Fui preso, fui torturado. Mas não tiraram, realmente, isso da minha cabeça. Chegaram a pensar em acabar comigo, me matar. Aí chegou o Glauber Rocha, Julio Bressane, Rogério Sganzerla e disseram "Zé, sai do país que eles vão te matar". Eles disseram: "Aqui não tem jeito, eles vão ver você como um perigo nacional". Este ano estou completando 50 anos do personagem Zé do Caixão. De repente, passei a ser respeitado em todos os cantos. Mas eu tive uma sorte muito grande, quando eles, o Glauber, o Rogério e o Bressane, falaram para sair do país, fugir. Eu parei para pensar: quem comandava era o exército. Então eu fui num baile do exército. Fui e comecei a procurar uma mulher, filha de um general, para fazer o papel em um filme meu.

Era uma época complicada e escolher uma mulher para fazer um papel não era fácil. Eu acabei arrumando uma menina que me ajudou muito, mas foi graças à filha do general, que o pessoal não sabe, eu acabei não sendo preso. O pessoal vinha pra me levar mesmo, pra acabar comigo. Mas aí ela ligava para o pai, o general, e ele falava: "não mexa nesse homem". Foi muito grave, eles me torturaram, chegaram a prender minha mãe. Eu cheguei a escutar os gritos dela e fiquei apavorado. Eu fui perseguido justamente por ser inteligente. A verdade é que era proibido ser inteligente no Brasil. Mas ela me ajudou muito, eu sobrevivi por muito tempo graças ao meu namoro com a filha do general. Deu pra ficar aqui, sem sair do país.

Como foi fazer cinema em uma época que a repressão ao trabalho artístico e criativo era tão grande?
Tínhamos aqui uma ditadura terrível que em tudo ela via que eu era um homem com muita fuça e que poderia formar um grupo, uma quadrilha. Eu fui o homem mais perseguido. O Despertar da besta ficou 20 anos preso... Se esta fita sai na época hoje eu seria um milionário. Ficou 20 anos presa e eu não vi nada de absurdo nela. Veio até o esquadrão da morte, que era pra me matar e acabar comigo mesmo. Mas acabaram meus amigos e até participando do filme.

Como era o estúdio?

Meu estúdio era numa sinagoga espírita, lá eu deixava soltarem os ratos à vontade, escorpião, aranha, as mulheres gritavam...Era muito legal. As pessoas diziam "Você está entrando em um terreno proibido”.

O senhor alugou o espaço justamente por ser uma sinagoga?

Era uma sinagoga, fechou e eu aluguei. Eu mantive algumas coisas, eles forneciam todo ano um almoço para os indigentes, para 1500 pessoas. Na época eu ganhava muito bem, tinha um salário bom, então mantive e auxiliei realmente quem precisava. Depois chegou uma época que não deu mais. Era um projeto social que surgiu espontaneamente.

Nos anos 90, realizadores americanos reconheceram seu talento com homenagens e retrospectivas em festivais e recentemente o senhor foi homenageado na Holanda. Como o senhor recebe esta popularidade e reconhecimento fora do Brasil?

O André Barcinski, um grande escritor, escreveu Maldito [NE: Biografia de Mojica] e me ajudou bastante, me levou pra lá para os Estados Unidos. Queira ou não, se eu quisesse na época ter adeptos demais e montar uma equipe de legionários, eu podia, eu tinha força pra isso.

 E o senhor já pensou em sair do país, pelo reconhecimento que o senhor tem lá fora?
Quando eu fui pro Canadá, eu via as filas que se formavam para assistir À Meia-Noite Levarei Sua Alma, com legendas em inglês. As lágrimas escorriam. Chegou o dono do cinema, colocou a mão no meu ombro e disse "Mojica, não chora, não fica triste. Aqui você esta sendo elogiado pelo primeiro mundo. O Brasil é terceiro mundo. Aqui você é o maior e no Brasil eles não vão te valorizar, pois a mente brasileira ainda está evoluindo. Você na verdade deveria estar em outro país, não o Brasil”.

 O senhor se considerava um cara acima do seu tempo já na época da concepção dos filmes?
Já, bem acima. Basta dizer que eu fiz muita coisa estranha, diferente e que aqui eles não entendiam. Mas lá fora entendiam e me davam muita força. Eu não fui morar fora porque tenho sete filhos, onze netos, não tem jeito.

 E quais foram as suas inspirações?
Eu fui criado dentro de um cinema. Então com quatro anos já subia no projetor e já via aquelas fitas proibidas sobre sexo. Eu via de tudo e sempre me inspirava em terror. Eu vi tantas coisas estranhas com doenças venéreas, coisas turbulentas e entrava na minha mente e isso me inspirou terror. E eu tinha pesadelos e neles inspirei o Zé do Caixão. Eu tinha muitos pesadelos. Como dizia Mario Schenberg, se juntassem sete pesadelos, eles vinham com uma mensagem futurista. E eu acabei juntando sete pesadelos e fui escrevendo e tive uma mensagem não agradável. Dois meses depois, eu perdi minha primeira esposa. Uma mulher querida por todo mundo, dançava dança flamenca. Ela era muito bonita. Todo mundo era doido por ela, mas ela gostou de mim. Realmente, acho que fui um dos homens mais arrojados por aqui.

O senhor se considera um sedutor?
Eu não me considero um sedutor, não era um cara realmente atraente, com o rosto e físico atraente, mas a mulher podia me odiar como fosse, se eu sentasse numa mesa e tomasse um refrigerante com ela, ela saia de lá com outros pensamentos. De repente, por mais que ela gostasse de fulano, ela acabava gostando de mim. Eu entrava nos assuntos que interessavam a mulher. Eu sabia o que as mulheres gostavam de ouvir e os outros não conseguiam falar.

Já gostava de terror antes dos sonhos?

Gostava. Eu já era fã dos grandes nomes do terror do mundo. Cheguei a ganhar um anel da filha do Boris Karloff e infelizmente uma funcionária minha levou embora. Gosto muito de Torre de Londres, do Boris Karloff e o do Bebê de Rosemary, foram os que mais me marcaram. O Exorcista é gozado, eu vi, gostei, mas não achei assim que me marcou tanto. Eu tenho lá fora grandes fãs de terror também, o Rob Zombie acabou fazendo duas fitas inspiradas em fitas minhas, ele esteve comigo. Os Ramones também, quando vieram no Brasil fizeram questão de encontrar comigo.

Recentemente, em uma entrevista, o senhor comentou que não há ninguém para te substituir. O que o senhor acha do terror brasileiro atual? Por exemplo, as produções da Canibal Filmes, do Petter Baiestorf e do Rodrigo Aragão, que este ano finaliza sua trilogia de terror com “Mar Negro”.

Olha, estou para ir a uma mostra de filmes brasileiros e assistir. Eu quero ver, porque tudo que eu já vi até hoje, desculpe a palavra, mas é uma merda. Não tem nada que possa causar um impacto no público. Estamos no país de maiores lendas do mundo, já tive em cada lugar que para reproduzir cenário, não dá nem pra se falar. E faria muito sucesso lá fora, aqui seria um lugar ótimo pra isso. Eu não entendo o porquê plagiam tudo o que vem de fora. Deveria ser ao contrário, eles plagiarem o que é nosso. Nós temos as maiores matas, maiores praias e porque não dizer, as mulheres mais lindas do mundo. Então temos tudo aqui de bom e não se aproveita. Fico puto da vida, tudo tem que imitar, eu não vejo essa necessidade. Essa grana de ANCINE, essas coisas, é só pra patricinha. É pra filho de político. Eles escorregam em uma casca de banana e acham que aquilo é a coisa mais incrível do mundo. Não sabem o que é a morte, o que é a perseguição, o que é ser torturado. Então simplesmente se escorregam numa casca de banana e já fazem uma história daquilo. Não se dão força. 

Em vários estados que eu visitei, sei que tem interesse, quero juntar um grupo de cada estado e vamos falar direto com a presidente. Vamos lá com a Dilma. Se vier gente de todos os estados e juntos, ela vai receber. Precisamos de uma força muito grande com o que é brasileiro. Isso não só cinema como teatro, como televisão, em revistas, em tudo. Acho que temos a coisa mais linda do mundo e ninguém aproveita. Vai chegando uma hora que eu sei que eu vou partir, como todo mundo parte. E eu não consigo. Já fiz anúncios, já juntei mais de mil pessoas do Brasil todo pra ter um substituto, eu não achei. Os caras só vêm pela aparência e tal, mas a mente é muito fraca. Eles se veem diante de uma situação e não conseguem sair. Eles não sabem o que eu passei. Eu venho de uma época que se o cara tentasse estuprar uma mulher, toda vizinhança ia atrás e se pegavam, eles linchavam. Hoje as pessoas veem uma mulher ser estuprada, uns olham e acham graça, outros se deliciam com aquilo. Estamos no fim do mundo? Não, não estamos. Está faltando organizações políticas, políticos que não pensem somente em famí?ia e o resto que se dane. Nós tínhamos que por gente lá que realmente seja humano e pensem nos demais. Ninguém quer saber de ajudar o próximo, estamos caminhando em uma política que eu realmente não sei aonde vamos chegar. Estamos cada vez mais caminhando para o fim. Um Brasil que tem tudo que os outros não têm, que causa inveja no mundo todo. Apesar dos brasileiros não serem muito orgulhosos, o pobre é pobre, o médio é médio, só os grandes ricos que não sentem nada. O cinema reflete a realidade do Brasil.

Além da discriminação típica com o gênero, né?
Sim, aqui tem muita discriminação também. É um país lendário, de um folclore imenso. O terror é brasileiro, nossa, as coisas de terror que nós temos aí... Se as pessoas começassem a explorar. Semana passada me levaram em uma série de lugares mal assombrados e eu fui visitar todos os lugares. Até num sobradinho aqui perto, onde assassinaram pai e mãe, o Castelinho. Eu já cheguei a rodar um curta com toda assombração que tinha, me lembro que o cara que eu coloquei para fazer o dublê do Zé do Caixão... Você acredita que o cara se borrou todo? Ele subiu e simplesmente não conseguia descer porque estava todo cagado. Tivemos que subir lá pra tirar ele, começou a dizer que estava vendo vultos. Eu já estou acostumado a ir a lugares desse jeito, mal assombrados.

 E o que o senhor acha desta tendência ocidental de produzir remakes de filmes de terror clássicos, remakes de filmes asiáticos?

Eu volto ao passado, vejo algo dos anos 40, por exemplo. Os diretores de hoje já subestimam o público e acham que ninguém viu. Então eles plagiam coisas do passado. Então tem muita coisa que as pessoas acham autêntica e não são. Os caras pegam e falam "ninguém vai lembrar dessa fita" e se baseiam em cima.

Mas ainda assim existe um lado positivo no remake, que é popularizar para a grande massa e para as novas gerações obras desconhecidas ou esquecidas. Ou seja, aqueles que realmente gostaram, costumam procurar o original. Como o senhor agiria a um pedido de remake de uma obra sua?

Exatamente. Se fosse numa época passada eu até brigaria, mas hoje acho que tudo que vem é positivo de alguma forma.

 O Dennison Ramalho, do curta “Amor só de Mãe”, trabalhou com o senhor na produção de ‘Encarnação do Demônio’. Como isso aconteceu?

A gente tinha muita amizade, ele guardava tudo que era trabalho meu, é muito fã. O Amor só de Mãe tem atores que trabalharam comigo, eu fui assistir as filmagens, dei toda força que ele precisava. Ele ficou muito entusiasmado com a produção de Encarnação do Demônio, ele chegou até a desenhar, chamar desenhista para fazer os filmes.

Para os storyboards?
Isso! Era muito estranho, eu falei pra ele: está tudo na minha cabeça, se eu olhar vai me atrapalhar, vou ficar pregado naquilo que você desenhou, preciso ficar com a mente livre. Mas saiu aquilo mesmo e ele ficou feliz, disse: "Pô, acabou dando quase certo com os meus desenhos” e eu disse pra ele "Se você está em sintonia com o que eu estou pensando, você sabe o que eu quero, o que está dentro da minha cabeça". Eu não quis saber desses desenhos, não quis nem olhar.
Filmagens de "A Encarnação do Demônio"
Como o senhor lida com as comparações com Roger Corman e Ed Wood? Alguma dessas comparações faz sentido?

Eles fazem comparação. Desde Hitchcock, Roger Corman... Mas eu só fui ver depois que já tinha feito. Gosto dos filmes, mas eu só vi depois.

Houve comparações com o Buñuel também, né?

Sim, Buñuel, muitas comparações. Me compararam muito a Buñuel, eu fui ver depois, nunca tinha visto. Nem sabia quem era Buñuel na época. O Glauber e o Rogério falavam "Não diga que você não conhece esses caras..." e eu pegava pra ver e dava impressão que os caras que estavam me copiando. Eu ia fazendo o que estava na minha mente, não tinha influência. Vi foi A Bela da Tarde.

 Imaginei Um Cão Andaluz ou Viridiana.

Também, mas eu só fui ver depois. Ficava um pouco chateado, não sabia quem era Buñuel, fui obrigado a saber. Fui atrás de todos, fui estudar, mas isso depois que já tinha começado. A única coisa que eu não queria era saber quando me falavam enquanto eu filmava, eu só via depois. Você tá aqui do outro lado do oceano, tem outras pessoas que pensam como você. Não tem como.

 E o senhor se importa quando te confundem com o Zé do Caixão?

Eu me importava, agora já não tem mais jeito, o pessoal reconhece como Zé do Caixão mesmo. É até engraçado, somos diferentes, eu tenho sete filhos, o Zé não tem filhos.

O que o senhor acha de diretores como Sam Raimi e Peter Jackson, que produziam filmes trash e agora são diretores consagrados em produções de blockbusters? O senhor já pensou em produzir algo mais comercial?

Eu sou fã do Senhor dos Anéis. É válido, a minha primeira fita foi um filme de bang bang, primeiro CinemaScope brasileiro, A Sina do Aventureiro.
A Sina do Aventureiro
Está nos seus planos uma cinebiografia?

Eu tenho planos, amanhã eu tenho uma reunião com o André Barcinski e vamos ver o que faremos. Vamos ter esse papo ainda.

E outros personagens além do Zé?
Olha, eu cheguei a fazer, em dois filmes, em Finis Hominis e em Quando os deuses adormecem. É o Finis.
Finis Hominis
Depois da sua consagração como Zé do Caixão, você pensou em produzir outros filmes com o Finis?
Não, na verdade eu estava dando vida aos filmes seguindo os conselhos de Lima Barreto e de Glauber Rocha, porque o meu sonho era fazer um filme onde Finis Hominis se encontra com Zé do Caixão. Zé é um cara completamente ateu e o Finis já é um cara religioso. O encontro dos dois seria uma coisa fantástica. O meu sonho era esse, mas... Pode até ser que aconteça, vamos ver.

Hoje em dia existe método do crowdfunding, onde as pessoas literalmente depositam sua confiança no artista e em troca ganham visitas ao SET, DVD do filme, pôster, etc. O senhor já pensou em produzir algo neste formato?

Isso me interessou, me explica outra vez que não conheço isso, me interessou.

É um financiamento colaborativo. Funciona como uma agregação de capital por pessoas interessadas na iniciativa. É um método muito utilizado na internet para arrecadar dinheiro para produções, startups, produtos, etc.

Vou falar com o André amanhã sobre isso, não sabia disso. Minha ideia agora é fazer realmente a razão de vida do Zé do Caixão até a sua morte. Talvez um filho do Zé, sei lá. Mas como eu não acredito que filho nenhum vá fazer o que o pai fez... Só se for programado, realmente que o Zé se programe para que o filho realmente faça tudo que ele quer, que ele não pôde fazer. Eu me arrependi do Encarnação, a Globo caiu matando em cima. Optaram pela Fox, mas eu achei que se tivesse feito encarnação e distribuído pela Globo, teria sido muito mais exibido do que foi. Amanhã eu vou conversar com o André sobre isso.

Como surgiu aquela praga para introduzir os seus filmes, começando pelo “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”?
Quando eu fiz o Meia-Noite, era realmente só pra passar na sessão da meia noite. A ideia era essa, iam assistir ao filme à meia noite. Eu achei que ninguém ia querer ver a fita. Mas não deu outra, em uma semana, foi a maior bilheteria da época, 50 mil pessoas. E o que era pra ficar uma semana, ficou um ano. Foi a maior explosão de bilheteria que o Brasil já teve.


A franquia "Centopeia Humana" recebeu críticas no mundo inteiro e foi banido de países como Austrália e Reino Unido. A exibição de "Um Filme Sérvio" foi vetada em diversas salas do Brasil, colocando a censura brasileira em pauta. Você acha que o terror precisa se limitar para ser aceito?

Não assisti, mas gostei desse nome, já me interessou esse negócio da Centopeia Humana. Tudo que é novo mete medo nos caras. Nós entramos numa era de violência que é até normal o cara pegar um machado, uma faca, uma arma e tal. Mas se sair pra algo sobrenatural, algo incomum, o cara se apavora e proíbe mesmo.

 O senhor começa agora em abril uma turnê de workshops. Como vai ser?
Workshops a partir de abril, aos 50 anos do Zé do caixão e são os últimos que vou fazer. Começa em São Paulo, darei uma volta pelo Brasil todo. Vou percorrer vários estados, cidades e o final é aqui, em São Paulo. Serão as últimas oficinas que farei.

Mais informações sobre a turnê de workshops: http://www.facebook.com/coffinjoeoficial

*Entrevista por Luciana dos Anjos

VOCÊS NÃO VIRAM NADA AINDA


Abrem-se as cortinas. Um novo mundo vos espera. Vocês Ainda Não Viram Nada, mesmo que vague pela obviedade, é um filme sobre o espaço entre platéia e palco. Em outra esfera, Alain Resnais (Hiroshima Mon Amour, Medos Privados em Lugares Públicos) presta tributo à dramaturgia.

Seja no teatro ou no cinema - ambos muito bem representados -, partindo da mitologia grega com Orfeu e Eurudíce, Resnais, com a figura do diretor, coloca espectadores e elenco no mesmo patamar, relacionando e medindo o envolvimento com a obra e a intensidade do processo de representação.

Em certo ponto, platéia e obra se misturam e criam a máxima que a arte pode oferecer. Desta forma, o filme transparece suas intenções de tributo e constatação como a arte e a forma que se traduz a experiência, principalmente a de imersão. Porém, o drama de Orfeu e Eurudíce dilui a potência e ironicamente o envolvimento do público. Há necessidade de ligar trama e personagens - todos eles em algum momento viveram em função da peça (aqui como teatro filmado) e a releitura da mesma embarca apenas pelo viés melodramático - encenamento e exagero. Vocês Ainda Não Viram Nada funciona apenas como homenagem, pois como diálogo é dicotômico e raso.

Vocês Ainda Não Viram Nada (Vous N'Avez Encore Rien Vu, França, 2012) de Alain Resnais

RÂNIA


Na bela sequência inicial de Rânia, a câmera da diretora Roberta Marques exibe e delineia território de conflitos e aborda a questão entre partida e chegada de Fortaleza. Afinal, nesta espinha dorsal o longa se desenvolve. Por se tratar de um panorama social ante a análise do entorno que invariavelmente dialogará com a plateia, torna-se, então, um filme sobre limites e reinvenção.

A fronteira que Rânia (Graziela Félix) deve atravessar, seja a da realização de um sonho ou de manter-se como pilar de uma família em ruínas, é clara. Tão clara que a protagonista necessita de antítese, representada na pele de Zizi (Nataly Rocha), pois a concepção de personagens é baseada em representações básicas do inconsciente social. Ao contrário do terreno que o semelhante O Grão de Petrus Cariry aborda em caráter observacional, o filme de Roberta Marques vai à busca de soluções entre a imensidão do mar e a escuridão da noite ao redor da protagonista.

No paralelo entre subsistência e sobrevivência - envolvendo arte e trabalho, está a transparência da chance do recomeço. Esta que é tão grosseira que cabe à intenção lúdica da história desenhar um mundo à parte e sustentar os nichos criados.

Entre as luzes da capital cearense vemos a inquietude adolescente, algo que nem sempre se manifesta por vontade e sim por necessidade. A mudança, ou passagem, vem através de Zizi e Estela, a última, representação máxima do sudeste como lugar almejado para uma nova vida. E para Rânia, como exposição da incoerência no sentido de funcionalidade dos sonhos dos Brasileiros, o novo caminho vem na base do sentimento de desamparo.
Rânia (Idem, Brasil, 2011) de Roberta Marques

MAMA



Baseado no curta-metragem homônimo de apenas três minutos de duração produzido em 2008 que encheu os olhos de Guillermo Del Toro (Hellboy, O Labirinto do Fauno), Mama se resume ao jogo de estilos que circundam o gênero de terror ao longo dos anos.  Apesar do leque de subgêneros ao dispor, o filme em longa-metragem, também dirigido por Andrés Muschietti traz a roupagem atual para dialogar com os maneirismos criados especialmente nos anos 70.

Ao desenvolver a história de Victoria e Lilly, duas meninas que viveram anos em uma casa abandonada no meio de uma floresta, mesmo com a proposta intacta, Muschietti desenvolve o subtexto envolvendo a maternidade como pilar. Nele, há abertura suficiente para criar situações assustadoras e, como grandes filmes do gênero, usa uma casa como personagem.

Entre boas idéias na construção e delineação de sequências usando o espaço cênico sem necessitar da ajuda de cortes ou elementos externos, Muschietti satura sua metodologia. A história é esquecida em certo ponto para funcionar como tributo ao gênero. Assim, o roteiro ignora personagens secundários e funcionar a favor do que angaria os jovens, maior consumidor de filmes de suspense para o cinema: os sustos. A brincadeira levada às últimas consequências seja como menção ou método se desgasta.

Portanto, cabe ao espectador não esperar um roteiro inventivo e sim se dispor a brincar com os clichês sinalizados e, dependendo do envolvimento, tomar alguns sustos.


Mama (Mamá, Espanha/Canadá, 2013) de Andrés Muschietti

A VISITANTE FRANCESA


Resumido a exercício de roteiro, A Visitante Francesa segue a fórmula básica de Hong Sang Soo, com diretores de cinema, bebedeiras, film festivals e bom humor em sua temática. Desta vez, o realizador sul-coreano utiliza sua visão sobre o país num cardápio de possibilidades a partir da visita de uma famosa diretora de cinema francês ao país.

Em amplo campo, Song Soo constrói uma obra palatável em comparação a seus últimos filmes. Ainda que não seja possível confirmar a abertura dada pelo diretor, distinguir a liberdade em seu método, principalmente por seu pilar narrativo, a diretora francesa, vivida por Isabelle Huppert, é fácil. Longe de qualquer espécie de construção de personagem, Huppert parece estar à disposição do jogo de multiplicidade que o roteiro oferece.

Dividido em três episódios, com os mesmos personagens – o que novamente dá a entender por influência de Woody Allen –, A Visitante Francesa se resume à mise en scène para atribuir conflitos. Na superfície, o elo comum do cinema – conflito versus moral – minimizado ao espaço cênico, que sugere a discussão sobre a índole dos coreanos, claro, com muito bom humor, através da figura do salva-vidas, vivido pelo ótimo Jun Sang Yu, de The Day He Arrives, também de Sang Soo.

Não há grandes novidades em relação ao caminho traçado nos últimos anos por Sang Soo em A Visitante Francesa; para os familiarizados, este se torna um problema, pois, como Allen (ao adotar o suspense como novo gênero), Sang Soo necessita de reinvenção.

 
A Visitante Francesa (Da-Reun Na-Ra-e Seo, Coréia do Sul, 2012) de Hong Sang Soo

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