O MOINHO E A CRUZ


Englobar formatos de linguagem e dispositivos como a pintura, literatura e cinema pode ser o chamariz de O Moinho e a Cruz, porém, comentar seu impacto visual e a boa congruência destas vias num puro tour de force é pura redundância.  Seu minucioso estudo estético envolve planos e movimentos de câmera, figurino e mise en scène a favor do quadro, do enquadramento, do olhar do diretor, antes mesmo do público que consumirá a obra com abordagens e críticas como diálogo maior do filme.

Impressiona que o fetiche de Lech Majewski pela via crucis em outros filmes como Gospel According to Harry e Angelus ainda aflore analogias contemporâneas e poéticas o bastante para o choque. Para narrar a composição do quadro de 1564 The Procession to Calvary de Piter Bruegel , Majewski dá foco ao autor: suas motivações, o que circunda a pintura, suas idéias de posição de personagens e sugestões para os espectadores enquanto humaniza e enaltece todo lado sobrenatural que marcam as últimas horas de Jesus Cristo com pouquíssimos diálogos. A maioria em tom narrativo pelo pintor.

O ambiente, que se divide em melancólico e leve – como a passagem de Jesus – dá o tom necessário para o filme; Maria, mãe do Redentor, é a maior antítese em relação ao sensacionalismo melodramático. Sofre como uma mãe real, assim como Deus, um pai que se entristece sem o ranço religioso dado por homens. Uma tentativa frustrada de romancear o que é composto por vísceras. É necessário lembrar que são poucos os momentos que Majewski respira no espaço fílmico. Tudo parece apertado pela fronteira da moldura, onde seus personagens são alegorias, colunas, articulações. Um resgate angustiante e onírico à função da temporalidade na ação (aqui o tempo se faz maior que a ação literal).

O Moinho e a Cruz (The Mill and The Cross, Polônia/Suécia, 2011) de Lech Majewski

AQUI É MEU LUGAR


O maior êxito de Paolo Sorrentino em Aqui É Meu Lugar é manobrar com todas as constantes que trabalha. Afinal, as diversas pontas de tema inseridas no roteiro necessariamente não se encaixam. O filme, portanto, torna-se ao lado da busca de vingança de Cheyenne (Sean Penn), uma particular busca pela regularidade narrativa entre a diversidade temática e técnica.

Da uma comédia dramática sobre a rotina de um rock star preso ao conformismo para a transformação em road movie no último ato, Aqui É Meu Lugar destroça os efeitos do holocausto – gancho para a desconstrução dos traumas de todos os personagens (que de uma forma ou de outra são vítimas da dormência emocional) do filme e espelho para o remorso italiano e a redenção de um homem com planos sequência, dollys e gruas.

A regularidade está justamente no peso que Sean Penn coloca em seus ombros; seu personagem é tão destoante que a infantilidade tem o algoz da maturidade. Para os que cruzam por Cheyenne, lá está a oportunidade de soma, esta que é inesperada a primeira vista. Afinal, o que um homem fadado ao fracasso e explicitamente preso a um trauma de infância pode oferecer?

Da letargia inicial a sequência fulminante que resume o sentimento de um homem que reconhece o fim de seu caminho (em diversos sentidos), Sorrentino tropeça, mas consegue, enfim, um modo de ser orgânico entre tantas linhas: desbravar o homem por trás da maquiagem.


Aqui É Meu Lugar (This Must Be The Place, Itália/França/Irlanda, 2011) de Paolo Sorrentino

BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE


Superar seu Cavaleiro das Trevas não era tarefa fácil por justamente unir elementos favoráveis ao mergulho de um público decidido a ser agradado e a ótima composição de tensão psicológica e alusões abraçadas ao gênero. E com isso, Christopher Nolan (Amnésia, A Origem) traça Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge da seguinte maneira: primeiro o contextualiza no imaginário pop. Ignora apresentações e codificações e posiciona personagens à contemporaneidade. Depois, constrói uma teia onde conspirações, burocracia, hipocrisia e, claro, terror são trampolins para sequências de ação e surpresas, onde o mundo real se equivale aos canos de esgoto e a escuridão numa metáfora simples que afronta o universo espetaculoso dos heróis.

Bane (Tom Hardy) - vilão nem tão querido pelos fãs da HQ – é o personagem mais rico em alusões.  Sua visão anárquica e caótica (menos intensa que a do marcante Coringa de Heath Ledger) dá abertura clara (que Nolan faz questão de ilustrar de forma magnífica) à posição mastigada para os leigos: o diretor usa desenhos de cena onde os personagens instigam o óbvio. Bane pode ser Jesus e também João Batista numa cena seguinte. Batman (Christian Bale), Lázaro. Ressurge para a glória de um homem que não se conhece o passado e que pode separar multidões, esta que representa o ápice do filme, delineando a visão norte-americana pós 11/09 em tom suficientemente dramático para ser considerado universal.

Ainda que a intensidade seja fragmentada pelo que nos parece ordinário após tantos filmes deste subgênero, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge mantém seu ritmo pela crueza que trata seu protagonista; ele é julgado em diversas dimensões – Nolan o coloca como herói, símbolo capitalista e motivador de uma horda trabalhista; novamente a posição de redentor é colocada em pauta. A incerteza que inclina o diretor a discutir o renascimento de uma nação ganha proporções fantásticas no momento certo para encantar e acalmar o público carente de moralidades, geralmente domesticado pela febre e imparcialidade que os quadrinhos trouxeram.

O truque agridoce para garantir elogios termos não tira o que parece mérito exclusivo de Nolan colocando Batman em paralelo a outros heróis que ganharam sagas cinematográficas. Porém, é sintomático que seu filme seja coberto por erros maquiados pela indiferença vinda do burburinho das bilheterias recheadas de dólares – soluções expurgadas pela justa (e justificada) e necessitada ação de enquadrar o deleite. Afinal, foi para isso que ele foi feito. Nada mais que isso.

Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, EUA/Reino Unido,  2012) de Christopher Nolan

ELLES


Um filme de associações. Elles equipara o desejo de liberdade da jornalista e socialite Anne (Juliette Binoche) com a família em cacos e a vida utópica criada pela protagonista em relação ao objeto de estudo para uma matéria: mulheres que trabalham como acompanhantes para pagar a faculdade.

Sem estrutura narrativa concreta, a diretora Malgorzata Szumowska transmite o sentimento de perfeição da constituição familiar para sua antítese (a caótica rotina de ligações, submissões e mentiras das garotas) e equivale, sem julgamentos, à auto-análise de Anne e subseqüentes conflitos. Szumowska acerta ao deixar Anne só, alimentando um monstro que reflete em feridas do acaso.

O tropeço de Elles está justamente em seu desenho – reconstituições, depoimentos e devaneios desordenados dão o tom necessário para fazermos o raio-X de Anne, porém, o filme perde em ritmo. O raciocínio de Szumowska é de transcender Anne e amplificar seu conflito como registro de um tempo. Bem sucedido, mesmo com claras irregularidades.


Elles (Idem, França/Polônia/Alemanha, 2011) de Malgorzata Szumowska

HOTEL DA MORTE


Do raciocínio que coincide com a premissa de O Iluminado de Stanley Kubrick (a amplitude de um local para causar efeito contrário, ou seja, claustrofobia e conseqüente terror psicológico), Ti West faz de Hotel da Morte um exercício que se distancia do clássico de 1980 se concentrando novamente em estilo e remitências.

Desta vez, o fim dos anos 90 serve como referência direta, ainda que resquícios oitentistas estejam na narrativa. Também num hotel, Ti West se concentra mais na violência que o lado psicológico causa em seus personagens, com o tradicional jogo de tempo, movimentos de câmera e geometria cenográfica, porém muitas vezes sem dar o que o público espera a exemplo do famigerado The House of the Devil de 2009.

Através de discrepância visuais – cenários ou muito claros ou muito escuros, salas enormes e corredores apertados – e da representação mínima de personagens coadjuvantes, West usa eventos sobrenaturais e os justifica silenciosamente. Hotel da Morte exige que o espectador saia da tensão para decifrar sua natureza. Porém, no meio desta execução, estão momentos vazios onde o estilo é prioritário para o diretor, fato este que fez West angariar fãs por todo mundo. Uma pena que seja por seu lado dispensável.


Hotel da Morte (The Innkeepers, EUA, 2011) de Ti West

NA ESTRADA


Fugir do contexto da adaptação do livro homônimo de Jack Kerouac e de todo o frisson estendido por décadas é o melhor que o espectador deve fazer ao início da projeção de Na Estrada. Walter Salles vai de encontro ao monstro munido de ousadia; sua narrativa é de superfície, dando margem ao espectador a reflexões ou a queda para o tédio completo.

Focado no intelecto e na liberdade – epítome da significância da geração beat -, o elo está na pureza do asfalto, pois só uma vida sem amarras justificaria a poesia na história de Sal (Sam Riley) e Dean (Garrett Hedlund). Entre o balé de fades e sequências semelhantes estética e liricamente, está um filme que se prende à fuga do moralismo como sugestão de hermeticidade.

Autonomia, vida nômade, entorpecentes e sexo livre ganham múltiplas representações como a mudança dos tempos e engajamento, porém, Walter Salles tem como propósito subverter a obviedade do assunto – a narrativa, morna e cansativa, deságua na mesmice de uma cinebiografia qualquer. Personagens vêm e vão com a mesma intensidade vivida pelos protagonistas, porém, não há um elo que os coloque dentro do senso de unidade. Não existem marcas, lembranças ou até mesmo manipulações melodramáticas.

A questão é: devemos encarar isto como uma sugestão de Walter Salles ou abraçar a idéia de que é um filme repleto de falhas? Bem, considere a dúvida como mérito, pois o espectador levará o longa consigo dias após a exibição – marca da propriedade de Salles sob a obra e subversão à marca de mestre de obras deixada em filmes mambembes como Água Negra e Diário de Motocicleta.

 ★★
Na Estrada (On the Road, França/Brasil, 2012) de Walter Salles

HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM QUANDO LEMBRADAS


Histórias que só Existem Quando Lembradas confirma a tese de uma constante do cinema brasileiro hoje (Girimunho, Mãe e Filha, Os Monstros): a câmera destinada ao desconcerto e desconstrução pela multiplicidade ótica e tom monocórdico com um único alvo: o âmago. Histórias pega o espectador pelos pés, pela cabeça, pelo coração. Trata-se de um filme que interrompe um estado de espírito em total alusão ao nascimento de uma nova era. A digital.

O filme de Julia Murat analisa a zona de conforto dos moradores de Jotuomba (localizado no Vale do Paraíba, Rio de Janeiro), especialmente o de Madalena (Sonia Guedes), senhora dominada pela rotina e pelo luto. A relação com a morte é amplificada com a chegada de Rita(Lisa E. Favero), jovem fotógrafa e personificação do conflito com o exterior e o avanço do tempo. Rita dá a abertura necessária para a análise poética da adaptação, da insatisfação e seu molde de acordo com a ocasião e tempo e a subversão de hábitos de uma pequena comunidade.

Paralelamente está a alusão do fim do luto de um cinema calcado em rios de dinheiro e distribuição em massa focada no lucro. O cemitério de Jotuomba foi fechado por Deus. O mesmo que permitiu o avanço tecnológico que lentamente conquista Madalena, forçando a continuidade da vida.

É preciso de morte para haver vida; esta que domina os dispositivos e seus comandantes que algum dia morrerão e não precisarão de um nome para serem lembrados como acostumou-se Jotuomba; serão analisados por suas obras com paz e nostalgia que inspiram Murat. A mais genuína forma de expressão em relação à vida.

 ★★★★
Histórias Que Só Existem Quando Lembradas (Idem, Brasil, 2011) de Julia Murat

OS MELHORES FILMES DE 2012...ATÉ AGORA.

Chegamos, enfim, à metade do ano e a clássica lista com os dez melhores filmes lançados no Brasil em 2012 (até o momento) está pronta. É importante lembrar que filmes lançados direto em home-vídeo também foram analisados. Filmes como DRIVE, MÃE E FILHA e KABOOM que fizeram parte da lista dos melhores filmes de 2011 e 2010, respectivamente, não foram selecionados por motivos óbvios.

Deixe seu comentário e não venha reclamar que o filme do Batman não está na lista pois ele não foi lançado. Ainda.

10. SHAME (Idem, Reino Unido, 2011) de Steve McQueen

09. L'APOLLONIDE - OS AMORES DA CASA DE TOLERÂNCIA (L'Apollonide - L’Apollonide – Souvernirs De La Maison Close, França, 2011) de Bertrand Bonello

08. OS VINGADORES (The Avengers, EUA, 2012) de Joss Wheddon

07. JOVENS ADULTOS (Young Adult, EUA, 2011) de Jason Reitman

06. GIRIMUNHO (Idem, Brasil, 2011) de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina

05. HABEMUS PAPAM (Idem, Itália, 2011) de Nanni Moretti

04. PINA (Idem, Alemanha/França/Reino Unido, 2011) de Wim Wenders

03. O MOINHO E A CRUZ (The Mill and the Cross, Polônia/Suécia, 2011) de Lech Majewski

02. A SEPARAÇÃO (Jodaeiye Nader az Simin, Irã, 2011) de Asghar Farhadi

01. A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (Hugo, EUA/França, 2011) de Martin Scorsese

Melhores Filmes de 2023

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