John Wick: Um Novo Dia Para Matar (Chad Stahelski, 2017)



Questionada sobre a forma que gerou o filme Jeanne Dielman, a cineasta Chantal Akerman respondeu: "(...) Para evitar cortar a mulher em cem pedaços, (...) cortar a ação em cem lugares, para olhar cuidadosamente e com respeito". A resposta registrada no livro "Nada Acontece" de Ivone Margulies, resvala em devidas proporções, obviamente, no princípio básico de John Wick: Um Novo Dia Para Matar. O filme de Chad Stahelski parte de um microcosmo para justificá-lo com muito cuidado e assim inibe diálogos com o contracampo.
O irônico fiapo de história que guiou a primeira saga de John Wick em De Volta ao Jogo desta vez é um pouco mais complexo, ainda que facilmente digestivo dentro da liturgia do gênero. Tudo parece se resolver no primeiro ato do filme, clareando as intenções de Stahelski: há mais desdobramentos à serviço da construção de um submundo mais perceptível ao espectador, com ênfase na noção da força da máfia em uma metrópole como Nova Iorque ou Roma e como elas são interligadas.

Do primeiro filme há muitos pontos positivos mantidos, em principal a fotografia baseada na mesma cartela de cores. Também vale citar a persona monossilábica de Wick, que é o contraponto à histeria causada pelo aumento de sequências de tiroteio, essas que possuem uma relação intrínseca ao espaço filmado, assim como os filmes de Johnnie To. De um galpão a uma sala de espelhos, numa singela referência a Orson Welles, Stahelski assim questiona a alma de Wick e de todos que o cercam com armas: como é a alma da máfia? Com toda frieza de locais em que não se vê uma viatura policial, como tiranos que pedem ajuda e clemência podem deitar seus inimigos sem que a consciência pese? De certo que tantos outros filmes já trataram deste assunto e continuam como referência para a segunda saga de John Wick como Abel Ferrara, Walter Hill, John Woo e o próprio Johnnie To. 

Desta vez, a postura bad ass de Wick é questionada: o tabuleiro é enorme para que Wick não seja só mais uma peça. Porém, o escopo é mínimo. Há respeito à trama e suas colunas. Sem espaço para momentos contemplativos ou contato com o mundo externo (extracampo), o filme é um diálogo contínuo entre os dois eixos alojados em um só extremo, ao contrário do recente Noite Sem Fim (Jaume Collet-Serra, 2015), para exemplificar. Se há a posição de um bom homem é porque a câmera assim escolhe; como a simples ilusão de um jogo de espelhos. Este é um dos códigos formais que John Wick: Um Novo Dia Para Matar subverte dentro da inerente expectativa de um filme de ação.

Pois, se não há espaço para compreensão do que há do lado oposto, Stahelski o desenha dentro do que se vê. John Wick é um homem inconsolável, ainda que os sentimentos pareçam dormentes entre tantos tiros; o mundo fantástico que embala o frenesi tem um lugar a chegar. Um lugar outrora seguro, mais que um hotel cinco estrelas que Wick tanto visita. Mas o mundo de Stahelski é feito de espectros, invisíveis à sociedade, e ainda há muito o que ser dito sobre isso. Portanto, que venha o terceiro filme. 

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