Melhores Filmes de 2017 (Primeiro Semestre)

Top 10 de lançamentos do circuito brasileiro no primeiro semestre de 2017:

Menções: O Filho de Joseph (Eugène Green), Toni Erdmann (Maren Ade), Martírio (Vincent Carelli), Joaquim (Marcelo Gomes), Animal Político (Tião) e Fragmentado (M.Night Shyamalan).

10. PATERSON (Jim Jarmusch)

09. A MORTE DE LUIS XIV (Albert Serra)

 08. APESAR DA NOITE (Philippe Grandrieux)

07. JOHN FROM (João Nicolau)

06. PERSONAL SHOPPER (Olivier Assayas)

05. NA VERTICAL (Alain Guiraudie)

04. O ORNITÓLOGO (João Pedro Rodrigues)

03. Z - A Cidade Perdida (James Gray)

02. JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR (Chad Stahelski)

01. BEDUÍNO (Julio Bressane)

Introdução ao Vulgar Auteurism

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Miami Vice (Michael Mann, 2006)

No livro A Short History of Cahiers du Cinéma, a crítica, autora e roteirista Emilie Bickerton lembra da rejeição a cineastas que utilizavam gêneros como base para justificar suas histórias. A equipe de críticos e cineastas da revista, na época formada por nomes como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette e Eric Rohmer justificava o trabalho de diretores como Howard Hawks, John Ford, Nicholas Ray e Alfred Hitchcock pelo manifesto da “Política dos Autores”. Rohmer, por exemplo, elevava Hitchcock a mestre moderno no início dos anos 50 através do texto Of Three Films and a Certain school e defendia o valor de obras de acordo com o tempo em que era analisado. Já Godard e Rivette teorizavam sobre obras de Nicholas Ray e Howard Hawks, respectivamente. Até o fim dos anos 60 esse discurso foi mantido, quando Godard, integrante da escola de Vertov, colocou a palavra ante à imagem e declarando no fim de Weekend (1967) “o fim do cinema” e da autoria.
  1. “Eu era um cineasta burguês, depois um cineasta progressista, e depois não mais um cineasta, mas um trabalhador de cinema (…) e quando falamos de Hollywood, entendemos Hollywood como todo mundo: seja o Newsreel, ou os cubanos, ou os iogoslavos, ou o Festival de Cannes, ou o de Nova Iorque, ou a Cinemateca Francesa ou a Cahiers du Cinéma. Hollywood quer dizer tudo relacionado com o cinema. Assim, cada vez que a gente diz Hollywood está dizendo o imperialismo deste produto ideológico que é o cinema” (Focus on Godard, CARROL, 1970)
O embrião da “Política dos autores” colocou os jovens críticos da Cahiers contra o conservadorismo da velha guarda e questionou a função da crítica. A “Política dos autores” funciona à distinção de cineasta e autor pela grife. O crítico e teórico André Bazin em 1957 esclareceu as dicotomias desta ideia e suas fragilidades através deste texto na edição de número 70 da Cahiers, comparando a recepção da crítica a um filme ruim de “autor” a um borrão de tinta feito por um pintor famoso. Essa ideia também foi invocada por Alexandre Astuc sobre camera-stylo na década de 40.

Já nos anos 00, o cinema ganhou uma nova maneira de produzir e distribuir filmes. A tecnologia facilitou a feitura e permitiu que filmes fossem vistos de variadas formas e assim refletindo o pensamento da função da crítica. Nos tempos de torrents e serviços de streaming, a variação desta “política de autores” foi criada via internet, onde o cinema sobrevive com mais força, longe das salas de exibição pública e das remanescentes locadoras de vídeo. Os novos autores, que segundo Bazin eram amados pela excelência e vitalidade e não pela abordagem, hoje são chamado de “vulgares” pelo diálogo com o irreal e carregam a mesma empolgação por parte da cinefilia – hoje sufocada por infinitos arquivos de torrent e mais agregador no sentido de definição sobre o que é ou não um “autor vulgar”.

Sinais dos tempos

Segundo artigos de revistas online de cinema, o ponto de partida para o termo “Vulgar Auteurism” foi a matéria de Andrew Tracy para a Cinema Scope sobre o cinema de Michael Mann à época do lançamento de Inimigos Públicos (2009). Porém Tracy já ensaiava sobre o termo na crítica de Déja Vu (2007) de Tony Scott. Adiante muitos artigos foram produzidos discutindo os valores estéticos e filosóficos de diretores que trabalham em “modo popular”, esta que seria a suposta base para o termpo Vulgar Auteurism. São diretores com preocupações distintas em relação à imagem, principalmente por seu espaço e função, mas em comum, todos têm momentos estéticos fascinantes em suas filmografias. A partir disso o que se viu nas redes sociais foi um desfile de stills que inerentes à qualidade dos filmes, os definiam. Um caso clássico desta ação é a comparação matemática de frames de Mortal Kombat (1995) de Paul W.S Anderson com Falstaff – O Toque da Meia Noite (1965) de Orson Welles divulgado no Tumblr “Vulgar Auteurism”. Desta relação com a imagem se questiona forma e influências destes “autores vulgares” que esbarram nas artes plásticas, jogos de videogame, HQs e claro, grandes diretores de cinema.

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Mortal Kombat e Falstaff em comparação em uma página do Tumblr.

O caso do diretor Paul W.S Anderson é um bom exemplo: cultuado por boa parte dos cinéfilos que se debruçam sob a crítica em redes sociais como o Letterboxd e MUBI, seus últimos filmes como Pompeia e Resident Evil: Retribuição foram ovacionados como baluartes do “gênero”. Este último com linguagem frenética, preocupada com a proximidade ao jogo de videogame. Pela produção criativa sobre o real, há espaço para observação que o Vulgar Auterism faz contraponto à autoria de um cinema feito nas ruas, em principal à Nouvelle Vague, Neorrealismo Italiano, o No Wave americano e ao Cinema Novo – já que falamos de movimentos cinematográficos; do uso da fantasia ante o real e de certa poesia não dogmática entre enredos que prestigiam os corpos. Pois já que falamos em Cinema Novo, digamos que o Vulgar Auteurism em muitos casos exige uma relação hiperconstrutivista sobre o corpo-espaço, da mesma maneira que Joaquim Pedro de Andrade faz em Os Inconfidentes (1972) e Glauber Rocha em Terra em Transe (1967) no qual o grande mestre desta função dos autores vulgares é Johnnie To.

São desses corpos que vemos um trabalho de coreografia coeso em cenas de ação – vale citar a cena da boate de De Volta ao Jogo (Chad Stahelski, 2014), o balé de Soldado Universal 4 (John Hyams), as famosas sequências de tiroteio presentes em boa parte dos filmes de Johnnie To e as perseguições dos últimos filmes de Tony Scott. Essas cenas servem de suspiro à trama em boa parte dos casos e não servem como um show de alegorias. É importante lembrar que por não possuir bordas, o termo Vulgar Auteurism sempre carregará exceções. E se pensarmos que, aos meandros de definição, poucos movimentos cinematográficos foram batizados por quem fazia os filmes e sim por críticos e pesquisadores os definindo por margens e similaridades – data, abordagens, discurso… O Vulgar Auterism é sim, uma ótima ferramenta de marketing para cinefilia ainda que a questão para onde os olhos miram realmente cabe a cada quadro, inclusive deste Tumblr citado anteriormente.

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De Volta ao Jogo (Chad Stahelski)
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Soldado Universal 4 (John Hyams)

O Vulgar Auteurism permite o retrospecto. Nomes como Paul Verhoeven, Walter Hill e John Woo, para citar alguns, reprovados pelo crivo do público e aclamados pela crítica nos anos 80 e 90, repetiram, em devidas proporções, o caso de Hawks, Ford, Ray e Hitchcock para os críticos da Cahiers du Cinèma. Hoje Verhoeven, Hill e Woo aparecem em dezenas de listas que os definem como autores vulgares. Há a identificação direta do termo com autores que trabalham com gêneros populares como o cinema de ação, terror e suspense como Tony Scott, Jaume Collet-Serra, Johnnie To, Neveldine/Taylor, M. Night Shyamalan e Kathryn Bigelow, porém, por exemplo vemos os irmãos Farrelly e Abel Ferrara no mesmo balaio. Os nomes de John Carpenter, Clint Eastwood, Samuel Fuller e Michael Cimino também figuram em diversas listas que definem o que é o Vulgar Auterism.

A imagem e seus custos
Por ser abrangente em relação a tempo e características, o termo se utiliza de  alicerces que permitem discorrer sobre o contínuo expediente de reflexão em obras classificadas como escapismo. São diversos tipos, meios e leituras de cinema convergidos em um por quem o consome e que prazerosamente reverte seus meandros de produção – dos altos cifrões ao objetivo dos estúdios – em função de uma interpretação baseada na arte e sua pluralidade formal em respeito ao diálogo. Mas se estamos em um momento que a internet cria um caminho independente de distribuição, o Vulgar Auteurism hospeda mais uma contradição.

O “modo popular” hoje encontra plataformas de streaming  para saciar o espectador, já que as salas de cinema hospedam em boa parte comédias e filmes de heróis e enfrenta o interesse público pelas séries de grandes estúdios. Portanto, não é tão popular assim. Com raras exceções, boa parte dos autores aqui citados produzem com auxílio de produtoras de pequeno e médio porte ou partem para produções independentes com ajuda dos fãs – a exemplo de Rob Zombie e seu último filme, “31”. Ainda que se afirme que o Vulgar Auteurism se resume a filmes de ação com suporte de distribuição e divulgação, seu histórico o define como um termo que viveu nas locadoras e hoje está no video on demand. Ainda sobre “31”, o filme foi produzido graças a ajuda dos fãs via Kickstarter, foi exibido em festivais e sem respiros parou nas plataformas digitais – e consequentemente nos sites de torrent. Resumindo: não houve tempo para o filme construir carreira.

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31 (Rob Zombie)

Herói ou vilão?
A respeito da discussão que o Vulgar Auterism devolve à crítica sobre a função da imagem e da própria crítica em tempos de dispositivos que dominam o olhar e que o interesse pela leitura é vertiginosa, é preferível ver com bons olhos o termo. A sensação é de ciclo, se voltarmos à “Política dos Autores”. Ainda que se questione constantemente o peso da grife sobre a palavra e que hoje tudo pode ser resolvido com buscas via YouTube, estamos portanto a falar sobre a vilania dos novos tempos. Ainda que suportada por alegorias com diversas funções e códigos, trata-se sempre do ode à narrativa e dramaturgia. Se há a possibilidade de uma provocação avant garde ao desinteresse e passividade do consumidor, cabe a questão se os autores vulgares são um bom caminho para o interesse do grande público. Principalmente por considerar a imagem ante ao verbo na arte contemporânea, o irreal e acessibilidade.

Texto originalmente publicado na Revista Multiplot!

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