O SEGREDO DE SEUS OLHOS

 

Alguns eventos são devastadores em nossas vidas. Deixam tantos rastros que por vezes é impossível viver o presente. Mas para deixarmos o passado literalmente para trás, enfrentar seus fantasmas seja a melhor maneira. A premissa que O Segredo de Seus Olhos carregava era de um filme sobre um acerto de contas, mas ao fragmentar o tempo na narrativa não apenas para registrar a redenção de um homem, mas para discutir leis e valores dentro de um thriller, a adaptação do romance de Eduardo Sacheri ganha novas interpretações.

O diretor Juan José Campanella bebe da decadência característica dos personagens dos filmes noir e do ritmo de filmes de ação americanos para traçar uma trama completa e claustrofóbica. Nela, a pena de morte é citada em alguns momentos, mas é atrelada a cada quadro do filme que também discute o abismo entre as palavras “existência” e “vivência” com bons diálogos e movimentos de câmera precisos.

Mas Campanella se importou apenas com o lado ativo. Por isso, O Segredo de Seus Olhos é um filme que se preocupa em condensar ritmo e intensidade dramática, com subtexto pesado, mas não menos instigante que o thriller que digerimos. Para viver, passamos por momentos extremos, intensos, onde tomamos decisões precipitadas e colhemos seus frutos. Existe o tempo para o arrependimento e a busca de um novo caminho, para outros, a existência torna-se um martírio por viver cativo das conseqüências de seus atos.

Em certo momento do filme, a torcida grita “academia” diversas vezes em um estádio de futebol, já profetizando a indicação do filme ao prêmio de melhor filme estrangeiro na cerimônia do Oscar. Coincidência ou não, o filme tem tudo que a academia gosta: é um filme que agrada a quem digere uma obra aos poucos de forma contemplativa (por enriquecer o subtexto e suas tramas paralelas) e também aqueles que procuram um filme como uma diversão escapista (um thriller bem amarrado e romanceado). Pena, que no meio do caminho, havia uma fita branca...

O Segredo de Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, Argentina/Espanha, 2009) de Juan José Campanella

UM HOMEM SÉRIO


Dizer que o trabalho dos irmãos Coen é sinônimo de qualidade chega a ser óbvio, mas em Um Homem Sério arrisco a dizer que os diretores chegaram ao auge de suas carreiras. Neste conto sobre a passividade totalmente revestido de deboches, Joel e Ethan Coen conduzem o longa com tamanha maestria que fica impossível não se impressionar com a plástica do filme. Sim, a plástica é incrível, mas o que me levou a fazer tal afirmação no início do texto é como eles conseguiram amarrar a beleza e o texto e justificá-los para logo depois tirar sarro da linguagem do cinema.

Joel e Ethan podem gozar de tais mecanismos, mas o alvo principal é de quem consome esta linguagem. Eles fragmentam conflitos e até desistem de contar histórias, pois se for preciso, eles darão uma justificativa aleatória para lembrar que eles podem fazer o que bem entendem. O mais incrível dessa gigantesca alfinetada é que ela é elaborada e executada no silêncio e usam o protagonista Larry Gopnik, intepretado por Michael Stuhlbarg, como um espelho de nossa passividade.

Gopnik é um judeu que tenta seguir normas e manter a paz ao seu redor, mas serve como um receptor de desgraças ao se relacionar com manipuladores a todo instante. Se Gopnik propositalmente lembra a jornada de Jesus Cristo, os irmãos Coen usam a manipulação para representar o princípio básico da linguagem audiovisual. A história de Gopnik dá margem para uma narrativa dinâmica, que não deixa imunes valores e costumes da sociedade que são exaltados pela direção de Joel e Ethan. É assustadora a composição de quadros e movimentos de câmera para acentuar emoções.

Toda beleza e sarcasmo de Um Homem Sério são necessários para uma contemplação livre, pois metáforas são freqüentes na trama. A maior e mais brilhante delas, na última cena do filme, é para lembrar que no cinema, Deus está sentado na cadeira de diretor.

Um Homem Sério (A Serious Man, EUA, 2009) de  Joel e Ethan Coen

EDUCAÇÃO

 

Não é de hoje que o cinema questiona os moldes da vida ideal imposta pela sociedade. A diretora Lone Scherfig não coloca explosivos conflitos para buscar uma óbvia lição de moral em Educação, pelo contrário, ao longo do filme ela faz um caminho oposto e deixa claro que sua intenção é de mostrar com certa indiferença um momento específico da vida que pode trazer consequências para a protagonista Jenny por tomar uma decisão na qual os jovens não têm maturidade necessária para tal e mostrar o desvio de um caminho aparentemente perfeito.

Até onde um jovem pode alimentar-se de desejos que vão além dos costumes de um cidadão padrão? As incógnitas tão batidas em filmes deste segmento são logo eliminadas por Lone, que novamente usa a indiferença à conflitos e resoluções surpreendentes, pois Educação é exatamente sobre isso: subverter valores da dramatização. O filme não impõe um crescente envolvimento do espectador. No lugar de macetes comuns do cinema, ficam as sugestões dentro de uma história linear, mas que ainda se agarra em clichês narrativos para caminhar.

Dentro desses clichês, a trama desbrava um novo mundo para Jenny e deixa brechas desnecessárias para que a previsibilidade transpareça mais que transição da adolescência para a vida adulta. Lone Scherfig conseguiu mesmo com tropeços exaltar sua intenção maior: manifestar-se sobre os limites de idade e maturidade para se aventurar e se “educar” por conta própria, de colher e plantar e saber as consequências de cada ato. De aprender pela dor e pelo amor.

Educação (An Education, Inglaterra, 2009) de Lone Scherfig

UM OLHAR DO PARAÍSO

 

Provavelmente nenhum outro tema dê tantas opções para sua desconstrução quanto a morte. Em Um Olhar do Paraíso, Peter Jackson explora a ligação sobrenatural de Susie, uma menina brutalmente assassinada e sua família, mas não sabe bem por qual via seguir para concretizar uma visão sobre o luto e a perda na adaptação da obra de Alice Sebold.

Jackson separa sua trama em dois núcleos de maneira tão brutal que ambos perdem forças. O drama psicológico vivido pela família de Susie tem seus fios narrativos presos à tensão, no qual o diretor chega a criar sequências que remetem ao velho Peter Jackson de Fome Animal. Quando as câmeras se aproximam de Susie, a trama ganha plástica fantasiosa para apresentar o óbvio, que é um novo, mas nada convincente mundo. Dessa vez, nos aproximamos de Jackson conhecido pela trilogia Senhor dos Anéis.

A equivalência desses dois extremos é irregular. Buracos são deixados propositalmente para que esses mundos se completem de forma lírica, mas não evita a pieguice, pois logo onde o filme teria sua força maior - que é a de explorar o desconhecido -, é onde o filme tem suas maiores falhas. A força que a trama onde Mark Wahlberg e Rachel Weisz protagonizam possui é absurdamente superior à tentativa de Jackson de fazer um paralelo da vida e a morte para desconstruir-las de forma contemplativa com toda ajuda da pós-produção.

Mas seria um exagero dizer que Um Olhar do Paraíso é uma sucessão de erros. O filme levanta a discussão sobre males contemporâneos e o valor da vida. Sendo mais claro, o filme acerta justamente quando Jackson resolve largar as amarras do peso de seu passado e busca inovar na sua maneira de fazer cinema.

Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, EUA/Inglaterra/Nova Zelândia, 2009) de Peter Jackson

BRILHO DE UMA PAIXÃO

 

Em algum momento da sua vida você assistiu alguma novela que enclausurava lições de moral em relação aos valores familiares, um amor impossível e uma história de mocinho e bandido num mesmo roteiro. Brilho de Uma Paixão é exatamente isso, uma trama novelesca, com a vantagem de se resolver em duas horas e não cair num labirinto que tem compromisso com a popularidade de cada personagem. A história do poeta John Keats reúne elementos básicos na construção de roteiros e por eles, tenta resgatar diretrizes lacrimosas do melodrama. Mas o resultado é desastroso.

O ponto de partida logicamente é o amor impossível, que curiosamente a diretora Jane Campion mantém certa distância para não exacerbar suas intenções sentimentais. Dificuldades financeiras e a abstrata (e ótima) figura de um vilão são os maiores contratempos para esse caso acontecer. Talvez por quebrar esse paradigma de um romance, Campion impede a total imersão na história, mas utiliza todos os clichês possíveis do gênero para construir seu roteiro.

Sendo assim, a trama cai na armadilha da pieguice romântica: entre poesias e momentos de desespero pela ausência de sua alma gêmea, a única coisa que Campion arranca de seu público é a vergonha alheia. Ela ensaia um novo caminho para o filme em sua segunda metade quando faz pequenas metáforas à materialização do amor, mas que logo são esquecidas. Infelizmente, as intenções da diretora alimentaram irregularidades irreversíveis para a trama que só desce a ladeira conforme o tempo passa.

A coibição da natural evolução de um sentimento transparente como o amor poderia se transformar numa angustiante e envolvente história, mesmo num molde melodramático, mas toda a distância sugerida serve como uma catapulta para a atenção do espectador.

Brilho de Uma Paixão (Bright Star, Inglaterra/Austrália/França, 2009) de Jane Campion

PRECIOSA - UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA

 

Em um plano geral, Preciosa - Uma história de Esperança, segundo filme da carreira de Lee Daniels é sobre um mal comum que assola países considerados de primeiro mundo: a deturpada escolha de prioridades. Se a idéia principal na narrativa de Lee Daniels tem foco no inevitável inconformismo gerado por situações extremas na vida de Clareece Precious, o diretor não se priva em adotar o cunho social e deixar claro que o filme carrega uma bandeira panfletária.

A assistência social dos EUA não está num pedestal, mas aparece de uma nova forma para o público ao ajudar aqueles que têm como prioridade o marasmo – comer, ver TV e dormir. Neste solene quadro, os demônios são exaltados pelo vasto tempo livre. Clareece Precious é vítima deste modelo de vida. E o pior, não por iniciativa dela. Ela é violentada de diversas maneiras e sobra a inconsciente conseqüência de ver a vida com um olhar rústico, pessimista. Ela guarda respostas grosseiras para qualquer situação como defesa, com aval de um radical pré-julgamento.

Por trás do escudo, Precious guarda um sentimento primordial para sua vida no meio de tantas tragédias: o amor. Nele, ela tem poder para sonhar, mesmo que a realidade a interrompa bruscamente. Este conto de perseverança vem em forma linear e de certa forma, óbvia, criando uma dormência perante as fatalidades emocionais e físicas de Precious. Mas Daniels tem um afiado elenco jogando a favor, que aos poucos ganham a materialização de um sentimento em relação à protagonista.

Quando o filme assume uma estética artesanal, com correções de foco e planos enquanto a cena acontece, a proximidade com a realidade é natural e uma força bruta é adicionada à Preciosa - Uma história de Esperança. São nesses momentos que o filme tem suas emoções alavancadas, debates sugeridos e ganha momentos memoráveis.

Preciosa - Uma história de Esperança  (Precious: Based on the novel "Push" by Sapphire, EUA, 2009) de Lee Daniel

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