GIRIMUNHO


Em Girimunho, a câmera de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina é observadora, coadjuvante e expositiva. As locações se transformam lentamente em um personagem fundamental – ser o local, pertencer a ele e tê-lo como sua extensão. O tom documental amplifica a abordagem poética desta jornada espiritual sobre vida e morte.

O cotidiano de Batsu (a excelente Maria Sebastiana) é a estrutura para Marins e Campolina traçarem limites ao luto e a sanidade de sua protagonista; Girimunho ganha traços oníricos enquanto iguala o cinema aos sonhos e a multiplicidade da imaginação em devaneios e expurgação das mais variadas formas.

Fé, saudade, identidade e religião se confundem nas ruas de São Romão, interior de Minas Gerais. Espanta a verossimilhança aos impulsos que chamamos de realidade ou o que acontece quando as câmeras se desligam. Girimunho tem a leveza de um breve momento de paz e contemplação com a força de uma indagação sobre o sentido de ser em forma poética, sem cartilhas, apenas instinto.

★★★★
Girimunho (Idem, Brasil, 2011) de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina

SETE DIAS COM MARILYN


Poucos conheceram Norman Jeane, ou só “Marilyn”, como ela gostava de ser chamada. Uma mulher segura, persuasiva e charmosa. Já Marilyn Monroe espelhava uma figura insegura em relação à arte, mise en scène e o futuro de sua carreira. Sete Dias com Marilyn, apesar de ser narrado em primeira pessoa – pelo terceiro assistente de direção de O Príncipe Encantado, Colin Clark, que como todos os integrantes da equipe de Marilyn se apaixonaram pela estrela e confundiram os sentimentos com os sintomas conflituosas da atriz – não apagam o lado sombrio da história.

Dirigido por Simon Curtis, o longa tem em seu contorno a magia que Marilyn carregava consigo. Bastava um olhar para horas de atraso ser perdoadas. Um sorriso para um homem se apaixonar. Um gesto para uma equipe acatar suas exigências. E o que mimava a atriz a definiu como uma das estrelas mais contraditórias da história do cinema.

Como os cofres mandam, Sete Dias com Marilyn é envernizado por uma história de amor e o breve desencontro entre patrão e empregado, estrela e súdito. Algo que impossibilita qualquer tipo de aprofundamento na psique de Monroe e da conturbada equipe de O Príncipe Encantado, filme que antecipou Quanto Mais Quente Melhor, o maior sucesso da carreira da atriz.

Latejantes por todo o filme, a instabilidade da protagonista e a impaciência de Laurence Olivier, o diretor, vivido por Kenneth Branagh, traçam um momento conturbado que, infelizmente, definiu o restante da carreira da atriz, que faleceu aos 36 anos. Mas, se o que realmente ronda a expectativa do filme é a entrega de Michelle Williams ao seu papel, corra para o cinema – impressiona a noção de Williams que não se trata de um tributo ou reconstituição exata de um tempo.

★★
Sete Dias Com Marilyn (My Week With Marilyn, Reino Unido, 2011) de Simon Curtis

O HOMEM QUE NÃO DORMIA


Em seu campo imutável regido pelas lembranças e associações à identidade nacional, Edgard Navarro (Super Outro, Eu Me Lembro) faz de O Homem que Não Dormia o foco místico deste amplo e curioso estudo.

Navarro utiliza um pequeno vilarejo do interior para analisar seus personagens como “não-pessoas” e sim como parte (ou peças) da massa – que alimentam diversos preceitos de credo e ampliam a ótica humanista sem a necessidade de proximidade. Lendas urbanas e folclore unem-se ao humor agridoce para construir uma obra subversiva e funcional graças aos eixos diversos como a censura e alienação, diluídos na figura que batiza o filme.

O Homem que Não Dormia não possui definições de discurso (apesar de claros momentos de deboche). Abordar o assunto e suas multiplicidades tão complexas através da simplicidade de cidadãos interioranos é o suficiente para Navarro seguir o  panorama de seus últimos filmes.

 ★★★
O Homem que Não Dormia (Idem, Brasil, 2011) de Edgard Navarro

OS VINGADORES - THE AVENGERS

Entre a iminência do fim do mundo e as sequências de ação espetaculosas está a eficácia e audácia de Joss Whedon para construir Os Vingadores – The Avengers no formato que o projeto tem por natureza, ou seja, o encontro de pilares do universo das HQ’s pela ótica de um blockbuster e o momento de glória para a Marvel após dez anos de filmes lucrativos.

Os Vingadores é um filme frenético em todas as vias: o ritmo tem estrutura feita para a geração que consome entretenimento através de outros dispositivos como computadores e celulares. Perfeito para o casamento de espaço, ritmo e ambição. A narrativa, sustentada entre a média de humor ácido e ação, sem tempo para desconstruções de persona ou reapresentações, segue o conceito (em todos os aspectos) do gibi. Para o espectador, o êxtase está em cada encontro dos heróis; por boa parte do filme eles encaram o projeto Vingadores como chama para conflitos internos.

Com equilíbrio, o longa de Whedon dá atenção para todos os seus mocinhos com pitadas de antagonismo e de poucas transformações em comparação aos filmes solo – sinal da funcionalidade de Os Vingadores, que vai da fúria para a ironia em poucos segundos, que entroniza e debocha da mutação – tradução literal do trabalho de Stan Lee, que nos diverte até hoje. E nos cinemas não é diferente. Ah, tem surpresa após os créditos finais!

 ★★★★
Os Vingadores - The Avengers (The Avengers, EUA, 2012) de Joss Whedon

DIÁRIO DE UM JORNALISTA BÊBADO


É possível se desligar da idéia que Diário de um Jornalista Bêbado é um filme baseado na obra homônima de Hunter S. Thompson, falecido em 2005. O filme dirigido por Bruce Robinson se restringe à superfície, muitas vezes priorizando a estética ao desenvolvimento narrativo oscilando entre a falta de timing e o complexo trabalho de podar o roteiro em relação ao livro.

As inserções humorísticas estão lá e funcionam em alguns momentos, mas tudo aqui é extremamente morno, insosso – salvo o momento que Robinson desenvolve um pequeno momento de extrema ironia sobre geopolítica com os Estados Unidos como cerne, é claro.

Johnny Depp luta contra a caricatura que se tornou há alguns anos. Ilustrar efeitos alucinógenos com o ator é pura redundância. Não que este seja o único clichê de Diário de um Jornalista Bêbado, mas Robinson deixa claro que luta contra os clichês que a história de Thompson o levaria a produzir – por outro lado esquece a riqueza da história, criando pilares no último ato, quando seu protagoniza expurga sua revolta contra o sistema em diversos aspectos.



Diário de um Jornalista Bêbado (The Rum Diary, EUA, 2011) de Bruce Robinson

DEZ NOVOS DIRETORES (que merecem sua atenção)

Não leve o “novos” do título ao pé da letra, caro leitor. Muitos dos diretores citados já fazem carreira como produtor, curador, ator, roteirista e principalmente como curta-metragistas. Em comum, eles têm um longa-metragem no currículo, além de talento para galgar ao topo  seja pelo cinema independente ou mainstream. Vamos a eles!
 
EVAN GLODELL (EUA)

Como se não fosse o bastante dirigir um filme pré-apocalíptico inspirado em Mad Max suportado pela amizade e uma brutal história de vingança como seu longa de estreia, Bellflower, Glodell ainda produziu, roteirizou, editou e protagonizou o filme. Atualmente, Glodell roteiriza a série de filmes Tales from the Apocalypse.

 
LENA DUNHAM (EUA)

Epítome do cinema independente americano contemporâneo e representante direta da democracia no uso de novos dispositivos na produção de filmes, Dunham é a queridinha de diretores como Edgar Wright (Scott Pilgrim Contra o Mundo) e Todd Haynes (Velvet Goldmine), o que lhe deu cacife para dirigir a série Girls para a HBO. Seu primeiro filme, Mobília Mínima teve destaque em festivais de cinema ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

 
SÉRGIO CABALLERO (ESPANHA)

Caballero é conhecido por seus trabalhos como diretor do Sonar – International Festival of Advanced Music and Multimedia Art e artista plástico. Finisterrae, seu primeiro filme, é uma saga onírica sobre dois fantasmas atrás da redenção antes do fim do mundo. O longa ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Melbourne e bebe das fontes da vídeo-arte, de Phillipe Garrel e Alejandro Jorodowsky. Caballero ainda não tem previsão para voltar ao cinema.

 
PADDY CONSIDINE (REINO UNIDO)

Levar prêmio em Sundance com seu primeiro filme foi o suficiente para Considine rodar o mundo com Tiranossauro, filme que equivale violência, rispidez, ternura e paixão para analisar valores de um mundo cruel. Considine, que se concentra em sua carreira de ator, neste momento divulga o filme Now Is Good, protagonizado por Dakota Fanning.

 
NEILL BLOMKAMP (ÁFRICA DO SUL)

Peter Jackson (O Senhor dos Anéis) o descobriu através de um curta-metragem no YouTube que mais tarde se tornou o elogiado Distrito 9. Blomkamp, hoje, já com status de diretor mainstream prepara Elysium, seu segundo filme, que conta com presença de Wagner Moura. O lançamento do filme está previsto para 2013.
 
SIVAROJ KONGSAKUL (TAILÂNDIA)

Kongsakul é outro que levou prêmio já em seu primeiro filme, no caso o do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam. Eternidade é um belo exercício contemplativo sobre o valor da vida e do amor. Poético e espiritual, como os filmes orientais costumam ser. Karn, como Kongsakul é conhecido, ainda não divulgou detalhes seu próximo filme.

 
CHRIS FULLER (EUA)

Como em seu primeiro filme, o subversivo Loren Cass – que durou cerca de seis anos para ficar pronto, Chris Fuller está em lenta pré-produção de um filme sobre a família Gracie a ser rodado no Brasil. Enquanto isso, Fuller toca sua produtora, a Jonesing Pictures e torce para ter fundos para seu segundo longa. Espere sentado e seja recompensado.

 
JORDAN SCOTT (EUA)

Atenção ao sobrenome. Sim, Jordan é filha de Ridley e, claro, sobrinha de Tony Scott. A mesma atenção deve ser dada a Sedução, longa de estreia que foi lançado diretamente em DVD no Brasil. Jordan entrega um filme intenso, harmônico e chocante. Apesar de tudo jogar a favor, Jordan não anunciou seu próximo projeto para o cinema.
 
ESTHER RODS (HOLANDA)

Comparações a cartilha do Dogma 95 foram logo disparadas em referência ao modus operandi de Esther Rods em Sentindo na Pele, um filme cru e doloroso, porém, o horizonte de Rods é maior que o do movimento de Lars Von Trier e cia. para ilustrar um mundo sufocante. Esther está em fase de pré-produção de um filme sem nome.

 
GUSTAVO PIZZI (BRASIL)

Riscado, debut diretorial em ficção de Gustavo Pizzi figurou na lista dos melhores de 2011 de muitos sites e jornais. E não é pra menos. Trata-se de um belo conto sobre autonômia e viver de arte - o risco do título vem daí. Gustavo ainda não anunciou nenhum projeto novo, pois viaja pelo mundo em festivais com seu  filme, ganhando prêmios, inclusive.

EU RECEBERIAS AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS


Dicotômica como seu título, a nova parceria entre Beto Brant e o escritor e roteirista Marçal Aquino parece uma avalanche de pessimismo mesmo com possibilidades de fuga e recomeço para Lavínia (Camila Pitanga em entrega surpreendente), ex-garota de programa que acompanha seu namorado e  pastor Ernani (Zé Carlos Machado) em missão no Pará enquanto mantém relação extraconjugal com o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado). Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios sustenta-se pelos diálogos de via dupla e fragmentos e se configura como uma partilha de reações viscerais.

Da comparação do culto evangélico ao circo à instabilidade de todos os personagens, a adaptação do conto do próprio Aquino declara-se a rendição; de uma forma ou outra, lentamente, é possível desconstruir os personagens entre cansativo balé de fades. Atrás da verborragia, dos surtos e das citações poéticas, nada mais existe além da vontade de entrega – de deixar-se levar pela correnteza; pelas piores notícias.

Caótico como a idéia do fim (dos tempos, de uma relação ou da vida), o filme de Beto Brant é a ilustração deste raciocínio. O flerte com o lamento, a idéia de continuidade, o luto e a banalidade no sentido da vida, que pode render seqüelas irreversíveis.

★★★
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (Idem, Brasil, 2011) de Beto Brant e Renato Ciasca

A TODA PROVA


É possível se enganar pelo prólogo de A Toda Prova, novo filme de Steven Soderbergh: um tour de force estilístico com constante troca de cores, subversão no timing entre diálogo e ação e movimentos de câmera. Porém, a empolgação inicial logo debanda para a mesmice dos thrillers de ação atuais, onde protagonismo e antagonismo se convergem e dão o ritmo narrativo barroco necessário.

A inventividade do início é tão impactante que apaga qualquer nuance criativo no decorrer do filme – infelizmente, pouquíssimos. Soderbergh se concentra no jogo de interesse e poder que logicamente embala cenas de ação violentíssimas bem conduzidas com o apoio de uma justificativa rasa acompanhada da contagem regressiva de personagens vivos, prova de um roteiro truncado, talvez pela proposta de minimizar e satirizar o produto, algo feito anteriormente com Confissões de uma Garota de Programa e Onze Homens e Um Segredo – chamados pelo próprio Soderbergh como “filme de férias”.

Com esta abertura, Soderbergh faz um filme para o movimento – tão intenso e instável como a carreira de seu realizador -, displicente na busca de artérias para seu desenvolvimento, com encadeamento simples e o necessário tempero de ironia, que amplifica a postura do diretor diante do público e do mercado cinematográfico.

★★
A Toda Prova (Haywire, EUA, 2011) de Steven Soderbergh

XINGU


Em tom épico, Xingu sinaliza a forma abstrata na saga dos irmãos Villas-Boas, responsáveis pela conquista do espaço do parque nacional do Xingu (Mato Grosso), onde mais de 5.500 índios vivem até hoje sem a interferência de culturas estrangeiras.

Da busca pela liberdade do território urbano até o natural engajamento, Cao Hamburger (O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias) uma relação turva com a posição heróica numa história sobre descobertas, acima de tudo.

O grande pulo do filme é o véu que indica a fixação dos irmãos pelo silencioso desencargo de consciência – colocá-los na tênue linha entre o heroísmo e o antagonismo dá a noção de que doenças, armas de fogo e a mudança de hábito, antes da intervenção do governo brasileiro, começou com os próprios Villas-Boas, que entraram nas aldeias através de uma expedição.

O extermínio da identidade dos índios dá ao filme potencial dramático ligado a remorsos, manifestações políticas e corrupção, como um diagnóstico atual do país, amplificado para as minorias em diversas esferas que assim como o filme têm inúmeros tópicos a se discutir, porém, filmes são limitados pela duração e o desfoque obrigaria à direção a mudança de tom, de assunto e até de personagens. O ciclo não está completo, mas trata-se de uma bela introdução.

★★★
Xingu (Idem, Brasil, 2012) de Cao Hamburger

JOVENS ADULTOS


No embate de décadas criado em Jovens Adultos, o diretor Jason Reitman (Juno, Amor Sem Escalas) ilustra o roteiro de Diablo Cody com referências óbvias aos anos 90 e joga sua protagonista Mavis Gary (Charlize Theron) num conflito comum dos anos 2000 – época que ganha a máxima dos livros para adolescentes como saída irônica e não menos hermética.

Mavis volta a sua (não tão) querida terra natal à procura de Buddy (Patrick Wilson), a fim de reatar uma relação encerrada na época do colegial. A crise de meia idade está lançada. Entre o comportamento inconsequente à postura de mulher bem sucedida, Reitman constrói um protagonista de sensação erma, visceral e de fácil associação à nostalgia e a (re) conquista de um tempo de ouro.

Voltar à adolescência parece para Mavis o caminho certo para sentir-se viva novamente, mas como Reitman reitera em suas alegorias (Jovens Adultos é o filme mais completo do diretor neste quesito), o tempo é tão abstrato quanto o mecanismo que nos leva a atos inesperados e inexplicáveis. Simples, direto e delicioso.

★★★★
Jovens Adultos (Young Adult, EUA, 2011) de Jason Reitman

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